segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Falso negativo

A desastrada peça de propaganda de Marta Suplicy merece repúdio, mas não a tática do PT de desconstruir Kassab, fustigá-lo, forçá-lo a confrontar e explicar seu passado.
Uma das notícias destas eleições é o alto número de candidatos desconhecidos, com pouco ou nenhum retrospecto eleitoral, que os caciques partidários escolhem em cima da hora para ampliar ou no mínimo preservar suas zonas de influência.
O próximo prefeito de Belo Horizonte será um deles. Marcio Lacerda "milita" há apenas um ano no PSB _o governador Aécio Neves necessitava de um preposto em um partido intermediário para concretizar a ponte do PSDB com o PT. E Leonardo Quintão (PMDB), seu adversário no segundo turno, marcou a curta carreira de deputado com projetos para outra cidade _Ipatinga, o reduto político do pai.
É natural que a vida e a obra desses e outros "postes" despertem curiosidade e sejam abordadas durante a campanha. Acostumado a votar em pessoas, e não em partidos, o brasileiro tem direito a informações sobre elas. Quintão exagera o "erre" para soar mais mineiro? Lacerda atuou no valerioduto?
Depois da "injúria indireta" de Marta, porém, virou moda rejeitar todo candidato que bate, dizer que a propaganda inquisitiva é influência maldita dos EUA e exigir que os políticos baixem a temperatura e só discutam planos de governo.
Uma seqüência de reportagens na Folha, contudo, revelou o que é essa "agenda positiva": os candidatos invariavelmente copiam programas uns dos outros, reciclam campanhas anteriores e/ou recortam-e-colam idéias implementadas em cidades vizinhas. Há pouca diferença entre as propostas. Todos apelam a platitudes: priorizar a saúde, investir na educação, melhorar o transporte...
Há, ainda, algo de hipócrita no discurso que pede moderação. Em 2010, Dilma Rousseff poderá fazer o papel de Kassab e, com o catálogo do PAC nas mãos, desafiar a oposição a comparar obras. Qual atitude terão os serristas, hoje indignados com o acirramento da campanha? Vão topar um debate "técnico"?
Ora, assim como será legítimo vasculhar e questionar a trajetória e as convicções do "poste" de Lula daqui a dois anos, é legítimo hoje acuar o prefeito que assumiu São Paulo sem receber um único voto.
Eleição é escolha. Precisa de contrastes, não de consensos. Por isso, desde que mantenha a civilidade, a propaganda negativa presta um serviço a quem vota. E não é verdade que ela seja sempre ruim para o desconstruído. Bombardeado pela oposição, João da Costa firmou-se como ator político e garantiu, em Recife, a mais expressiva vitória petista no primeiro turno. Quanto a Kassab, ele resiste na liderança. O eleitor observa, avalia e julga também quem desconstrói.

coluna de 19.out.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Eleição combina voto local com articulações para 2010

O domingo deverá confirmar a máxima de que a oposição não ganha eleições _a situação é que as perde. Segundo as pesquisas, o prefeito bem avaliado se reelegerá ou fará o sucessor.
A hipótese de que prevalecem as demandas cotidianas, as queixas do eleitor e sua opinião sobre a administração que encara as urnas explica a tendência continuísta. O brasileiro em geral se diz satisfeito _com a situação econômica (o crash dos EUA nem respingou nas campanhas), com a inclusão social e de consumo dos anos recentes e, também, com a atuação obreira e eficiente de muitos prefeitos neste quadriênio, anabolizada pela injeção orçamentária no Fundo de Participação dos Municípios.
Pode parecer descabido, diante disso, falar da influência de Lula, da euforia mineira por Aécio Neves ou de qualquer outra força eleitoral que não diga respeito às questões locais.
Fosse decisivo o dedo de Lula, afinal, o Rio não veria subir nas pesquisas justamente os candidatos menos identificados com o presidente (Eduardo Paes e Fernando Gabeira). Fosse automática a transferência dos votos aecistas, também, o PSDB mineiro não estaria na pindaíba, com horizonte de vitória em 7 (e olhe lá) das 28 principais cidades do Estado.
Mas raramente as chapas municipais são montadas como parte de estratégias de manutenção ou tomada de poder restritas às cidades. A razão do voto pode ser local, mas a da articulação política não é.
O Planalto, por exemplo, operou em todo o país para enfraquecer as lideranças nacionais da oposição _e manter sob controle os aliados com ambição majoritária daqui a dois anos. E como desconsiderar a “onda vermelha” se, mesmo que o PT não venha a confirmá-la, ela já pauta os movimentos de todos os partidos?
Não é exagero ou erro, portanto, “federalizar” a análise ou fazer projeções para 2010. As eleições nos municípios fazem parte de alianças ou projetos que poderão pegar embalo ou não _a teia de interesses que a Folha procura retratar nos textos abaixo.

texto de 03.out.2008

O que está em jogo - os Estados


SÃO PAULO
Em momento de popularidade recorde, Lula foi poupado, quando não bajulado, até pelos candidatos de partidos de oposição. Mas, para que sua vitória seja de goleada (ou não seja contestada), o presidente precisa de resultados expressivos no Estado do maior adversário. Daí a ironia: cabe a Marta Suplicy, a quem Lula não vinha tratando com afeto ou deferência, o papel de ponta-de-lança contra o serrismo. O diagnóstico na capital, no entanto, ficará para o segundo turno _Gilberto Kassab (DEM), em ascensão nas pesquisas, poderá despontar como o grande nome destas eleições.

Hoje, as atenções irão para o cinturão em volta da capital. O PT tem boas chances, mas os adversários também, em cidades como São Bernardo, Guarulhos, Diadema e Osasco. No interior, o campo demo-tucano deverá prevalecer na maioria dos grandes municípios, como Ribeirão Preto, Piracicaba, Jundiaí e Bauru. Nos demais, o governador José Serra atuou para ter um pé em chapas favoritas não encabeçadas pelo PT: PMDB em Santos, PSB em São José do Rio Preto e São Vicente...

MINAS GERAIS
Aécio Neves manobrou em duas frentes: em Minas Gerais, para lançar o esboço daquilo que chama de Pós-Lula; fora de Minas, para sabotar as pretensões presidenciais de seu colega tucano José Serra. Tão empenhado, não hesitou em adotar políticas diferentes para o seu partido.

Dentro do Estado, abandonou o PSDB à própria sorte, alienou os parceiros tucanos no cenário nacional e namorou o maior rival. Em Belo Horizonte, 12 siglas integram a coalizão aecista (inclusive o PT), mas não o DEM _o "poste" Márcio Lacerda (PSB) poderá se eleger no domingo. Em outras grandes cidades (Betim, Uberlândia, Montes Claros, Santa Luzia, Ipatinga, Ribeirão das Neves), o PSDB não está nem no páreo _PMDB e PT deverão colher mais vitórias.
Fora do Estado, o governador fez o que pôde para agradar os caciques tucanos, de Tasso Jereissati a Geraldo Alckmin, desde que antipáticos ao serrismo.
O prefeito Fernando Pimentel comprou briga dentro do PT ao bancar o pacto com Aécio na capital, mas fortaleceu-se para o governo em 2010 _se os petistas negarem legenda, sempre haverá o PSB para chamar de seu.

RIO DE JANEIRO
Sérgio Cabral tem a perspectiva de eleger o prefeito do Rio, façanha que um governador não obtém há 23 anos no Estado. O candidato do PMDB, Eduardo Paes, está na frente nas pesquisas _ele astutamente centrou a campanha na saúde (maior problema na percepção do eleitor local) e beneficiou-se do perfil de bom moço, fácil de contrapor a rivais tão carismáticos e/ou "rejeitáveis" como Marcelo Crivella (PRB) e Jandira Feghali (PC do B).

Na reta final, as pesquisas detectaram a subida do tucano-verde Fernando Gabeira. Ainda que haja essa reviravolta no segundo turno, Cabral terá colecionado golaços: tratorou o prefeito Cesar Maia e seu partido (DEM), convenceu as alas do PMDB fluminense a se unirem em torno dele e, sem se queimar com os caciques tucanos (Aécio e Serra são "amigos do peito"), tornou-se o embaixador de Lula no Sudeste. Garantiu que, na sucessão presidencial, será voz influente.
O PMDB também vislumbra vitórias em outras grandes cidades, como Campos (a volta do casal Garotinho) e Volta Redonda, e se acotovela com o PT na Baixada Fluminense.

ESPÍRITO SANTO
É considerada certa a reeleição de João Coser (PT) em Vitória já no primeiro turno. Resta saber se o prefeito se sentirá tentado a buscar o governo capixaba em 2010 _e se o governador Paulo Hartung (PMDB) topará dar ao petista o controle da teia suprapartidária que costurou no Estado (de fazer inveja a Aécio Neves). O vice-governador, Ricardo Ferraço (PSDB), estava na fila... Por enquanto, outro tucano, o ex-prefeito da capital Luiz Paulo Velloso Lucas, é a única figura importante a contestar a grande "concertação".

PARANÁ
As manchetes já estão prontas para o triunfo do prefeito tucano Beto Richa em Curitiba, com reeleição fácil no primeiro turno, caminho livre para tentar o governo do Estado daqui a dois anos e autoridade para palpitar na escolha do candidato do PSDB à Presidência. Mas digno de nota, também, é o esfacelamento da rede política que Roberto Requião montou em oito anos de administração. Como Quércia em São Paulo, o governador matou seu partido: o PMDB não lidera em nenhuma das grandes cidades paranaenses. Requião joga tudo pelo Senado em 2010, possivelmente em composição com o PT, o que põe em risco a reeleição de Osmar Dias (PDT). À margem _e à espera de um eventual tombo tucano e/ou de um furacão Dilma_, o PT trabalha(rá) para fixar o nome e a imagem de Gleisi Hoffmann.

