quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Internet aberta

A revelação de que José Dirceu recebeu dinheiro da empresa que poderá se beneficiar caso a Telebrás seja reativada lança dúvidas sobre o plano federal de universalização da banda larga e sobre o modelo de "Estado executor" ensaiado pela Casa Civil no segundo mandato de Lula e defendido pela candidata Dilma Rousseff.
Com sede num paraíso fiscal do Caribe, a Star Overseas pagou R$ 1 pela participação na Eletronet, uma empresa falida cujo único ativo valioso (uma rede de 16 mil km de cabos de fibra ótica) estava na mão dos credores. Meses depois de a offshore ter contratado Dirceu, em 2007, o governo federal anunciou a intenção de transformar o cabeamento da Eletronet na "espinha dorsal" de uma nova rede nacional de acesso à internet, sob a tutela de uma estatal (Telebrás).
Não está claro, ainda, se e como a Star Overseas lucrará com essa remontagem do setor, que será anunciada no mês que vem pelo Palácio do Planalto. Mas a remuneração de Dirceu (R$ 620 mil em dois anos) indica que a offshore não esperava pouco. Advogados ouvidos pela Folha estimam em R$ 200 milhões.
Toda vez que as peripécias de Dirceu são flagradas, Lula diminui o papel do ex-ministro. Diz que ele é um franco-atirador que atua em causa própria _mesmo quando trata de alianças e doações eleitorais.
Desta vez, o Planalto terá de formular um discurso menos ligeiro e mais responsável e esclarecedor.
Primeiro, porque o caso Eletronet parece seguir o padrão dos escândalos da BrOi e da Varig _empresários com acesso ao governo Lula garantem uma bolada sem precisar investir muito (ou nada), graças a informações reservadas e/ou ao suporte jurídico da União.
Segundo, porque Dilma atuou diretamente no plano de banda larga. Ela diz que a rede da Eletronet é "patrimônio importante como o pré-sal". E foi o "apoio mais decisivo" à modelagem do projeto, escreveu Dirceu em março de 2007.

coluna de 24.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Aquele abraço

O encerramento do congresso do PT, hoje, deverá significar uma guinada na campanha de Dilma Rousseff. Assim que descer do palanque, depois de lançar as bases da sua plataforma de governo, a ministra perderá o direito de dizer não à "classe política".
Todos (menos a Justiça eleitoral) sabem que Dilma está candidata desde o anúncio do PAC, em 2007.
Até ontem, porém, ela pôde driblar as demandas mundanas de deputados, vereadores, cabos eleitorais etc. Bastava alegar a sobrecarga na agenda, devido a compromissos de governo, ou que a candidatura ainda não havia sido formalizada.
Por muito tempo, portanto, Dilma tirou proveito do que veteranos do PMDB chamam de "candidatura ausente": a campanha rola solta, mas o concorrente se reserva às articulações de "alto nível" e às aparições de impacto midiático, sempre com a desculpa a tiracolo para descartar o baixo clero dos partidos e as queixas dos correligionários.
Lula costuma dizer a amigos que, na política, um abraço muitas vezes faz diferença. Tapinha nas costas não serve. Tampouco adianta guardar distância com os braços, como numa valsa. Um abraço, para ser eficaz, tem de engatar, puxar o outro com convicção e forçar o encontro dos pescoços, a comunhão sanguínea da temperatura e do pulso.
As pessoas mais próximas a Dilma afirmam que ela não só prestou atenção a essa aula como tomou gosto pela lição de casa. Segundo essa narrativa, quando encarnou o projeto eleitoral e aceitou conhecer de perto os brasileiros, ela teria "redescoberto o próprio corpo".
Essas mesmas pessoas dizem, porém, que a jornada "tátil" da ministra está incompleta. Se ela já disfarça um samba na Sapucaí e o rebolation na Bahia, ainda trava na frente de políticos. A empatia é zero.
Com a aclamação pelo PT, a candidata não poderá mais adiar esse abraço na militância. E nada de tapinha nas costas. Terá de oferecer o pescoço e puxar o do outro.

coluna de 20.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Janela indiscreta

