segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Senhora do destino

Para uma presidente "gestora", com ojeriza a políticos e sem vocação nem paciência para tratar com partidos, Dilma Rousseff obteve neste ano uma expressiva coleção de vitórias no Congresso.
Liquidou assuntos que, no plenário, poderiam servir como instrumento de chantagem. Prorrogou até 2015 a DRU (licença para o governo gastar como quiser 20% das receitas) e tornou automática a regra de reajuste do salário mínimo.
Destravou temas que mobilizavam lobbies poderosos contra o Executivo. A regulamentação da Emenda 29 foi aprovada sem o temido aumento das despesas da União com saúde. O Código Florestal avançou fácil no Senado _e com a redação desejada pelo Planalto. O Orçamento de 2012 passou sem o aumento salarial pleiteado pelo Judiciário.
De quebra, questões pessoalmente caras à presidente também prosperaram, como a criação da Comissão da Verdade, o fim do sigilo eterno de documentos públicos e a flexibilização da Lei de Licitações.
Intimidada pela maioria elástica do governo no Congresso, a oposição não teve energia para reagir. Ou fez a opção tática de se recolher, na expectativa de que a intransigência de Dilma erodisse a base.
Desgastes de fato ocorreram. Dilma dispensou o principal operador político (Antonio Palocci), tirou ministros de PMDB, PC do B, PDT e PR e interveio em redutos de aliados na máquina federal. Mas o clima ainda não está para dissidências.
Alguém poderá dizer que todo presidente larga com força política. Ou que o Planalto não conseguiu zerar as pendências no Congresso, vide a divisão dos royalties do pré-sal. Ou que a unidade da aliança não passa de ilusão: legendas só esperam um pretexto (o revés na economia?) para bandear. Mesmo assim, a estreia legislativa de Dilma superou as expectativas e é um curioso contraponto à timidez administrativa do primeiro ano de seu governo.

coluna de 26.dez.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Que bonito é

Ainda que o torcedor salive ante a perspectiva de Santos x Barcelona, Neymar participa de um campeonato mais longo e importante que o Mundial interclubes.
Há quase dois anos o atacante espanta novatos e nostálgicos com um futebol que vai além da técnica e da aplicação tática.
Em seu jogo, fantasia e eficiência se misturam, quando não se confundem. É algo que o brasileiro não via desde o auge dos Ronaldos, e com regularidade inédita desde Pelé: o brilho não diminui nem quando a partida nada vale, imune a botinadas dos marcadores, más arbitragens e tentações extracampo.
Neymar mostrou maturidade e rara visão de jogo, também, ao recusar a transferência para o exterior. Notou não só que a Europa atravessa grave crise econômica, mas que a Copa-14 deslocará para o Brasil o eixo de toda uma indústria.
Mais: embora se estranhem, a Fifa e o poder público estão amarrados ao destino do evento.
Isso tudo exigirá enorme esforço publicitário. A máquina rodará atrás de um rosto que fale a adultos e crianças, homens e mulheres, boleiros e torcedores de ocasião.
Neymar tem tudo para se dar bem no papel, ao contrário dos eleitos anteriores _Kaká era "clean" demais; Ronaldinho Gaúcho preferiu as delícias da privacidade; o Fenômeno, vítima de tantas contusões, só virou ídolo no país depois que embalofou e vestiu Corinthians.
O bacana: o santista destoa dos padrões de beleza dos craques do marketing, como Beckham e Cristiano Ronaldo. Mas já inspira meninos a (des)arrumarem o cabelo.
Seu sucesso terá um impacto estético. Justiça será feita a todo mulato magriça, que reconhecemos no office boy, no caiçara, em tantos jovens e anônimos trabalhadores.
Neymar joga para provar que o futebol é espetáculo, que o esporte pode dar certo no Brasil e, de quebra, que somos uma gente bonita.

coluna de 12.dez.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Loteamento fechado

Não há garantia de que a reforma ministerial, programada para o começo de 2012, terá o tamanho e o impacto especulados.
Dilma tem quatro motivos para mexer na equipe: substituir os candidatos a prefeito, esterilizar as pastas atingidas por denúncias de corrupção, trocar os fracos e calibrar a participação dos partidos aliados.
Fala-se, ainda, em tirar proveito e enxugar repartições _um jeito de tornar positivo algo que nasceu como resposta ao noticiário negativo.
Desses cinco fatores, porém, apenas um exige resposta rápida de Dilma. Os candidatos precisam sair até abril, prazo da Justiça eleitoral.
Nada impede que o Planalto prefira diluir as demais mudanças. Carlos Lupi (PDT), servidor-fantasma e ministro-zumbi do Trabalho, por exemplo, acaba de dançar.
Ou pegue o caso do Desenvolvimento Agrário, cujo titular, Afonso Florence (PT), tem sido regularmente incluído na lista da degola.
Ele de fato teve ano discreto, mas porque acatou a ordem superior de frear a indústria da desapropriação: desistiu das metas de assentamento, reduziu a autonomia do Incra e pediu o cadastro de terrenos.
Dilma não vilaniza ruralistas nem subestima a importância do agronegócio. Considera a terra um dos principais ativos do país e por isso só defende uma reforma agrária bem planejada, com logística para o combate eficiente à pobreza rural.
Por que, então, tirar Florence agora? Para agradar a ala petista mais estridente e próxima dos movimentos sem-terra? Faz pouco sentido.
O troca-troca nos ministérios, além disso, requer muita energia. Vide a demora de todo presidente para pôr de pé o seu time de largada. Alojar fulano implica desalojar beltrano.
Dilma, que não tem inclinação para a micropolítica e até hoje nunca delegou a alguém esse tipo de operação, anda mais preocupada com as perspectivas de desaceleração da economia, no que tem toda a razão.

coluna de 05.dez.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br