SANTA CATARINA
O mau momento do governador Luiz Henrique (PMDB), preocupado em preservar o mandato (contestado na Justiça) e viabilizar sua ida ao Senado em 2010, abriu o cenário. Jorge Bornhausen (DEM) fará provavelmente a última tentativa de retomar a hegemonia no Estado. Para isso, forjou uma geração de candidatos competitivos nas grandes cidades, como Florianópolis, Joinville, Blumenau e Chapecó. O PT catarinense, que perdeu terreno em 2006, sem êxito implorou um contra-ataque de Lula. Vitórias de Bornhausen aumentarão a chance de o DEM liderar uma "tríplice aliança" (com PSDB e PMDB) antipetista em 2010. Já a reeleição do prefeito Dário Berger, em Florianópolis, dará poder de barganha ao PMDB. O ex-governador Esperidião Amin (PP) joga na capital as fichas que lhe restam.

RIO GRANDE DO SUL
O PT montou chapas competitivas nas maiores cidades (Caxias, Pelotas, Canoas etc). Mas nada aliviará o desastre que as pesquisas ainda não descartam em Porto Alegre: o partido de fora do segundo turno após 20 anos. Manuela D’Ávila (PCdoB), e não só a petista Maria do Rosário, tirou proveito da crise de corrupção que desgastou o governo do PSDB e hoje tem chances de enfrentar José Fogaça (PMDB), um prefeito que não empolga a capital. Ainda que escape do fiasco no domingo, o que é provável, o PT notou que, para viabilizar o plano de liderar uma coligação e retomar o Estado em 2010, no mínimo terá de escolher alguém com trânsito nos outros partidos de esquerda. Ou rezar para que a campanha de Dilma Rousseff à Presidência seja avassaladora a ponto de dobrar todo o Rio Grande do Sul.

BAHIA
Previu-se que o espólio de Antonio Carlos Magalhães ficaria entre o governador Jaques Wagner (PT) e o ministro Geddel Vieira de Lima (PMDB). O pós-carlismo, porém, poderá ter outro ACM: o deputado Neto (DEM), que aparece embolado na briga pelo segundo turno com dois nomes da base lulista _João Henrique (PMDB) e Walter Pinheiro (PT). No interior, Jaques & Geddel farão a festa. Lula pôs em risco a parceria ao interferir em algumas cidades, mas o pragmatismo de Geddel deverá prevalecer, agora e em dois anos _no cenário mais provável, sairá para senador e apoiará a reeleição de Jaques (José Gabrielli, presidente da Petrobras, poderá completar a chapa ao Senado). O ex-governador César Borges (PR, ou DEM enrustido) manterá algumas prefeituras e se fixará como azarão para 2010.

CEARÁ
As eleições poderão culminar com novo revés político de Tasso Jereissati (PSDB), o recolhimento de Ciro Gomes (PSB) e a consagração de Luizianne Lins (PT). Tudo dependerá da (provável) vitória em primeiro turno da prefeita petista de Fortaleza. Tasso e Ciro apostaram em Patrícia Saboya (PDT), mas a senadora jamais passou do 3º lugar nas pesquisas. Reeleita, Luizianne se firmará como um dos pólos da política estadual e porá em risco a hegemonia dos irmãos Gomes (Ciro e o governador Cid, apoiados por Tasso). Ciro bateu muito na prefeita nas últimas semanas, aparentemente convencido de que o PT não aceitará ser coadjuvante no projeto presidencial dele. O deputado termina a campanha com farol baixo, falando em sair como vice genérico de chapa lulista em 2010 (de Dilma, de Aécio, tanto faz).

PERNAMBUCO
A eleição em Recife, que foi parar na Justiça, tem potencial para reconfigurar o cenário político do Estado. Até aqui, o governador Eduardo Campos (PSB) colheu a maior parte dos frutos do lulismo no Estado. Destruiu as bases do ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e acuou DEM, PSDB e PPS. Se eleger no primeiro turno o "poste" João da Costa, porém, o prefeito João Paulo (PT) terá cacife para vôo mais ambicioso _talvez, idêntico ao de Campos. Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria e deputado do PTB, sairá para o Senado e poderá ser o fiel da balança no duelo lulista (ou a argamassa da coalizão). Outros líderes históricos, como os senadores Marco Maciel (DEM) e Sérgio Guerra (PSDB), vêem diminuir em 2008 as chances de reeleição daqui a dois anos.

MARANHÃO
O confronto entre as forças pró-Sarney e anti-Sarney de novo dá o tom das eleições. O governador Jackson Lago (PDT) apostou no PSDB contra a tentativa do ex-presidente de retomar as principais cidades e alavancar a candidatura da filha, a senadora Roseana, ao governo do Estado em 2010. Tucanos com apoio de Lago lideram em São Luís, Imperatriz e Açailândia, por exemplo. Para impedir a vitória no primeiro turno de João Castelo na capital, Sarney ungiu a candidatura do comunista Flávio Dino.

ALAGOAS
Cícero Almeida (PP) deverá se reeleger em Maceió, possivelmente com a maior votação proporcional das capitais, e carimbar o passaporte para a disputa do governo, hoje nas mãos do tucano Teotônio Vilela Filho. Renan Calheiros (PMDB) pensa na sua recondução ao Senado e já não descarta compor com o prefeito. Fernando Collor (PTB), outro aspirante a 2010, dedica-se à eleição do filho em Rio Largo. Na capital, a presidenciável Heloísa Helena (PSol) tenta se eleger vereadora e retomar a vida pública.

RIO GRANDE DO NORTE
O PSB da governadora Wilma de Faria, o PMDB do presidente do Senado, Garibaldi Alves, e o PT se uniram com um único propósito: dinamitar os alicerces de José Agripino (DEM). O algoz do governo Lula no Senado, porém, contra-atacou em alto estilo. Sua afilhada política, Micarla de Sousa, vestida com o verde do PV, decolou em Natal. Confirmada a vitória dela, o senador terá mantido chances de renovar o mandato em 2010. Daí Lula ter resolvido fazer comícios na capital potiguar na última semana.

PIAUÍ
Tudo parece encaminhado em Teresina. Sílvio Mendes (PSDB) deverá renovar o mandato, talvez neste domingo, e já faz planos para o governo do Estado. Com isso, a votação mais interessante se dará em Parnaíba. Lula mandou, e o PT obedeceu: apoiou o PTB para tentar bater a mulher do senador Mão Santa, do PMDB não alinhado ao Planalto. Não se trata só de picuinha. O objetivo é amestrar o PMDB do Piauí em torno do governador petista Wellington Dias e de uma chapa antitucana em 2010.

PARAÍBA
Com 74% de ótimo/bom no Datafolha, Ricardo Coutinho (PSB) deverá se reeleger no primeiro turno em João Pessoa. Enxotado em 2003 do PT (que hoje procura colar nele), o prefeito da capital tem tudo para aproveitar em 2010 o vácuo de poder que o governador Cássio Cunha Lima (PSDB) deixará _acusado de fazer uso eleitoral de verbas públicas, ele luta na Justiça para terminar o mandato. Em Campina Grande, a votação só terá um desfecho no TSE. Motivo? Uso eleitoral de verbas públicas.

SERGIPE
A fatura em Aracaju parece liqüidada. Homem de confiança do governador Marcelo Déda (PT) e primeiro militante do PC do B a administrar uma capital brasileira (assumiu a prefeitura quando o petista se lançou ao governo), Edvaldo Nogueira deverá ganhar já no primeiro turno. Dois caciques da política local, Albano Franco (PSDB) e Jackson Barreto (PMDB), já se conformaram e aderiram à "onda vermelha". O ex-governador João Alves Filho (DEM) marca posição com um "anticandidato" (o genro).

GOIÁS
As eleições giram em torno de ex-governadores. O Planalto fixou a meta de lançar candidatos fortes nas principais cidades e desmontar as bases de Marconi Perillo, hoje senador pelo PSDB. Em Goiânia, é considerada certa a vitória em primeiro turno de Íris Rezende (PMDB), com apoio do PT. Maguito Vilela (PMDB) também deverá emplacar no domingo em Aparecida. O xadrez de 2010, contudo, aguarda a decisão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que cogita sair para o governo.

MATO GROSSO
O afilhado do governador Blairo Maggi (PR) ameaça levar ao segundo turno a eleição em Cuiabá, que parecia selada em favor do prefeito (e aspirante a governador) Wilson Santos (PSDB). Uma candidatura do PP, também da base, impediu o mergulho de Lula _e o tucano aproveitou e pôs uma irmã do presidente na sua propaganda de TV. A prioridade de Maggi, no entanto, é Rondonópolis, seu reduto eleitoral. Jayme Campos (DEM), provável rival ao Senado em 2010, tenta dar o troco em Várzea Grande.

MATO GROSSO DO SUL
Terceiro prefeito mais bem avaliado do país (78% de ótimo/bom no Datafolha), Nelson Trad deverá ter uma reeleição tão tranqüila que a única campanha que hoje mobiliza Campo Grande é para ser cidade-sede da Copa-2014. Como o governador André Puccinelli é do mesmo partido (PMDB), também ostenta índice alto de aprovação e está no primeiro mandato, as chances de turbulência até 2010 são pequenas. O PT, que comandou o Estado de 1999 a 2006, deverá fazer figuração nas principais cidades.

TOCANTINS
A equilibrada eleição em Palmas reproduz as três pontas do embate político do Estado: o PT, que tenta reeleger Raul Filho e viabilizar uma aliança para 2010; o PSDB, que banca um candidato do PV com o objetivo de pavimentar a volta ao poder do clã Siqueira Campos (o ex-governador e seu filho, ex-senador); e o DEM, que relançou a ex-prefeita Nilmar Ruiz com a ambição de clonar a campanha que elegeu a senadora Kátia Abreu em 2006 e cimentar a parceria com o governador Marcelo Miranda (PMDB).

PARÁ
O 5 de outubro será um teste para o casamento do PT com o PMDB de Jader Barbalho, que, em 2006, conduziu a petista Ana Júlia Carepa ao governo do Estado. Em Santarém (PT) e Ananindeua (PMDB), os partidos se uniram e têm chances de ganhar. Em Belém, porém, lançaram candidatos próprios e hoje correm o risco de nem chegar ao segundo turno. A divisão facilitou as coisas para a oposição. As pesquisas põem Valéria Pires Franco (DEM) no tira-teima contra o prefeito Duciomar Costa (PTB).

