segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Os duelistas

Há propósito em Dilma romper o pacto de não-agressão com FHC e, no lançamento da campanha à reeleição, definir o PSDB como principal adversário. E em Aécio Neves, no mesmo dia, subir à tribuna do Senado para apontar erros da gestão petista e finalmente assumir sua candidatura.
O cenário confuso, com tantos atores se mexendo, empurra os antigos rivais à zona de conforto. Batem um no outro porque precisam um do outro _e talvez já nem façam mais tanto sentido um sem o outro.
Ao fustigar os tucanos, Dilma desfez o rumor de que Lula tentaria a sorte em 2014 e passou a liderar o noticiário da sucessão _do qual, curiosamente, estava quase excluída.
Não convinha ao Planalto que Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) recebessem toda a atenção. Até porque, para decolar, eles terão forçosamente de questionar o PT e o governo que um dia apoiaram.
Dilma mostra que está viva ao bater no PSDB. Delimita os campos e pressiona os demais partidos da base a escolher um lado _o dela.
Além disso, os tucanos têm sido presa fácil. A militância petista já roda no automático os ataques a FHC. Para atingir Campos ou Marina, seria preciso um software novo.
Que ninguém estranhe se a presidente tentar replicar tal polarização nos Estados, a fim de vitaminar a chance de seus preferidos a governador _sobretudo em São Paulo. A reforma ministerial, que ela começa a definir nesta semana, será um passo decisivo dessa estratégia.
A Aécio não resta senão aceitar o convite para dançar. Sua candidatura só será competitiva se atrair defecções no grupo governista. Por enquanto, ele não pode atacar nenhum partido que não o PT.
Daí o jogo duplo do mineiro na eleição de Renan Calheiros (PMDB) para o comando do Senado. Daí, também, seu esforço em manter aberta a porta para uma aliança de última hora com o PSB de Campos.

coluna de 25.fev.2013

melchiades.filho@blogspot.com

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Cadastro positivo

Interessado em adiantar o calendário eleitoral e fixar um slogan de apelo popular, o governo federal põe em risco a credibilidade da principal ferramenta de inclusão social que ele ajudou a implantar.
Criado sem alarde em 2001, o Cadastro Único hoje traz os dados de 70 milhões de pobres e miseráveis.
Permite não apenas localizar essas pessoas para o repasse de dinheiro _como o Bolsa Família. Mas também monitorar a frequência escolar das crianças, mapear carências e demandas de saúde e prospectar empregos ou outras oportunidades de inserção em cadeias produtivas.
A montagem do cadastro foi um sinal de vitalidade da gestão pública. Quebrou a lógica perversa das repartições. O Estado foi em busca do cidadão, e não o contrário.
Contribuindo para vigiar e depurar as informações, prefeituras e governos de Estado têm o direito de consultar a base digitalizada, assim como pesquisadores do assunto.
Mas, como todo arquivo vivo, que dirá num país de dimensão continental e tantas vulnerabilidades, o Cadastro Único não é perfeito. Exemplo disso é a recente "descoberta", pelo Ministério do Desenvolvimento Social, de 2,5 milhões de miseráveis até então ignorados pela lista.
O critério de pobreza extrema também é questionável. O teto da renda mensal per capita foi cravado em R$ 70 _se ganhar R$ 71, o sujeito não é mais miserável. Mais: tal valor permanece congelado desde 2009. Se ajustado pela inflação, estaria agora na casa de R$ 90.
Por isso, será licença estatística, senão mentira deslavada, anunciar que "acabou a miséria no país", como Dilma Rousseff ensaia fazer ainda neste ano. O governo conhece de perto as limitações do Cadastro Único. Sabe que a linha de indigência, além de tênue, está defasada.
Por isso, também, o Planalto deveria corrigir a métrica dos programas sociais antes de decretar o fim do ciclo de estímulos ao consumo.

coluna de 18.fev.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br

Marina e o 'Suco do Bem'

Deve ser lançada nesta semana a sigla que servirá de bonde à nova candidatura presidencial de Marina Silva. Terá nome heterodoxo ("Rede" ou algo assim) para reforçar o contraponto a "tudo que está aí" e a denúncia do "atraso organizativo da política brasileira".
Sempre haverá lugar para quem defender honestidade e zelo na vida pública. Marina melhorou o debate em 2010. Fará o mesmo no ano que vem. Merece estímulo.
Há, contudo, dois aspectos preocupantes no projeto "sonhático".
O primeiro é a viabilidade eleitoral. Desta vez, será mais difícil para o marinismo se diferenciar.
Na contramão de alguns de seus aliados, Dilma Rousseff até agora não descuidou da opinião pública. Sem prejuízo da conveniência marqueteira, a "faxina" de fato tirou dos cargos suspeitos de corrupção. Mensaleiros foram mantidos distantes do Planalto. O PMDB se fortaleceu "à revelia". A presidente nunca posou abraçada a Maluf.
Outro senão diz respeito ao caráter "antipolítico (no limite, apolítico) da "Rede", justo quando há um esforço de depuração _iniciativas de transparência pública, o envolvimento do Judiciário, a atuação da imprensa independente, a multiplicação de vozes na internet etc.
Falta, claro, autocrítica a muita gente em Brasília, alheia ao que dela pensa o país. Mas não falta autocrítica também aos "antipolíticos"? Renan Calheiros provavelmente conhece o Brasil mais de perto e a fundo do que a maioria das pessoas do abaixo-assinado contra a eleição dele à direção do Senado. No mais, nem todo político é bandido. Quem reuniu provas do mensalão foi um deputado do... PMDB!
Marina não é o "Suco do Bem" da política. Não detém a patente das virtudes. Deveria desautorizar o rótulo fácil, o oba-oba promocional e o discurso que, de certo modo, põe em xeque as instituições democráticas pelas quais tanto se lutou.

coluna de 11.fev.2013

melchiades.filho@grupofolha.com.br