segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Fundo perdido

A permanência do desmoralizado Carlos Lupi à frente do Ministério do Trabalho serve para desviar a atenção de mais uma tentativa de drenar dinheiro público para obras controversas da Copa-2014 e da Olimpíada-2016.
Trata-se do projeto que permite o uso do Fundo de Garantia para financiar "operações urbanas" e "empreendimentos hoteleiros e comerciais" ligados a esses eventos esportivos. Ou seja, qualquer coisa.
Anexada de contrabando em medida provisória baixada por Dilma Rousseff, a iniciativa foi aprovada num estalar de dedos pelo Congresso. Espertalhões, os interessados perceberam que o Planalto tinha urgência em limpar a pauta legislativa a fim de votar outro assunto (a DRU). Surfaram o vagalhão.
Num quadro de aperto fiscal, como o atual, os recursos do FGTS tornaram-se ainda mais atraentes.
Por lei, parte do dinheiro recolhido das contas dos trabalhadores deve ser aplicada em infraestrutura (energia, ferrovias, portos). O governo, porém, não consegue investir tudo. Até o PAC desacelerou. Há R$ 5,5 bilhões "parados" no fundo.
É esse saldo que está sob ataque especulativo de congressistas _e de empresários da Copa/Olimpíada.
A ofensiva coincide (só coincide?) com a conclusão de estudo feito por técnicos do Ministério do Trabalho e validado pela Caixa Econômica Federal. Ele propõe distribuir aos correntistas uma fatia maior dos lucros do FGTS. Historicamente, a remuneração dos trabalhadores perde para a inflação.
Lupi não tem a menor condição política de participar desse debate, que dirá arbitrá-lo. Como poderia operar no Congresso, agora que se sabe que ele foi, por seis anos, funcionário-fantasma da Câmara?
Cabe a Dilma resolver o melê. Vetar o contrabando da medida provisória, comprometer-se a revisar a remuneração do FGTS e demitir Lupi seria o roteiro do bom-senso.

coluna de 28.nov.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A quem interessar possa

Dilma Rousseff não dá a mínima para Carlos Lupi (Trabalho) ou para o PDT, mas é de seu interesse garantir margem de manobra para a minirreforma ministerial agendada para o início de 2012.
A degola agora de Lupi forçaria a escolha de um substituto pedetista, seja porque a presidente não tem claro o tamanho da mexida que fará na equipe, seja porque o continuísmo foi a solução obrigatória no pós-queda dos outros ministros encrencados _o PT manteve a Casa Civil, o PMDB se segurou na Agricultura e no Turismo, o PR não foi tocado de vez dos Transportes e o PC do B conservou o Esporte.
O sistema de "porteira fechada", porém, deixou de convir ao Planalto. A "faxina" virou instrumento para retomar postos que serviam bem ao fortalecimento dos aliados, mas pouco aos planos do governo.
A Dilma, portanto, interessa esfriar a crise e trocar Lupi com outros ministros só no ano que vem. O PDT seria movido para outra pasta _Agricultura surge como opção.
O senão é que, para o PDT, o interessante é ficar no Trabalho (com ou sem Lupi) e à frente de programas e políticas caras ao movimento sindical. O partido tornou-se apêndice da Força, e o ministério, o motor dessa central _não por acaso, a que mais cresce e aparece.
À Força talvez interesse a chantagem. Avizinha-se um quadro de contração econômica, gatilho para bater no governo. Mas, ainda que dê piscadelas para o PSDB, ela não parece inclinada a desafiar uma presidente popular, com poder de sobra para esmagar adversários.
Rival da Força, a CUT opera em silêncio, e ao lado do PT, a fritura de Lupi e o esvaziamento da Força. O Trabalho perdeu relevância, mas a direção do ministério interessa como posto estratégico. Permite tutelar o sindicalismo e incomodar setores da iniciativa privada.
Nisso tudo, o interesse público é o único difícil de reconhecer.