AMAZONAS
Ainda que seu candidato em Manaus, Omar Aziz (PMN), contrarie as pesquisas e evite ser varrido no primeiro turno, Eduardo Braga (PMDB) sairá das eleições preocupado com a perspectiva de fazer o sucessor: 1) Seu antecessor, Amazonino Mendes (PTB), ressurgiu como favorito na capital; 2) O PT não só lançou vôo solo como usou a campanha para apedrejar o governador; 3) O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR), outro que sonha com 2010, planta votos com a inauguração de obras do PAC.

RORAIMA
Na capital, Boa Vista, a recondução ao cargo de Iradilson Sampaio (PSB) é considerada segura _ele tem o dobro das intenções de voto do deputado Luciano Castro (PR). Por isso a eleição mais interessante do Estado menos populoso do país acontecerá em Pacaraima, na reserva Raposa/Serra do Sol. O prefeito Paulo César Quartiero (DEM), líder dos arrozeiros e defensor da revisão da demarcação contínua do território indígena (em análise pelo Supremo Tribunal Federal), busca outro mandato.

ACRE
A hegemonia do PT deverá sair das eleições sem arranhão. Seja por conta da reeleição de Raimundo Angelim em Rio Branco, prevista com larga vantagem. Seja por conta do não-aparecimento de liderança capaz de galvanizar a oposição. Os irmãos Viana preparam, desse modo, o banquete em 2010: o senador Tião é nome certo do partido ao governo do Estado e o ex-governador Jorge não descarta tentar o Senado (talvez em ambiciosa dobradinha petista com o atual governador, Binho Marques).

RONDÔNIA
O início das obras da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, poderia agitar a votação em Porto Velho. A economia local vive um boom, a infra-estrutura corre risco de colapso com a invasão de mão-de-obra e há uma série de alertas de riscos ambientais. Nada disso, porém, pareceu influir no cenário eleitoral. Roberto Sobrinho (PT), em aliança com o PMDB do senador Valdir Raupp, não deverá ter trabalho para renovar o mandato e impor nova derrota ao grupo do governador Ivo Cassol (sem partido).

AMAPÁ
Macapá é uma das poucas capitais em que está selada uma troca de guarda. Tudo por conta da desastrosa administração do petista João Henrique, a mais mal avaliada do país segundo o Datafolha (somente 11% de ótimo/bom). Camilo Capiberibe (PSB), filho do ex-senador João e da ex-deputada Janete, ambos cassados em 2004 sob a acusação de compra de votos e que procuram voltar à cena, e Roberto Góes (PDT), primo do governador Waldez (PDT), alternam-se na liderança nas pesquisas de intenção de voto.

texto de 03.out.2008

O que está em jogo - os partidos


PT
O Planalto fixou três grandes metas nesta eleição: 1) sabotar as lideranças nacionais não-petistas; 2) assegurar o sucesso de ao menos um partido aliado nos principais municípios; 3) promover o crescimento das prefeituras petistas, tanto nas metrópoles como nas cidades pequenas. De sua parte, o PT fixou uma meta: obedecer cegamente o Planalto. O partido enfrenta as votações com uma unidade sem precedentes. Conhecido pela luta fratricida entre suas correntes, agarrou-se como pôde à popularidade recorde de Lula, aplaudiu o "dedazo" de Dilma Rousseff para 2010 e, em alguns casos, como Goiânia, topou alianças inimagináveis no passado.
Há chances de uma "onda vermelha" nas urnas. Mas, para que ela se confirme, o partido precisa: 1) saltar dos 400 municípios atuais para quase 700 e se consolidar como o substituto do PFL no interior; 2) crescer nas grandes cidades e capitais, para garantir palanques para 2010 e se contrapor ao "W.O." em Belo Horizonte e à ameaça de vexame em Porto Alegre (risco de ficar de fora do segundo turno após 20 anos); 3) conquistar posições em São Paulo, o território de José Serra, pré-candidato com mais musculatura contra o lulismo.

PSDB/DEM
Aliados antigos, PSDB e DEM jogaram de olho em 2010 _por estratégia, por afoiteza e/ou porque sabiam que o rolo compressor de Lula viria em 2008.
Os tucanos não resistiram à perspectiva de eleger o próximo presidente e racharam entre Serra e Aécio. Já os democratas, com o esfacelamento de suas bases no Nordeste e a derrocada de Cesar Maia no Rio, trabalhou para projetar nomes para as próximas majoritárias.
Com objetivos tão distintos, os partidos largaram como adversários em 14 capitais _diretamente em 4 e em coligações distintas em 10. Do mesmo lado, estão em apenas 11 _e, ainda assim, em 5 apoiaram outra sigla. Só em Curitiba, Teresina, Belém, Florianópolis, João Pessoa e Rio Branco um topou apoiar o outro na cabeça de chapa _com horizonte de vitória só nas quatro primeiras.
Em São Paulo e Salvador, os vôos solos resultaram em ataques mútuos duríssimos. Mas é curiosamente nessas cidades que os dois partidos depositam as esperanças de virar o jogo. Dando Kassab (ou Alckmin) em São Paulo e ACM Neto em Salvador, o PT não terá crescido como pretendia nas capitais _e a oposição terá assegurado palanques importantes para se reaglutinar em 2010.

PSB/PDT/PC do B
No varejo, cada um dos três partidos deverá sair das eleições com algo do que se gabar. O PSB exaltará a vitória em Belo Horizonte (apesar do candidato escolhido pelo tucano Aécio) e das reeleições em João Pessoa e Boa Vista. O PC do B falará do triunfo em Aracaju e, no mínimo, da empolgante campanha em Porto Alegre. O PDT dirá que sobreviveu ao escândalo que pilhou um de seus líderes (Paulinho Pereira) e assegurou cidades importantes como Campinas e Niterói.
No atacado, no entanto, o chamado "bloquinho" não deverá alcançar as metas que fixou no início do ano: 1) Não terá reforçado sua posição dentro da coalizão de Lula nem contido o ímpeto "hegemonista" do PT (sob todos os aspectos, o partido do presidente avançará); 2) Não terá avançado como um bloco nas prefeituras (nas grandes cidades, os vôos solos foram mais numerosos do que as candidaturas em conjunto); 3) Não terá divulgado o nome de Ciro Gomes à sucessão presidencial (diante dos sinais de Lula na direção de Dilma Rousseff, o deputado cearense preferiu se recolher, não se indispor com o PT nacional e mergulhar na campanha em seu Estado, sobretudo para evitar/adiar o revés em Fortaleza).

PMDB
O cenário é bem diferente para o partido que faturou todas as capitais nas primeiras eleições municipais pós-ditadura. O PMDB saberá só no segundo turno se cresceu nos municípios _ou se não encolheu. Dentre as capitais, é dada como certa a reeleição apenas em Goiânia e Campo Grande. No Rio, em Florianópolis, em Salvador e em Porto Alegre, o resultado ficará para o dia 26. Algo, de certa forma, frustrante, já que o partido se encastelou como nunca no governo Lula e, apesar da crise que abateu Renan Calheiros, conservou o controle do Senado (e, junto com o Planalto, da pauta legislativa).
Por vezes, o PMDB pareceu mais empenhado em negociar o controle da Câmara a partir de 2009 do que em avançar sobre as prefeituras. (Deverá trabalhar no Congresso para reabrir janelas para o troca-troca partidário e, dessa forma, seduzir eleitos por outras siglas.) Talvez tenha sido uma apatia tática, para não se indispor com ninguém e poder oferecer o vice tanto da chapa lulista quanto da tucana em 2010.
Por fim, as eleições marcam uma inflexão na carreira de alguns caciques. Novos líderes emergem nos seus redutos ou mesmo no partido, caso do governador Sérgio Cabral (RJ).

texto de 03.out.2008

O que está em jogo - os presidenciáveis


SE VOCÊ É DILMA, TORÇA PARA QUE...
...o PT aplique uma "onda vermelha" nas grandes cidades
(assegurará a ela palanques/máquinas para a campanha presidencial)
...o segundo turno não tenha muitos duelos de partidos aliados
(garantirá à ministra mais comícios neste ano, aumentando sua exposição)
...Heloísa Helena não se eleja vereadora em Maceió
(manterá fora do circuito a possível puxadora de votos de esquerda de 2010)

SE VOCÊ É SERRA, TORÇA PARA QUE...
...Gilberto Kassab não perca o embalo e vença em São Paulo
(indicará que o governador também consegue eleger um "poste")
...o PSDB ganhe ao menos uma das cidades petistas da Grande SP
(mostrará que a "onda vermelha" foi no máximo cor-de-rosa no Estado)
...ACM Neto e Fernando Gabeira avancem em Salvador e no Rio
(poderá reforçar pontes com outras siglas e fazer campanhas fora de SP)

SE VOCÊ É AÉCIO, TORÇA PARA QUE...
...Geraldo Alckmin opere o quase-milagre de ir ao segundo turno
(encorajará, no quintal de Serra, a ala do PSDB que não gosta de Serra)
...o PT avesso à concertação mineira não ganhe cidades importantes
(diminuirá as resistências petistas a uma nova aliança no Estado em 2010)
...o PMDB leve a melhor nos principais confrontos com o PT
(fortalecerá um partido da coalizão lulista bem mais fácil de seduzir)

SE VOCÊ É CIRO, TORÇA PARA QUE...
...Luizianne Lins não triunfe logo de cara em Fortaleza
(impedirá a consagração da prefeita como liderança cearense)
...Manuela D’Ávila passe para o segundo turno em Porto Alegre
(mostrará que o "bloquinho" de esquerda pode se contrapor ao PT)
...o PT não capitalize sozinho o lulismo no interior do Nordeste
(terá margem de manobra no seu principal reduto eleitoral)

