segunda-feira, 27 de junho de 2011

Segredos de liquidificador

No afã de aprovar a medida provisória que torna sigilosos os orçamentos da Copa e da Olimpíada, o governo Dilma acaba por fazer a defesa de uma brecha para a corrupção existente no texto.
O Planalto quer flexibilizar as licitações. Diz que, além de sanar o atraso da infraestrutura dos eventos, é preciso corrigir uma falha no modelo atual, que anuncia previamente o custo máximo das obras.
A alegação é que as empresas, cientes do montante que o governo está disposto a desembolsar, podem combinar os lances entre si e determinar descontos pequenos.
De fato há esse risco. Vários projetos do PAC foram assim lesados por cartéis de construtoras.
Só que o regime proposto, que oculta o orçamento prévio das obras, tampouco é imune à fraude. Nada impede as empreiteiras de continuar se acertando e, perigo maior, elevar o preço acima do patamar justo (graças a sorte, cálculo ou informação privilegiada).
Diante dessas situações, nas quais os lances extrapolem o teto projetado, o governo terá de escolher entre reiniciar a concorrência do zero ou aceitar o valor exorbitante _bastará prorrogar o sigilo do orçamento prévio ou "ajustá-lo".
Empresas poderão tentar tirar proveito da pressão do calendário para conseguir a segunda opção. Mas haveria meio de inibir a manobra: manter informada uma terceira parte, não envolvida na licitação.
Foi justamente essa salvaguarda, porém, que, na última hora, sumiu da medida provisória _estranhamente, a única mexida de conteúdo no catatau. A nova redação do artigo 6º suprimiu a garantia de acesso "permanente" dos órgãos de fiscalização aos orçamentos.
Dilma até agora não justificou a alteração. Pede que confiem em sua palavra de que nada será sonegado aos tribunais de contas.
Mas, até porque as obras da Copa e da Olimpíada serão licitadas também por municípios e Estados, é caso de deixar tudo explícito na lei.

coluna de 27.jun.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Quem te viu

Dilma Rousseff não faz jus à fama de firme e doutrinária nem confirma a expectativa de que realizaria um governo inflexível. Aos poucos, ela vai se dobrando à realpolitik. Resistiu por um tempo à fisiologia pura, mas não tardou a abandonar antigas convicções.
Os recuos mais gritantes dizem respeito a um tema caro à presidente "enquanto pessoa física": a radiografia do passado, sobretudo do período de repressão militar.
Como ministra da Casa Civil, a ex-presa política Dilma reclamou a abertura total dos arquivos oficiais e a revisão da Lei da Anistia, para levar à Justiça os crimes comuns (sequestros, estupros) cometidos em nome do Estado na ditadura.
Agora, defende o sigilo dos documentos que o governo considerar sensíveis e joga fora a chance de ajustar a Lei da Anistia _o advogado-geral da União usou argumentação frontalmente contrária à que Dilma esgrimiu, três anos atrás, para pedir a correção histórica.
Erra quem sustenta que são concessões isoladas para reforçar os alicerces do governo, abalados pela inesperada demissão de Antonio Palocci. Outros recuos precederam a queda do "primeiro-ministro".
Enquanto braço-direito de Lula, Dilma atuou para esvaziar a pauta ambientalista, fritar a colega Marina Silva e explorar o potencial agrícola e energético da Amazônia. Hoje, preocupada com a imagem no exterior, manifesta contrariedade com o Código Florestal em análise no Congresso _cujos artigos, um a um, retratam o que ela sempre defendeu. Mais: Marina é convidada ao Planalto como aliada.
O chamego com FHC, atacado impiedosamente na eleição. A decisão de privatizar os aeroportos, em vez de cumprir os planos de fortalecer a estatal Infraero. A manobra para ocultar os orçamentos da Copa, meses após ter prometido que todas as planilhas seriam divulgadas.
Para os dilmistas, há um só alento. Quem muda tanto de princípios um dia pode retomar os originais.

coluna de 20.jun.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Lula e o pó