coluna de 21.nov.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dispensa de classe

Não são apenas as picaretagens de Carlos Lupi (Trabalho) que ameaçam o plano de Dilma Rousseff de só voltar a mexer na equipe em fevereiro. Razão ainda maior para adiantar a minirreforma ministerial é o envolvimento precoce e intenso de Fernando Haddad (Educação) na campanha para a Prefeitura de São Paulo.
Remanescentes do governo Lula, Lupi e Haddad faz tempo são nomes certos na lista dos que sairão.
Mas o primeiro há meses não tem nada (de útil) para fazer em Brasília. Seu cargo foi desidratado depois de uma auditoria de órgãos federais _são os resultados dessa varredura que alimentam o noticiário e servem para fritar o ministro de vez.
Dilma, além disso, não dá bola para a agenda trabalhista. Nas poucas vezes em que foi demandada, tratou do caso no próprio Planalto. Tanto faz Lupi se declarar à presidente. O amor não é correspondido.
Já a educação aparece na lista das prioridades do governo e dos assuntos caros à presidente.
Por isso, é acintoso que Haddad venha usando o horário de trabalho para sua agenda pré-eleitoral.
Na semana passada, enquanto o MEC divulgava de modo acanhado o censo do ensino superior e ainda lidava com implicações judiciais de mais uma fraude no Enem, o ministro cuidava de criticar a atuação da PM "tucana" na USP e se empenhava nos conchavos para unificar o PT em torno de sua candidatura.
Com a "faxina", Dilma deu uma contribuição à democracia brasileira. É um marco o desfecho do Paloccigate, nascido do trabalho obstinado de repórteres da Folha. Impõe a autoridades um outro padrão de resposta quando tiverem de lidar com atos ou indícios de corrupção.
Mas um governo alinhado a esses novos parâmetros, pautado pelo bom senso, tampouco pode acolher um ministro concentrado em projeto político pessoal. Renúncia, licença ou reforma, Haddad precisa sair.

coluna de 14.nov.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Rock Brasília

A onda da "faxina" chegou a seu teste de estresse. Uma coisa é trocar ministros. Outra, bem mais complicada, é substituir um governador, movimento que necessariamente implica desmantelar toda uma construção política.
Já são mais do que suficientes os motivos para o afastamento imediato de Agnelo Queiroz (PT-DF).
Como antecipou a Folha, o governador é alvo de inquérito no STJ. Sob seu comando se instalou no Ministério do Esporte a quadrilha que maquiava convênios e se apropriava de dinheiro de programas sociais _escândalo responsável pela queda de Orlando Silva (PC do B).
Agnelo criou o Segundo Tempo, o plano de estímulo à prática esportiva em áreas carentes que serviu de fachada para o desvio de verbas.
Não só deu guarida aos criminosos, mas com eles estabeleceu relação de intimidade. Chamava de "mestre" um dos ongueiros encarregados de pilhar os cofres do ministério, conforme revelaram gravações telefônicas autorizadas pela Justiça.
Mais: alguns de seus principais assessores no governo do DF têm ligação com entidades ou pessoas atoladas nas fraudes no Esporte.
Acossado por tantas evidências, Agnelo passou recibo na semana passada. Exonerou cerca de 70 delegados de polícia, em uma clara manobra para desarticular as investigações em curso _e tentar controlá-las daqui em diante.
Não fossem duas peculiaridades, o quadro já seria idêntico ao que, há quase dois anos, derrubou o governador José Roberto Arruda.
A primeira é que o PT faz cara de paisagem, mesmo sendo Agnelo, egresso do PC do B, um "cristão novo" no partido. Em 2009, o DEM se desvencilhou rápido de Arruda.
A segunda é que estamos longe da próxima eleição, saída natural para uma crise dessas proporções.
Agnelo pode tentar resistir no cargo, mas apenas reforçará a ideia de intervenção federal na capital.

coluna de 7.nov.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br