SE VOCÊ ESTÁ CANSADO DESSES NOMES, TORÇA PARA QUE...
...Marta Suplicy arranque e fature já no primeiro turno em São Paulo
(dará à prefeita "legitimidade" para se oferecer como opção a Dilma)
...Sérgio Cabral vença na maioria dos grandes municípios do Rio
(incentivará o PMDB a pensar em arriscar um vôo solo daqui a dois anos)
...o PT ganhe em Salvador e goleie o PMDB no interior da Bahia
(aumentará o cacife nacional do governador petista Jaques Wagner)

texto de 03.out.2008

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Emergência

A duas semanas da votação, já é possível identificar três políticos regionais que ganharam, na campanha de 2008, o direito de jogar o xadrez de 2010: Beto Richa, João Paulo e Sérgio Cabral.
Com uma aprovação (81%) de causar inveja a Lula, o prefeito de Curitiba não só caminha para a reeleição como se cacifa para tomar o Estado. A perspectiva de vitória do tucano daqui a dois anos é tamanha que o governador Roberto Requião (PMDB) já negocia a "transição".
Para o PSDB, a próxima empreitada de Richa será estratégica, por representar uma barreira no Sul ao candidato de Lula ao Planalto. Serra e Aécio não vão se assanhar em 2010 sem o apoio do paranaense.
Em Recife, João Paulo acertou ao confiar em seu taco (59% de ótimo/bom) e apostar no secretário do Orçamento Participativo, programa que mobilizou 12% das verbas municipais e 30% dos habitantes. Seu "poste", João da Costa, tende a vencer já no primeiro turno.
O resultado dará ao prefeito legitimidade para controlar o PT pernambucano e desafiar a reeleição do aliado Eduardo Campos (PSB). É possível que, para evitar o duelo, Lula faça de João Paulo ministro. Mas, precavido, o governador, ele próprio um emergente em 2006, já trabalha seu nome para vice na chapa de Dilma _atropelando o projeto do correligionário Ciro Gomes.
Cabral deve eleger o prefeito do Rio _o que um governador não consegue há 23 anos no Estado. Eduardo Paes sobressai, até pela falta de graça, em meio a tantos postulantes "rotuláveis" (evangélico, pró-maconha, pró-aborto, coroinha...).
Ainda que dê zebra no segundo turno, Cabral terá colecionado sucessos: ejetou o prefeito Cesar Maia (DEM), uniu sob seu comando as três alas do PMDB fluminense, selou trégua com o PT, satisfez a banda podre da Assembléia Legislativa e agradou os poderosos ao inventar um candidato "palatável". Tudo isso sem fechar portas para si próprio. Poderá abraçar Aécio, Dilma, Serra, tanto faz. Todos vão procurá-lo.

coluna de 19.set.2008

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

ABC do PT

O mergulho de Lula nas eleições da Grande São Paulo, notadamente o corpo-a-corpo que fez (e voltará a fazer) no ABC, nada tem de folclórico ou saudosista.
O duro confronto com José Serra pela hegemonia política no Estado dá-se no cinturão em torno da capital, e não somente nela.
As pesquisas mais recentes e sérias nos 20 municípios com mais de 200 mil habitantes (onde pode haver segundo turno) mostram que:
1) PSDB e DEM, os dois partidos de Serra, devem golear no interior, mantendo sete de suas oito cidades do G-20 e conquistando outra.
Em Piracicaba, Mogi das Cruzes, Jundiaí, Franca e Sorocaba, é provável uma vitória já no primeiro turno. Assim como em Bauru, que em 2004 havia prestigiado o PDT.
Nas duas administrações menos populares do PSDB, deu-se um jeito. Em São José dos Campos, o prefeito refez-se das críticas ao novo sistema de ônibus e abriu vantagem. Em Ribeirão Preto, o DEM "já ganhou" com sua candidata.
Carapicuíba pinta como a única baixa tucana. O prefeito deixou que a base saísse dividida _e, nela, o nome do PMDB aparece mais forte.
2) O PT não terá tanta moleza para preservar suas quatro cidades, que dirá ampliar presença no G-20.
O sucesso em Santo André parece provável, mas não logo de cara. Tudo segue em aberto em Guarulhos e em Osasco, com empates na liderança e certeza de segundo turno.
Triunfos petistas no dia 3 tendem a ocorrer em Diadema e em Mauá, atualmente administrada pelo PV.
De resto, o partido compete em mais três páreos. Tem boa chance em São Bernardo (hoje do PSB), com o ex-ministro Luiz Marinho, e é zebra em São José e Carapicuíba.
3) Com a exceção de Guarulhos, quem ameaça as ambições petistas no G-20 é exatamente o PSDB.
Não tivesse o PT envolvido o presidente e acionado dois ministros, a imprensa hoje estaria especulando a aflição do partido no Estado, e não falando de "onda vermelha".

coluna de 16.set.2008

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

BR distribuidora

Lula negou à Petrobras o controle dos poços porque ela deve satisfações aos acionistas, e não ao presidente da República. Mas é justamente isso que faz da empresa a favorita ao papel de ponta-de-lança do governo no pré-sal.
A Petrobras é uma caixa-preta. Que o diga o Tribunal de Contas da União, cujas auditorias já detectaram sobrepreço, despesas com consultorias fictícias, escolhas de fornecedores sem respaldo técnico, aditivos inexplicados e outras irregularidades sob a ótica da Lei das Licitações (número 8.666/93).
A Petrobras, porém, usa sempre um argumento para rebater as acusações e evitar constrangimentos: por ser uma "sociedade de economia mista", com participação de capital privado, não tem que submeter todos os contratos à 8.666. Amparada em decisões da Justiça (baseadas em decreto baixado por FHC), ela alega que precisa de agilidade para fazer frente à concorrência. Na área de serviços, por exemplo, estima-se que não licitou 40% do gasto no governo Lula até 2007.
(Talvez isso explique por que ela tenha virado alvo da Polícia Federal e freqüentado o noticiário de escândalos, do mensalão à Navalha, de Sílvio "Land Rover" Pereira a Duda "Paraíso Fiscal" Mendonça.)
É difícil acreditar que o Planalto não venha a se interessar pela elasticidade operacional que o status de "sociedade mista" garante. A Petrobras significaria um atalho para encomendar plataformas, navios, insumos etc. (e, também, para atender lobbies, distribuir favores etc.).
Na avaliação de técnicos do TCU, a entrada imediata em jogo de uma estatal "pura", sujeita a mais regras e burocracias, poderia atrasar em mais de uma década o começo da produção, previsto para 2015/20.
Uma opção seria mudar a lei. Outra, menos trabalhosa, seria guardar a PetroSal para gerir a extração e o caixa, após instalada _ou encaminhada_ a infra-estrutura. A fala de Lula no 7 de Setembro, elogiosa à Petrobras, terá sido um sinal?

coluna de 12.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Alto lá, Lulalá!

É precipitado dizer que as campanhas municipais têm se curvado à influência de Lula.
Muitos se impressionam porque candidatos da base do presidente lideram as pesquisas em 20 das 26 capitais. Esquecem, porém, que ela já administra 21. Do ponto de vista estritamente numérico, o Planalto ainda não tem muito a celebrar.
Pouco se falou, também, que os partidos pró-Lula lançaram 94 nomes para prefeito nas capitais. 94! (Apenas em Teresina a coalizão se uniu em torno de um postulante.)
Não há, e dada a quantidade, nem poderia haver homogeneidade na relação de Lula com todos os candidatos de PT, PMDB, PSB, PDT, PC do B, PTB, PR, PP, PRB, PV, PSC, PMN, PHS, PT do B, PTC e PRTB.
Micarla de Souza, que desponta em Natal, por exemplo, é ligada a José Agripino Maia (DEM), um dos mais ferrenhos críticos do governo federal. Contudo, por ser filiada ao PV, ela foi parar na lista das "barbadas" lulistas nas capitais.
Do mesmo modo, como atribuir ao presidente a ascensão de Eduardo Paes? Só porque o ex-pefelista e ex-tucano (além de verdugo na CPI dos Correios) aderiu ao PMDB? No Rio, Lula fechou desde o início com Marcelo Crivella (PRB) _e é este quem tem caído nas pesquisas.
Ou tome-se Belo Horizonte. O presidente só desceu do muro depois que Márcio Lacerda (PSB), cria do tucano Aécio Neves, decolou. Era Jô Moraes (PC do B) quem distribuía santinhos do petista.
Lula esbanja popularidade, mas o diferencial do voto nos municípios por enquanto é local: bem avaliado, o prefeito garante a dianteira (sua ou de seu representante); mal avaliado, cede terreno à oposição.
O único "efeito Lula" palpável até aqui, portanto, precedeu a campanha e dela independe: a articulação que pôs 16 partidos no colo do presidente.
O "efeito Lula" eleitoral só será comprovado no segundo turno, se aplicadas surras no carlismo em Salvador e no nome de Serra (Gilberto ou Geraldo) em São Paulo.

coluna de 09.set.2008

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sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Grampo legal

Ainda que o futuro possa lhe reservar algum tipo de constrangimento, o governo só tem a comemorar com a escandalização do uso de escutas telefônicas.
Confira o que de concreto ocorreu desde o começo das denúncias de desrespeito às liberdades individuais e das reações indignadas:
1) Foi escanteado o delegado que pretendeu investigar os negócios de Daniel Dantas, as relações íntimas do empresário com o Planalto e o acordo de indenização que permitiu ao governo levar adiante a idéia de criar a supertele nacional.
2) A Polícia Federal repaginou a Operação Satiagraha. Fechou foco nos indícios de fraude financeira do Banco Opportunity e esqueceu outras ambições do inquérito original, como tráfico de influência e a fusão da Brasil Telecom com a Oi.
3) Dantas e seus principais assessores saíram da prisão. Não têm mais motivos para abrir a boca.
4) Lula conseguiu nomear o quinto conselheiro da Anatel para dar o voto de minerva em favor da BrOi.
5) Foi afastado o diretor que construiu a "PF republicana", aplaudida por não discriminar investigados _o que possibilitou que o irmão do presidente caísse num grampo pedindo "dois pau pra eu".
6) A pretexto de impedir exageros de arapongagem, a PF recebeu ordens para tratorar a corporação e centralizar a inteligência. A apuração do dossiê produzido na Casa Civil contra FHC foi abandonada.
7) Um ex-funcionário de Dantas assumiu o comando da Abin.
Resumo: o Planalto não só preservou a negociação (e os negociadores) da BrOi como diminuiu a possibilidade de voltar a ser incomodado por escutas telefônicas.
Judiciário, Legislativo e sociedade civil exigiram o direito à privacidade. Com a degola de Lacerda e Protógenes, Lula garantiu o dele.
Talvez esteja aí a explicação para a reação enérgica e rápida de um presidente que costuma defender os colegas pilhados em atos ilegais e recomendar paciência nas crises.