A nomeação das "inflexíveis" Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti sinaliza mudança importante na condução política do Planalto. Dilma parece decidida a fixar antagonismos. Daqui em diante, ou se está com ela ou se está contra ela.
Era natural que a afirmação da presidente se desse por meio de contrastes com o antecessor. Mas a coisa pegou embalo inesperado com a degola de Antonio Palocci.
Se Gilberto Carvalho é o representante de Lula no palácio, o ex-titular da Casa Civil era o representante do lulismo _a arte de enrolar, arbitrar conflitos e tirar resultantes que atendam ao mesmo tempo o interesse do governo e o plano do PT.
Não é coincidência que a mexida no núcleo duro do Planalto tenha ocorrido logo depois da passagem de Lula por Brasília, na qual, no afã de esfriar o caso Palocci, ele ofuscou Dilma e pintou a sucessora como incapaz de lidar com a crise.
Tampouco é acidental que o PT de São Paulo _QG de Lula_ tenha sido exatamente o derrotado na nomeação das duas "amazonas".
Até agora, Dilma não se dignou a restaurar a ponte com o PMDB _orgulho da arquitetura lulista.
Nem se preocupará em tratar com menos desdém, quase desprezo, os ministros de Lula que tinha aceitado manter no mesmo cargo _a maioria tem prazo de validade.
Ainda não é o caso de apostar na cisão entre Dilma e seu criador. Ele é das poucas pessoas que ela ouve. E 2012 está chegando: um cabo eleitoral como Lula será essencial.
Mas a conjuntura vai afastando um do outro. E o ex-presidente não coopera. É escandaloso que tenha prometido a uma fábrica de embalagens fazer lobby no governo por menos impostos. O "contrato" não apenas reacende o Paloccigate e as suspeitas em torno das consultorias de petistas. Acua também o Ministério da Fazenda de Dilma.
O mais curioso é que o espasmo autoral dela e o mau momento dele desaguam na mesma especulação: a recandidatura de Lula em 2014.

coluna de 13.jun.2011
melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Variação patrimonial

A desintegração de Antonio Palocci atingiu em cheio o PT. Acirrou rixas internas, expôs fragilidades das novas lideranças e comprometeu o trabalho de ocupação de espaços na máquina federal.
De pouco adiantou o partido ter reagido rapidamente às revelações sobre a incrível escalada patrimonial de seu principal ministro.
Os dirigentes petistas logo perceberam o potencial de dano do episódio, daí a escassa solidariedade ao titular da Casa Civil.
Poucas semanas antes, vale lembrar, essas mesmas pessoas haviam desafiado a opinião pública e decidido reintegrar o tesoureiro do mensalão. Por que outro peso e outra medida para Delúbio Soares?
Há quem diga que a militância aceita proteger quem se desvia para fortalecer o PT, mas não aqueles que agem em causa própria.
Pode ser. Mas parece haver, mais do que isso, cálculo político.
Para o partido, a vitória de Dilma significou uma chance imperdível de crescer e se multiplicar. Ao contrário de Lula, ela não intimida os correligionários. Antes da posse da presidente, nomes como Zé Dirceu e Fernando Pimentel já ensaiavam o slogan do "agora é pelo PT".
Não obstante as queixas de alas sindicalistas e a falta de diálogo com Dilma no dia a dia, o fato é que o PT se deu bem mesmo. Bateu recordes de cargos e verbas. Ficou com o Planalto todo, por exemplo.
Cada escândalo que abalar o governo, portanto, será uma ameaça a esse arranjo. Daí o desapego petista em relação a Palocci. Melhor sacrificá-lo do que correr o risco de precisar renegociar espaços.
A mesma lógica, apenas invertida, leva o PMDB a hipotecar apoio público ao ministro: quanto mais o Planalto sangrar para justificar o que Palocci insiste em esconder, maior e melhor o naco que os peemedebistas deverão abocanhar na hora de repactuar a aliança.
Os 20 dias de silêncio do ministro, e de Dilma, desequilibraram a balança em favor do PMDB.

coluna de 06.jun.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br