segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Seja símbolo

A estratégia de comunicação do Planalto foi criteriosamente traçada para projetar diferenças entre Dilma e Lula. É significativo que o assunto corrupção não tenha sido incluído no roteiro.
Até aqui, Dilma se recolheu ao gabinete. Transmitiu a ideia de que se concentra em trabalhar e preza o decoro do cargo, em contraponto à informalidade e ao falatório dos oito anos anteriores de Presidência.
Quando não, ela tratou em público de temas que rendiam críticas ao padrinho: direitos humanos, rigor fiscal, liberdade de imprensa.
João Santana, o consultor de imagem da presidente, parece empenhado em fixar "o primeiro ano dela" _e não "o nono ano dele". O marqueteiro acha que Dilma pode se beneficiar do "vazio oceânico" deixado pelo antecessor e ocupar a "cadeira da rainha" na mitologia.
No que diz respeito à tolerância com a corrupção (outro ponto fraco da era Lula), porém, não houve interesse em fixar contraste.
Começou pelo convite para a posse feito à ex-ministra Erenice Guerra, demitida meses antes por nepotismo e tráfico de influência.
Seguiu com a recondução de José Sarney ao comando do Senado _e, graças ao PT, o operador sarneyzista no caso dos "atos secretos", Agaciel Maia, virou diretor da comissão de Finanças da Câmara do DF.
Dilma, que não hesitou em tratorar o partido e o Congresso na votação do salário mínimo, nada fez para evitar a indicação de um réu do mensalão (João Paulo Cunha) à chefia justamente da comissão que analisa a legalidade de tudo que tramita na Câmara dos Deputados.
Não se mexeu quando se soube que o ministro de Turismo fez festa num motel com dinheiro público.
Assim como não agiu quando a imprensa revelou a nomeação, pelo Planalto, do servidor que quebrou o sigilo do caseiro _o escândalo que, em 2006, levou à desgraça de Antonio Palocci (outro reabilitado).
Se é descuido ou descompromisso, o tempo (ou o marketing) dirá.

coluna de 28.fev.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Cota merecida

No momento em que o debate sobre o sistema de cotas patina no Congresso, a Universidade de Campinas prepara um salto nos projetos de ação afirmativa: a introdução firme da meritocracia como critério de concessão de benefícios.
Começam no mês que vem as aulas da primeira turma do ProFis, programa que destina 120 vagas para estudantes do sistema público do município paulista. O critério de escolha é a nota no Enem. O melhor aluno de cada escola pública da cidade tem matrícula garantida. Simples. Nada de vestibular, análise curricular, avaliação de patrimônio etc. Se o primeiro colocado numa escola abrir mão, a chance é passada ao segundo _e assim por diante.
Os inscritos terão dois anos de aulas nas áreas de humanas, exatas e biológicas, além de cursos de informática e inglês. Serão 1.600 horas em classe. Quem enfrentar dificuldades terá a ajuda de monitores.
Trata-se de um colchão multidisciplinar para capacitar esses egressos do sistema público para a etapa seguinte do ProFis: a matrícula instantânea em qualquer um dos cursos regulares da Unicamp, de acordo com a preferência do aluno.
O projeto não tira o lugar de ninguém. Serão criadas vagas adicionais para acolher os que terminarem o primeiro ciclo e quiserem/puderem continuar os estudos.
Para estimular que o escolhido cumpra os dois primeiros anos, o ProFis distribuirá vale-transporte, auxílio-alimentação e uma bolsa pouco acima do salário mínimo.
A ideia nasceu de um diagnóstico inquietante. Nos vestibulares de 2008 e 2009, 70% das escolas públicas de Campinas não conseguiram colocar nem um aluno sequer na maior universidade local.
Hoje, mais de 70% das universidades federais e estaduais públicas do país já oferecem algum programa de inclusão. A ação afirmativa é realidade. O desafio é aprimorá-la _e, de preferência, associá-la ao ensino médio público. A iniciativa da Unicamp mostra um caminho.

coluna de 21.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cirurgia eletiva

O Planalto prefere a versão de que Dilma gritou basta, de que enfim um presidente disse não à banda podre do Congresso. Há, no entanto, mais cálculo político do que propósitos edificantes na decisão de desalojar a ala mais estridente do PMDB de posições estratégicas da máquina federal.
O objetivo é esterilizar o campo de ação do grupo que deveria dirigir a Câmara, com poder sobre votações e CPIs, nos dois últimos anos de Dilma _se respeitado o acordo chancelado pelo próprio governo.
As canetadas da Presidência têm precisão cirúrgica. Vão derrubando, um a um, os redutos da bancada peemedebista da Câmara. Furnas, Correios, Funasa, Conab...
Ligados ao vice Michel Temer, esses deputados já haviam recebido migalhas na montagem dos ministérios: pastas sem fôlego orçamentário, quando não partilhadas com outros partidos (Agricultura, Turismo e Assuntos Estratégicos).
Já o PMDB do Senado, tão ou mais fisiológico, não foi até agora incomodado por Dilma. Renan Calheiros manteve o setor de transporte de combustíveis e ganhou o INSS de bônus. A área elétrica segue sob influência de Sarneys _José e o filho indiciado, Fernando.
É fato que as estatais operadas pelo PMDB da Câmara frequentaram o noticiário policial durante o governo Lula. Mas é verdade, também, que Dilma não se viu movida a limpar outros notórios recantos de escândalos, como, por exemplo, a administração de estradas e ferrovias, há anos sob tutela do PR.
Ocupar altos cargos tornou-se fundamental para o exercício partidário _não apenas para a roubalheira. Determinar a estrada que ganhará asfalto ou escolher a cidade que abrigará uma faculdade é mais do que uma decisão técnica. Tem imediatas implicações eleitorais.
Como Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) convencerá os colegas a fazê-lo presidente da Câmara em 2013 se ele não tem força nem para garantir as próprias nomeações?

coluna de 14.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br