coluna de 05.set.2008

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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Inimigos íntimos

A parceria que deu sustento a FHC não deverá sair das eleições municipais com a coesão desejada para dar o troco em Lula.
PSDB e DEM se estranharam já na negociação das candidaturas. A estratégia vislumbrada para 2010 não resistiu aos paroquialismos.
Os dois partidos largaram como adversários em 14 capitais. Enfrentam-se diretamente em 4 e participam de coligações rivais em 10.
Do mesmo lado, eles estão em 11. Ainda assim, em 5 endossaram uma terceira agremiação. Somente em Belém, Curitiba, Florianópolis, João Pessoa, Rio Branco e Teresina um partido aceitou apoiar um nome do outro na cabeça de chapa.
A campanha, claro, ampliou a distância. E não só em São Paulo, onde a desidratação de Geraldo Alckmin (PSDB) e o crescimento de Gilberto Kassab (DEM) dinamitaram a base tucana irremediavelmente.
Em Salvador, por exemplo, ACM Neto (DEM) torce desabridamente contra Antonio Imbassahy (PSDB) e para ter outro oponente no segundo turno _ao passo que o tucano, curiosamente, virou a aposta do governador petista Jaques Wagner para barrar o retorno do carlismo.
Em Fortaleza, onde o DEM tem chance com Moroni Torgan, o PSDB reforça a militância de Patricia Saboya (PDT). Em Cuiabá, onde a vitória de Wilson Santos (PSDB) parecia certa, o apoio do DEM a Walter Rabello (PP) aumenta a possibilidade de segundo turno.
Fossem boas as perspectivas desses vôos separados, não seria difícil uma reaproximação pós-outubro. As pesquisas, contudo, põem tucanos e democratas no páreo em apenas 9 capitais _com 3 barbadas (tucanos em Curitiba, São Luís e Teresina). O PT, sozinho, crava 8 e 4.
Não à toa, FHC voltou a defender a chapa puro-sangue Serra-Aécio (não necessariamente nessa ordem), e o DEM, a falar em "anticandidato" _o governador José Roberto Arruda (DF) ou a senadora Kátia Abreu (TO), a depender do perfil da campanha de Dilma Rousseff.

coluna de 02.set.2008

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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Liga da Justiça

Há várias razões para a sanha legislativa do Supremo Tribunal Federal, além do gosto dos ministros pelo holofote. Uma delas é a desorganização jurídica do país.
Entre leis, decretos, instruções, portarias, comunicados e resoluções, existem mais de 180 mil normas legais federais, de acordo com um levantamento da Casa Civil. Textos obsoletos, que colidem entre si e/ou inconstitucionais convivem nesse cipoal, disseminando incertezas e enlouquecendo quem precisa _e quem vive_ da Justiça.
Não faz sentido pôr toda a culpa nos deputados constituintes, que produziram uma Carta longa e detalhista demais e, ao mesmo tempo, transferiram os impasses para a legislação complementar. Acima de tudo, eles tinham de lidar com a urgência da transição democrática.
Parcela maior de responsabilidade têm as gerações seguintes de parlamentares e os partidos políticos. Depois de exatos 20 anos, a Constituição continua incompleta, à espera de regulamentação.
De certa forma, é justamente esse o espaço que o Judiciário-em-nova-fase procura (ou é requisitado a) preencher. Algemas, direito de greve, nepotismo... e por aí vai.
Em 2007, depois de uma década de total descaso pelo assunto na Casa, um grupo de deputados percebeu a necessidade de consolidar e harmonizar as leis em vigor.
Divididos em 21 frentes de trabalho temáticas (meio ambiente, mineração, Previdência etc.), eles começam agora a apresentar os relatórios. Já está pronto, por exemplo, o projeto de lei que enxuga a CLT _segundo os autores, sem suprimir direitos trabalhistas ou deveres.
Se deseja reagir à investida do Judiciário e reafirmar sua prerrogativa de legislar, a Câmara deveria acolher esse trabalho de ordenamento jurídico e se empenhar para votá-lo com rapidez _em vez de priorizar a proposta de aumento salarial do STF, que agrada os ministros, mas afronta o contribuinte.

coluna de 29.ago.2008

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Te vi na TV

A mais recente bateria de pesquisas do Datafolha comprovou que a propaganda nas TVs e rádios continua uma ferramenta eleitoral poderosa, se não decisiva.
(Por semanas, desdenhou-se da eficácia dos programas, em uma cruzada alimentada pelos próprios partidos políticos, interessados em baixar os honorários dos marqueteiros e equipes de comunicação.)
Em São Paulo, caiu a distância do prefeito Gilberto Kassab (DEM) para o tucano Geraldo Alckmin, de 21 para 10 pontos percentuais.
No Rio, Eduardo Paes (PMDB) subiu de 9% para 17% e cavou um triplo empate com Marcelo Crivella (PRB) e Jandira Feghali (PC do B).
Para desespero dos adversários da aliança entre PSDB e PT, o candidato "flex" Marcio Lacerda (PSB) arrancou em Belo Horizonte. Com um salto de 15 pontos, foi a 21% e superou a comunista Jô Moraes.
No topo das intenções de voto, nada mudou em Salvador. Mas Walter Pinheiro (PT) deu sinal de vida e passou de 7% para 13%.
Em Recife, o petista João da Costa (37%) não só desbancou Mendonça Filho (DEM) como já esboça possível vitória no primeiro turno.
A candidata à reeleição Luizianne Lins (PT) desgarrou de Moroni Torgan (DEM) e agora aparece na frente em Fortaleza, no limite da margem de erro _35% a 29%.
O Datafolha flagrou só três dias de campanha nas TVs e rádios. Mas, segundo o instituto, eles bastaram para "contaminar" os cenários.
Afinal, só há uma coisa em comum entre Kassab, Paes, Lacerda, Pinheiro, Costa e Luizianne: mais tempo de propaganda que os rivais diretos.
Ao se meter na vida das pessoas e lembrá-las da votação, os programas, ainda que péssimos, têm um efeito mobilizador. Depois do anticlímax da Olimpíada e do fim do mistério da novela das oito, do que falar na fila do ônibus, no churrasco na laje, no café da repartição?
Por isso, também, a queda abrupta de indecisos nas capitais: 43%, contra 58% no "round" anterior.

coluna de 26.ago.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Receita do bolo

Tramita quieta e rapidamente no Congresso um acordo entre os fiscos do Brasil e dos EUA que prevê a troca de informações e acesso a dados sigilosos.
Aprovado o texto, auditores brasileiros poderão vasculhar as movimentações financeiras e declarações de renda de pessoas físicas e jurídicas nos EUA _e vice-versa.
A Receita saliva com a perspectiva de descobrir os brasileiros com imóveis e dinheiro não-declarados nos EUA e disparar processos por sonegação e evasão de divisas. A Flórida não seria mais a mesma.
Curiosamente, porém, quem mais opera pela aprovação do intercâmbio não é o governo, mas a nata da iniciativa privada nacional.
Embraer, Vale, Gerdau, Coteminas, Votorantim & Co. não estão empenhados em caçar sonegadores. Procuram fazer desse tratado bilateral o trampolim para outro: convencer os EUA a aceitarem o fim da dupla tributação, o que reduziria o recolhimento dos lucros que essas empresas repatriam.
O silencioso rolo compressor sobre a Câmara, contudo, esmagou duas contraposições importantes.
Primeiro, nada garante o sucesso da estratégia "fatiada" _inédita. O governo americano não firmou compromisso sobre a bitributação.
Segundo, não há no texto no Congresso salvaguarda à privacidade do contribuinte. O envio de dados teria de ocorrer mesmo que a conduta do investigado não fosse crime em seu país. Em tese, os EUA poderiam exigir os dados de familiares de imigrantes ilegais, por exemplo.
A Receita tenta tranqüilizar. Promete no dia-a-dia filtrar os pedidos, adequando-os à legislação nacional, e impedir a utilização indevida das informações repassadas.
O acordo, de todo modo, criaria um atalho não-judicial para a quebra do sigilo bancário. Cabe perguntar se, para aliviar a grande indústria, o brasileiro se dispõe a confiar esse direito constitucional a fiscais anônimos desobrigados de tornar públicas suas decisões.

coluna de 22.ago.2008

mfilho folhasp.com.br

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Peixe grande

O PT catarinense, que hoje controla a Secretaria da Pesca, tem pela frente um difícil ciclo eleitoral e por isso corre para garantir abrigo. E, já que a Petrobras não bastou para acomodar o condomínio de siglas que apóia Lula, convém fundar outra estatal para gerir as reservas do pré-sal.
Ainda que isso tudo seja verdade, não cabe tratar da emancipação do Ministério da Pesca e da invenção da "PetroSal" apenas como manobras do governo federal para ampliar o cabide de empregos. Há algo mais importante em jogo.
O novo status concentrará na pasta de Altemir Gregolin todo o ordenamento do setor, hoje espalhado por várias repartições. Uma única canetada poderá liberar a criação extensiva de pescado nos lagos de hidrelétricas ou licitar áreas oceânicas. É a cartilha da Casa Civil: ruim para o Ibama, bom para o país.
Quanto à Petrobras, os PACmen do Planalto sabem o quanto devem aos impostos e dividendos repassados pela empresa. Mas sabem, também, que uma "PetroSal" permitiria à União antecipar receitas e morder a bolada que atualmente fica com municípios e Estados ("royalties") e com os acionistas.
Guardadas as devidas proporções, nos dois casos Lula busca lastro orçamentário e liberdade executiva. Dinheiro e poder, na veia.
As críticas ao aparelhamento do Estado são pertinentes, sobretudo neste momento de despreocupação fiscal. Mas elas têm impacto reduzido. Urnas e pesquisas de opinião seguidamente revelam que o eleitor não só aceita como deseja os dedos do Estado na economia.
A oposição erra, portanto, quando martela somente a tecla do inchaço da máquina pública. Marcos regulatórios, observâncias ambientais, priorização de investimentos _no peixe e no óleo, o Planalto precisa ser desafiado a responder a essas urgências também. O dinheiro de Tupi pode erguer a educação pública? Pode. Mas pode acabar irrigando apenas as Unilixos da vida.