"É necessário radicalizar o debate público e fazer disso um método de ação política." A convocação, feita na virada do ano, não partiu de Franklin Martins, Paulo de Tarso Vannuchi ou outro ministro incendiário do governo Lula, mas de uma das vozes conservadoras mais populares dos EUA.
Âncora de rádio e TV, empresário de comunicações e guru do Partido Republicano, Glenn Beck é adepto da teoria da "Janela de Overton", elaborada na década passada por um cientista político de Michigan.
Cada assunto de interesse público, segundo essa teoria, tem um espectro de várias políticas possíveis. A "Janela" corresponde às opções que a opinião pública (ou o eleitorado) aceita num dado momento.
Não adianta o político pinçar uma ideia que esteja fora desse leque e, por exemplo, tentar transformá-la em lei. Fatalmente será derrotado. Em vez disso, defende Joseph Overton, esse político tem que trabalhar para mudar o cenário, ampliando a "Janela" de propostas politicamente viáveis ou deslocando-a para o seu lado do espectro ideológico. Como? Martelando em público (e na imprensa) ideias cada vez mais radicais _suavizando, por contraste e com o tempo, o conteúdo que o eleitor médio descartava.
O Planalto não busca a imediata implementação das propostas "radicais" que tem lançado ou ajudado a divulgar -tribunal para jornalistas, punição a militares da ditadura, legalização do aborto, retirada de crucifixos das repartições públicas, partilha obrigatória dos lucros, combate à TV paga, jornada de trabalho de 40 horas etc. Lula sabe que são ideias hoje "inaceitáveis".
Esse barulho todo tem pouco a ver com esta Presidência _e muito com a próxima. É, de certo modo, a tentativa de alas do governo e do PT de deslocar para a esquerda a "Janela de Overton". Mantém-se tensionada a campanha eleitoral, que inercialmente tenderá a um continuísmo de centro, e prepara-se o enfrentamento político de 2011.

coluna de 17.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Política adota lei do silêncio em Brasília

O mensalão devastou o cenário político em Brasília, mas curiosamente ninguém tentou tirar proveito do vácuo de poder. Se José Roberto Arruda fingia que governava até ser preso, os oponentes, os aliados até aqui não abatidos pelo escândalo e todos os pré-candidatos ao governo fingiam (e continuam fingindo) que não existem.
O motivo? Mesmo quem aparentemente não tem nada a ver com o propinoduto se assustou. Não se sabe até onde o Panetonegate pode crescer nem o que há no arsenal de grampos, vídeos e papéis ainda não divulgados pelo delator-chefe Durval Barbosa.
Antecessor de Arruda e líder nas pesquisas, Joaquim Roriz (PSC), por exemplo, não fala em público desde que explodiram denúncias de suborno e do uso do dinheiro para compra de apoio político. Talvez porque seja mesmo o mentor de Durval. Talvez porque saiba que a máquina de corrupção agora desbaratada foi instalada na verdade em seu governo e por isso tema um dossiê do contragolpe, dado como certo no submundinho dos arapongas.
Cristovam Buarque, outro ex-governador, desautorizou quem pensou em lançá-lo como "saída ética" a essa confusão. Rapidinho avisou que buscará a reeleição ao Senado, que não quer mais saber do Executivo. Seu partido, o PDT, desistiu de tentar o governo.
Até ontem arranhado lateralmente pela investigação da PF, o vice-governador Paulo Octávio já havia diminuído as atividades políticas e administrativas de seu gabinete, se afastado informalmente da direção nacional do DEM e insinuado que, no máximo, aceitará um dia voltar ao Legislativo.
O PT, o que mais podia lucrar fustigando Arruda, pois na capital faz oposição ao governo, conteve os ânimos e freou a candidatura de Agnelo Queiroz -o ex-ministro viu as fitas de Durval semanas antes de serem divulgadas pela imprensa e, apesar da gravidade do conteúdo, nada fez. O partido, para variar, espera ordens de Lula.
Nomes conhecidos pelo bom trânsito na máquina distrital e pelo interesse de emergir como opção em outubro, os deputados federais Tadeu Filipelli (PMDB) e Rodrigo Rollemberg (PSB) e o senador Gim Argello (PTB) também congelaram em pleno voo -como o beija-flor que dá nome à escola de samba que, desafortunada, escolheu a capital como tema do desfile da madrugada de segunda-feira.

artigo publicado em 12.fev.2010