coluna de 19.ago.2008

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 10 de agosto de 2008

Primeiros socorros

Uma no cravo: o ranqueamento de escolas é útil, mesmo que contenha pequenos erros técnicos ou contrabandos politiqueiros. Ele serve de munição para que alunos, pais e professores exijam mais qualidade. Estimula as instituições de ensino a agirem para não caírem na "lista suja".
Outra na ferradura: está mais do que na hora de o governo responder aos maus resultados coletados pelos exames nacionais de avaliação.
Não basta expor os dados e prometer fiscalização. Fernando Haddad diz que antigamente "era uma festa" para os educadores picaretas. Se nada mudar, o próximo ministro poderá usar a mesma frase.
Tome-se a revelação, nesta semana, de que um em cada quatro médicos do país se forma em cursos "sem condições de funcionar".
Esses formandos "não sabem nem tratar gripe", alerta a Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Imagine os riscos para a saúde pública _mais ainda porque a população considera os médicos os profissionais mais confiáveis (71%, em pesquisa do Market Analysis).
Muita gente de bem defende que o governo contra-ataque e imponha um teste de qualificação ao término do curso de graduação, similar ao exame de ordem da OAB.
(Em caráter experimental, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo já criou uma prova para avaliar quem completou os estudos no Estado, mas com adesão voluntária. A reprovação supera 50%...)
Não parece correto, porém, permitir que seja alijado do mercado o formando que pagou as mensalidades de um curso autorizado pelo MEC. Ou dar a terceiros o poder de definir quem pode trabalhar. Programas de inclusão como o ProUni perderiam força. Por que o sujeito investiria seu tempo na faculdade?
Um "exame de ordem" para médicos seria bom, mas como um estímulo positivo. Por exemplo, fazer dele um diferencial (ou requisito) para quem se candidata a cargos em hospitais e universidades públicos.

coluna de 09.ago.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Tragédia da vida privada

O Estado brasileiro adverte: só faça entre quatro paredes o que puder repetir em público, só diga ao telefone o que puder falar ao megafone, só escreva no e-mail aquilo que todo mundo puder ler.
Reportagem da Folha comprovou o que os ministros Tarso Genro e José Múcio haviam comentado com sarcasmo: juízes de primeira instância e policiais federais se uniram para fuçar a privacidade de quem bem entenderem.
O disparate começou quando foi dado aos delegados da Operação Satiagraha sinal verde para estenderem o grampo a quem porventura tivesse falado com os suspeitos.
Havia autorização, por exemplo, para varrer as ligações de Dilma Rousseff e de Gilberto Carvalho, pois os dois assessores mais próximos de Lula foram contatados pela infantaria de Daniel Dantas. (Se eles deram ou não uma mãozinha para as Farc? Os sombras sabem.)
A senha que as companhias telefônicas tiveram de entregar à PF permitia mais ainda: acesso ao histórico de qualquer pessoa. Ronaldinho, Juliana Paes, Jorge Gerdau, tanto faz. Bastava digitar o nome.
Sem ter de prestar contas a ninguém, a arapongagem pôde deixar ligado o aparelho que coletava os dados mesmo depois de encerrado o prazo estabelecido pela Justiça.
Ninguém se lembrou de resguardar o cidadão comum e inocente _aquele cujos interesses o delegado Protógenes Queiroz diz proteger. Inquirido, um dos juízes responsáveis afirmou que "garantismos" não fazem mais sentido.
Como se portar diante de tanta bisbilhotice? Extirpando as paixões, sublimando os desejos, escondendo direitinho os pecados?
O custo dessa onda justiceira é a paranóia _e, eventualmente, a renúncia à individualidade.
Não deixa de ser curioso que os dois ministros mais influentes no momento sejam justamente Dilma Rousseff e Franklin Martins, que exerceram a dupla identidade nos tempos de guerrilha.

coluna de 06.ago.2008

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Aberto para reforma

Passatempo favorito de um governo sem agenda legislativa e de um grupo de parlamentares com espasmos de crise de consciência, a reforma política desta vez tem alguma chance de decolar.
Há no Congresso uma questão mal resolvida, capaz de puxar o pacote de mudanças: a decisão da Justiça Eleitoral de punir quem trocar de partido durante o mandato.
Embora acreditem que a "intromissão" eventualmente cairá no Supremo Tribunal Federal, pois já foi considerada inconstitucional pela Procuradoria Geral, muitos líderes concluíram que, para não continuar à mercê do Judiciário, precisam de algum modo deliberar sobre a fidelidade partidária.
Diferentemente do que se diz, a falta de uma janela que permita a mudança de sigla não incomoda apenas o "baixo clero", tropa de choque fisiológica que, antes de o TSE acabar com a farra, costumava negociar a filiação de acordo com a oferta do Executivo. Quem hoje puxa as articulações na Câmara é um representante do PC do B ligado à associação dos juízes federais.
A aflição dos congressistas só faz aumentar com a aproximação das eleições municipais. Sabem que os derrotados deverão perder espaço e influência em suas agremiações.
Quando resolveu, no mês passado, reintroduzir o tema da reforma política e prometer empenho para aprovar um projeto de lei, o Planalto não quis apenas contentar os partidos da base. Agiu porque enxerga os riscos para a coalizão lulista desse rearranjo pós-outubro.
Do ponto de vista da tramitação, não haverá impedimento para a "flexibilização" da fidelidade partidária como parte de um catado de mudanças. Este é um ano de campanha dentro das duas Casas. Quem cobiça a presidência ou um assento nas Mesas não oferecerá resistência a um contrabando que interessa à maioria. E quem hoje comanda a burocracia gostará de se despedir com um pacote que "atende os anseios da população".

coluna de 02.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Curva de indiferença

É cedo para desacreditar o candidato "flex" forjado em Belo Horizonte, anunciar a redenção do carlismo em Salvador ou decretar em Recife a derrota da chapa que conta com o apoio do presidente, do governador e do prefeito.
As mesmas pesquisas que suscitam o "já ganhou/perdeu" mostram que nas capitais o eleitor ainda não se interessou pela eleição.
Quando o Datafolha aplicou a questão "Em quem você vai votar para prefeito" sem apresentar os nomes dos postulantes, ouviu "não sei" de 79% dos entrevistados em Belo Horizonte, 56% em Salvador e 58% em Recife. A maioria também não definiu o candidato em Porto Alegre (61%) e Rio (66%). Só em Curitiba (46% de indecisos) e São Paulo (43%) as campanhas mobilizam espontaneamente metade do eleitorado. (Nesse aspecto, dá para entender a "afoiteza" de Kassab, hoje distante de Marta x Alckmin.)
São as perguntas estimuladas que colocam Jô Moraes (PC do B), ACM Neto (DEM) e Mendonça Filho (DEM) na dianteira nas capitais de Minas, Bahia e Pernambuco. O que não surpreende. Os três largam com "recall" de eleições passadas.
Mas o céu é o limite em BH para Márcio Lacerda (PSB), com o respaldo do governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito Fernando Pimentel (PT) _e mais TV, dinheiro, militância atrelada à máquina etc. Em Salvador, a corrida ainda traz quatro nomes competitivos. Em Recife, como ignorar o chapa-branca João da Costa (PT) se ele já lidera na resposta espontânea?
Erra, por outro lado, quem superestima a "alienação" ou tenta vendê-la como novidade _e sai dizendo que o brasileiro se fartou de votações, se desencantou de vez etc.
Nas capitais monitoradas pelo Datafolha, a média aritmética do "não tem candidato" nessa época do ano foi de 62% em 2004 e de 58% em 2000. Agora? 58% também.
A campanha nem esquentou. Quem está aflito por notícias, precisa esperar um pouquinho mais.

coluna de 30.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 26 de julho de 2008

Piá curitibano

"Alô, dona Maria, aqui é da prefeitura. A senhora ficou satisfeita com a poda da árvore em frente à sua casa? E seu marido? Recebeu o remédio? Por favor, em nome do prefeito, dê parabéns à sua filha por ter passado de ano."
Numa era em que política, administração pública e atendimento ao consumidor dividem o pódio do descrédito, é difícil reagir com indiferença a um telefonema desse.
A Prefeitura de Curitiba tem à sua disposição um arquivo digitalizado com as queixas da população, fichas do serviço de saúde, ocorrências policiais, matrículas na rede de ensino e toda ação social e obra municipal, do tapamento de um buraco à troca de lâmpada de um poste.
Desenvolvido por uma empresa-ONG chamada ICI, o programa faz dez anos na semana que vem.
Mas foi na gestão do tucano Beto Richa, em 2005, que surgiu a maior novidade: uma sala de situação, com telões e computadores. Nela, pode-se estudar as demandas declaradas (reclamações) e consumadas (atendimentos) dos curitibanos, recortá-las por região e até mesmo individualizá-las. Em tese, basta clicar em um endereço para descobrir a relação de seus moradores com o poder público. Imagine só o potencial de telemarketing.
Os números incríveis de Richa no último Datafolha (72% de intenção de voto) no mínimo guardam relação com esse jeito "online" de governar _que, ressalte-se, dá ao Executivo a possibilidade de prescindir de um meio-campo (imprensa, associações de bairro, vereadores) e fazer ligação direta com o eleitor.
Por isso o cadastro eletrônico é uma ferramenta formidável de campanha também. Permite mapear carências e adequar promessas. Saber que ruas tomar ou evitar.
(Nas outras duas capitais que usam o software do ICI, Vitória e Teresina, os prefeitos igualmente são favoritos a um novo mandato.)
Alheia a isso tudo, a Justiça Eleitoral se preocupa em proibir vídeos de candidatos no Youtube...

coluna de 26.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Polícia desmontada

A Operação Satiagraha pilhou Daniel Dantas, atingiu a ante-sala de Lula, pôs em risco o maior negócio em gestação pelo governo no segundo mandato e identificou um esquema de leva-e-traz de divisas que remonta sabe-se lá a quando (e a quanto). Mas, por enquanto, o golpe mais incisivo da Polícia Federal foi contra si própria.
Ao revelar que sonegou informações da chefia, que gravou conversas com os superiores para se proteger, que foi espionado por colegas e que achou melhor formar um grupo de apoio com gente da Abin, Protógenes Queiroz não só expôs de maneira inédita as divisões internas da corporação como arranhou a imagem "republicana" que o órgão construiu meticulosamente nos quatro anos iniciais de Lula.
Justa ou não, a mensagem do delegado foi clara: não se deve confiar no primeiro escalão da polícia.
É um erro atribuir à varredura contra Daniel Dantas & Associados a origem da luta entre facções na PF. E reducionismo dizer que a corporação está dividida em duas alas, tentando dar contornos partidários ou ideológicos à fratura.
Basta lembrar a sucessão do diretor-geral Paulo Lacerda, em 2007. Três grupos sentiram-se fortes no governo petista para pleitear o cargo _nenhum deles associado a quem mandava na era tucana. Tão sangrenta foi a disputa que a Operação Octopus só decolou (e, com ela, o escândalo Gautama) porque ajudou a incinerar um dos candidatos.
Se o caldo entornou na PF neste ano, não foi só por causa de Dantas, mas da incapacidade (ou do desinteresse) de Tarso Genro de manter intramuros essa guerra. Não por outro motivo, o antecessor foi chamado a Brasília para palpitar.
Márcio Thomaz Bastos, porém, está ocupado com outro cliente encrencado (Eike Batista) e pouco poderá fazer desta vez. Para desmentir Protógenes e remendar a reputação, a cúpula da PF terá de abraçar e aprofundar o trabalho do delegado que a denunciou.

coluna de 23.jul.2008

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sexta-feira, 11 de julho de 2008

Haverá sangue

Enquanto a imprensa leva o assunto em banho-maria, escaldada pelo fiasco de comunicados festivos anteriores, outros personagens se movem nervosamente desde o anúncio de que há uma reserva gigante de petróleo e gás na camada pré-sal da bacia de Santos.
O Planalto informa que a Lei do Petróleo pode mudar e que a receita das novas perfurações financiará a criação de um fundo soberano.
O governo resolve reescrever a Lei dos Portos e facilitar a construção de terminais privados.
A oferta pública de ações de uma petroleira bate recorde histórico na Bovespa. O dono, Eike Batista, promete abrir o capital de uma empresa de logística portuária.
A disputa pela diretoria internacional na Petrobras vira o maior foco de atrito dentro da base lulista.
Voltam à tona denúncias antigas de ilegalidades por trás da cessão de terrenos no porto de Santos.
O Ministério de Minas e Energia, ocupado pelo PMDB, propõe que a Petrobras, comandada pelo PT, fique longe da nova reserva e sugere a formação de uma nova estatal.
O Brasil desengaveta o projeto do submarino nuclear (e das usinas também) e estabelece um leilão entre Rússia, França e EUA para definir seu novo irmão em armas.
Os EUA recriam a Quarta Frota para zelar pelo Atlântico Sul. Ainda que considerem a África ao mesmo tempo a "fronteira final" para investimentos e a "última barreira" à ameaça islâmica, avisam que o primeiro exercício do porta-aviões será próximo a águas brasileiras.
Governos, mercado, políticos, militares. Será tudo coincidência?
Há uma cena em "Sangue Negro" ("There Will Be Blood", 2007) em que o protagonista, um milionário do petróleo, celebra ter secado o campo do vizinho sem que este tivesse notado: "Enfiei meu canudinho e bebi todo o milk-shake dele".
A imagem talvez se aplique à descoberta de Tupi. Quem só acredita vendo pode ser surpreendido pelos que acreditaram antes de ver.

coluna de 09.jul.2008

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sábado, 5 de julho de 2008

Feitiço mineiro

Já existe faz tempo em Minas Gerais o consenso político que Aécio Neves e Fernando Pimentel tentam vender como novidade. Lamentavelmente, na forma de uma máquina suprapartidária de fraudes com dinheiro público.
Das 119 prefeituras investigadas no caso João de Barro, 114 são do Estado. Assim como os cinco deputados federais suspeitos de irrigar o esquema de superfaturamento.
As irregularidades começaram a ser apuradas depois que um relatório do TCU rejeitou as contas de 23 municípios no interior de Minas.
Várias cidades mineiras aparecem com destaque, também, nos três relatórios mais recentes da CGU sobre desvios em licitações.
Algumas delas foram o principal alvo da outra "maior operação do ano" da PF: a Pasárgada. Só dois dos 17 prefeitos detidos por suspeita de sumiço de recursos são de outros Estados.
Na casa de Carlos Alberto Bejani (Juiz de Fora), os policiais acharam R$ 1 milhão e gravações em que ele admite negociar propinas. Soube-se depois que o prefeito foi o beneficiário de R$ 750 mil dos R$ 4 milhões que Roberto Jefferson recebeu do caixa dois do PT para financiar candidatos do PTB em 2004.
A consultoria que, descobriu-se, corrompia tribunais de contas? Mineira. O braço da máfia dos sanguessugas ajuizado nesta semana pelo Ministério Público? Mineiro. Alguém aí falou em valerioduto?
Além da assiduidade no noticiário, dois detalhes chamam a atenção para Minas: 1) Em todas ilegalidades, há um condomínio de partidos (PSDB, PMDB, PT, PTB, PDT, PR, PHS...), nunca uma sigla isolada; 2) Não importa o escândalo, todos optam pelo silêncio conivente.
O entendimento é bom; a unanimidade, perigosa _ela anestesia o debate, a pressão, a fiscalização.
A Executiva Nacional do PT pode ter agido por outros motivos. Mas, ao impor limites ao acordão em Belo Horizonte e garantir um mínimo de fricção na política local, acabou fazendo um favor aos mineiros.

coluna de 05.jul.2008

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quarta-feira, 2 de julho de 2008

O sono dos gigantes

O balanço das convenções partidárias revela um PMDB apático, contente em encabeçar chapa à prefeitura em metade das capitais e com chances remotas em quase todas elas.
Em Belo Horizonte e Curitiba, não se pode dizer nem que quis marcar posição. Fosse essa a intenção, teria escolhido nomes com mais densidade eleitoral do que Leonardo Quintão (deputado federal de primeiro mandato) e Carlos Moreira (ex-reitor da UFPR).
José Priante, em Belém, e Raul Henry, em Recife, por enquanto não passam de limpa-trilhos de lideranças políticas em xeque (Jader Barbalho e Jarbas Vasconcelos).
Eduardo Paes e Gastão Vieira têm um alento. No Rio e em São Luís, a tela está em branco: eles não empolgam, e os outros tampouco.
Situação diferente de três peemedebistas que tentam um novo mandato. José Fogaça (Porto Alegre), João Henrique (Salvador) e Dário Berger (Florianópolis) têm rivais mais poderosos do que em 2004.
As únicas barbadas do PMDB são outros dois candidatos à reeleição: Nelson Trad, em Campo Grande, onde o partido costuma dar de lavada, e Íris Rezende, que convenceu o PT de Goiânia a entrar na chapa.
Alguém dirá, e com razão, que o PMDB sempre se deu bem ao priorizar cidades menores (o ministro Geddel Vieira Lima prepara-se para recolher a rede no interior baiano neste ano). Que, em 2004, disputou duas capitais a menos (11). Ou que foi desse modo que bateu o recorde de filiados e se estruturou em 80% dos 5,5 mil municípios.
No passado, porém, havia um modo fácil de, além disso tudo, compensar a falta de arrojo nas votações majoritárias e garantir projeção nacional: arrastar eleitos por outras agremiações (Fogaça, Berger e Henrique vieram do PPS, PSDB e PDT, respectivamente).
Hoje, com a imposição da fidelidade partidária, reduziu-se a possibilidade de ir ao mercado. Como o PMDB vai gastar o seu "dinheiro"?

coluna de 02.jul.2008

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sábado, 28 de junho de 2008

Via Crusius

O PT pode não derrubar Yeda Crusius, mas sai reanimado do caso Detran (ou Banrisul ou Projovem... existem tantas frentes de pilantragem que o caso não recebeu "nome fantasia" à altura).
A eleição da governadora tucana tinha significado uma inflexão na política gaúcha. Pela primeira vez na década, houve três nomes competitivos, e o debate não se restringiu ao Gre-Nal entre petistas e antipetistas. Porto Alegre preparou-se para confirmar a tendência neste ano, com cinco candidatos fortes.
Com o escândalo de desvio de verbas e caixa dois eleitoral, porém, a polarização deve ressurgir.
Primeiro, porque o PT capitalizou a indignação do eleitor (mais de 70% dizem seguir o noticiário). Apesar da maioria governista na Assembléia Legislativa, o trabalho da CPI não deixou de avançar.
Segundo, porque a crise abala vários oponentes. Yeda é do PSDB, mas o Detran quem controlava era o PP, o Banrisul estava na mão do PMDB, o vice dedo-duro pertence ao DEM, o secretário grampeado é do PPS (partido que elegeu o prefeito José Fogaça)... Poder botar todos no mesmo balaio será um trunfo petista em outubro e também em 2010 _Yeda se lascou e Germano Rigotto (PMDB), que se insinuava como a "terceira via", sai arranhado, pois o esquema de corrupção é herança de sua gestão.
O PT tinha três problemas para se reerguer no RS: 1) má avaliação de seus governos recentes; 2) falta de idéias (o orçamento participativo não cola mais); 3) racha interno.
Resolveu dois deles com o presente que ganhou dos céus (quer dizer, da PF de Tarso Genro). Poderá dizer: Ruim comigo, pior "semigo".
Quanto ao terceiro, um Detran parece não bastar. A perspectiva de poder acentuou a rixa entre as correntes, como atestam o isolamento da candidata Maria do Rosário em Porto Alegre e as cotoveladas entre petistas gaúchos na Esplanada dos Ministérios. Só por isso Manuela D'Ávila (PC do B) ainda tem chances de surpreender na capital.

coluna de 28.jun.2008

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quarta-feira, 25 de junho de 2008

Bloco da saudade

Salvo surpresa nesta última semana de convenções partidárias, a meses da votação é possível dizer que o "bloquinho" tremeu no primeiro teste eleitoral.
Nascido de circunstâncias da atividade no Congresso, o consórcio formado por PSB, PDT e PC do B iniciou 2008 com três ambições:
1) Arranhar a hegemonia (e a obsessão "hegemonista") do PT e firmar posição na coalizão de Lula;
2) Unir forças nos municípios e, com isso, aumentar a viabilidade de seus candidatos a prefeito;
3) Montar palanques para consolidar o nome de Ciro Gomes à sucessão presidencial de 2010.
Nada disso foi adiante:
1) O "bloquinho" desistiu de incomodar o PT antes de tentar. Toda vez que os petistas pediram socorro, aceitou retirar seus concorrentes (São Paulo, Natal, Salvador, Recife...). A contrapartida ocorreu só uma vez, em Belo Horizonte _e, ainda assim, por interferência de Aécio Neves, um tucano, e não por imposição da "nova esquerda";
2) As peculiaridades da política municipal comprometeram o projeto de replicar a parceria, ao menos no primeiro turno. Nas capitais, o trio hoje faz mais vôos solos do que em conjunto. As relações estremeceram. Abalroado pelo escândalo do BNDES, o PDT virou um tio inconveniente que ninguém quer por perto. PSB e PC do B passaram a se alfinetar no noticiário;
3) A despeito de recaídas beligerantes, Ciro não quis jogar todas as fichas já. Operou para convencer Aldo Rebelo a ser vice de Marta Suplicy, por exemplo. Reduzir a resistência do PT de São Paulo pareceu-lhe mais importante do que divulgar o nome pela TV na cidade.
Tantos recuos não tardaram a repercutir em Brasília. O "bloquinho" não mostra fôlego nem para tentar a presidência da Câmara, a empreitada que lhe deu origem em 2007. Foi procurar a solução noutro partido: o simpaticão Ciro Nogueira (PI), do PP, que de esquerda tem apenas a mão que espeta o bife.

coluna de 25.jun.2008

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domingo, 22 de junho de 2008

Sentença de morte

A punição à imprensa por entrevistar pré-candidatos a prefeito é tão absurda que, cedo ou tarde, deverá ser revista. Por isso são mais preocupantes os comentários de nomes ilustres do Judiciário, inclusive de alguns que se opõem à sentença do juiz auxiliar.
Em vez de defender a liberdade de imprensa fixada pela Constituição ou alertar para a distinção na lei eleitoral entre mídia escrita e TVs/ rádios (concessões públicas que têm de ser reguladas), muitos decidiram opinar sobre aspectos jornalísticos: "as perguntas foram críticas", "não dá para trazer entrevistas com todos os candidatos no mesmo dia", "não houve promoção excessiva no texto" etc.
Há algo de estranho e perigoso quando a análise de conteúdo se sobrepõe à leitura constitucional.
Foi este o equívoco das promotoras que abriram o caso. "Há uma diferença entre o espírito da lei e o texto da lei", uma delas quis se explicar, sem esclarecer como se faz essa interpretação "mediúnica".
A lei é clara. O jornal/revista tem o direito de estampar uma reportagem laudatória e baba-ovo tanto quanto o de publicar uma peça ponderada e inquisitiva _e o leitor tem o direito de ler aquela(s) que quiser.
O ativismo do Judiciário não nasceu por acaso. O poder é cobrado (e é bom que seja) a atualizar a jurisprudência. Não faz sentido que feche os olhos ao mundo a seu redor.
Mas isso não desculpa os atropelos cometidos pelos juízes eleitorais: o cria-e-depois-anula a verticalização; a pretensão de arbitrar o conteúdo da internet; o decreto da fidelidade partidária, inconstitucional segundo o MP; e agora essa.
Em muitos países, são os partidos que zelam pela integridade das votações _eles fiscalizam uns aos outros. A Justiça Eleitoral, portanto, é uma de nossas jabuticabas. Surgiu para coibir desmandos, cabrestos e fraudes. Na ânsia de ser protagonista e provocar a opinião pública, porém, aos poucos dá razão àqueles que propõem sua extinção.

coluna de 21.jun.2008

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quarta-feira, 18 de junho de 2008

A malícia da ausência

Se Lula e outros figurões guardam distância das campanhas municipais (ou procuram parecer distantes), é por cálculo político, e não por falta de apetite.
O presidente prefere preservar a base no Congresso a multiplicar o número de prefeitos de sua preferência. Sabe que terá de conviver por dois anos com os (muitos) deputados que perderão em outubro _e que "voltarão azedos" a Brasília. Seu apelo ao PC do B em favor de Marta Suplicy é uma exceção, e não a regra. O mergulho do Planalto, se preciso, será no segundo turno.
A mesma razão mantém recolhida uma boa parte dos governadores. É o caso de Paulo Hartung. Um envolvimento mais explícito do peemedebista colocaria em risco anos de coalizão no Espírito Santo. Quase dois terços da Assembléia Legislativa planejam se candidatar.
Roberto Requião foi além. Decidido a contratar apoio ao Senado em 2010 (e a garantir o irmão no Tribunal de Contas), recuou e obrigou o partido a recuar: o PMDB está fora do páreo em todas as grandes cidades do Paraná. Em Curitiba, o governador lançou um desconhecido, só para constar. Dessa forma, não se indispõe com o PSDB e o PT, as forças que hoje duelam pela capital e tendem a dominar o Estado.
Com a avaliação em baixa, Cesar Maia pouco poderia fazer. Mas restringir a campanha ao gabinete e aceitar o isolamento da candidata do DEM? Só se estiver mesmo jogando: 1) por Marcelo Crivella para a prefeitura; 2) pela vaga no Senado que esse resultado abriria; 3) para no futuro desempenhar um papel importante no Rio, justamente o de antagonista do representante dos bispos (e da TV dos bispos).
José Serra foge para Tóquio e autoriza o híbrido Geraldo Kassab (Gilberto Alckmin?), Aécio Neves assiste aos pleitos do PT em Belo Horizonte, Jaques Wagner assopra-depois-de-morder os aliados em Salvador... Não é por generosidade, claro. Por que logo a política haveria de servir almoços grátis?

coluna de 18.jun.2008

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segunda-feira, 16 de junho de 2008

O tempo e o vento

É enorme a tentação de estabelecer um link entre 2008 e 2010, achar que os próximos dois anos estão amarrados de ponta a ponta e antecipar já o desenho do pós-Lula. Estas eleições municipais de fato têm um peso estratégico maior do que o habitual, e os atores teimam eles próprios em adiantar os bois _sem falar que gostamos todos de palpitar. Mas seria bom lembrar que o Imponderável de Almeida também joga na política.
Em boa medida, foi o acaso que fez de Dilma Rousseff a favorita de Lula à sucessão. No fim de 2002, o Ministério de Minas e Energia estava reservado ao PMDB. Em cima da hora, porém, o presidente rasgou o acordo costurado por Zé Dirceu e, sem nomes à mão, escolheu a neopetista que havia se destacado na equipe de transição. Os peemedebistas só obteriam o cargo dali a três anos, quando a dama de ferro já distribuía ordens na Casa Civil.
Outro exemplo aconteceu em Belo Horizonte. Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel apostavam em Walfrido dos Mares Guia. O ministro do Turismo era amigo de todos (de Lula, principalmente), tinha respaldo do grande capital e não estava nem no PSDB nem no PT. Mas em setembro veio o inquérito do valerioduto mineiro _e o petebista estava entre os acusados. Márcio Lacerda, obscuro secretário estadual, foi filiado às pressas ao PSB para ser o candidato e inaugurar "uma nova era" na política.
Tome-se também o caso de Fernando Haddad, o ministro mais bem avaliado do governo. Várias vezes ele avisou o PT de que gostaria de ser secretário da Educação em São Paulo. Em todas, foi rechaçado pelos martistas. Decidiu se mudar para Brasília e acabou no MEC.
Ainda assim, poucos resistem ao impulso dos prognósticos precipitados. São os mais escolados. Lula fala que Dilma é o nome para 2010, mas repare como ele mantém por perto e trata a pão-de-ló todo líder jovem e emergente _Haddad, Pimentel, Eduardo Campos (PE) etc.

coluna de 14.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Agências de emprego

As suspeitas em torno da compra-e-venda da Varig (e a chance de bater em Dilma Rousseff) ressuscitaram um discurso equivocado e pouco sincero. Voltou à moda pedir que as agências reguladoras sejam dirigidas apenas por pessoas alheias à política e que tenham total autonomia para administrar contratos, estabelecer normas e fiscalizar/punir empresas que prestam serviços públicos.
Nem o mais fanático neoliberal sabe dizer onde achar "técnicos" sem opiniões, interesses e referências políticas. Nada garante, também, que um colegiado com esse perfil seja imune a lobbies.
Afastar a política não deixa de ser uma decisão... política. Afrouxar a marcação do Estado e permitir que a iniciativa privada palpite sozinha sobre os rumos de negócios em setores estratégicos não parece sensato, sobretudo em ciclos de concentração de capital, como o atual.
Quanto à emancipação completa das agências, por que a voz de um burocrata deveria necessariamente prevalecer sobre a de uma autoridade democraticamente eleita?
O governo tem não só o direito, mas a obrigação de agir. Não podem depender da boa vontade de estranhos as pendências na área da infra-estrutura, como as hidrelétricas do Madeira e o pedágio nas rodovias (a BrOi é outra história).
As críticas à Casa Civil, portanto, estão fora de foco. O problema não são as pressões sobre a Anac em si, mas o que pode ter sido acertado em troca da sobrevida da Varig.
Quem abraça a causa das agências reguladoras só para tirar lasca da "mãe do PAC" devia saber, além disso, que erra totalmente o alvo.
O debate "conceitual" convém ao Planalto. Desvia a atenção do que de fato importa nessas grandes intervenções no mercado: o desrespeito às leis, a intimidação de rivais, os negócios colaterais (alguns em curso), o caixa dois e o favorecimento a amigos. Foi-se, parece, além do limite da irresponsabilidade e vamos chorar pela Anac?

coluna de 11.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br