sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Emergência

A duas semanas da votação, já é possível identificar três políticos regionais que ganharam, na campanha de 2008, o direito de jogar o xadrez de 2010: Beto Richa, João Paulo e Sérgio Cabral.
Com uma aprovação (81%) de causar inveja a Lula, o prefeito de Curitiba não só caminha para a reeleição como se cacifa para tomar o Estado. A perspectiva de vitória do tucano daqui a dois anos é tamanha que o governador Roberto Requião (PMDB) já negocia a "transição".
Para o PSDB, a próxima empreitada de Richa será estratégica, por representar uma barreira no Sul ao candidato de Lula ao Planalto. Serra e Aécio não vão se assanhar em 2010 sem o apoio do paranaense.
Em Recife, João Paulo acertou ao confiar em seu taco (59% de ótimo/bom) e apostar no secretário do Orçamento Participativo, programa que mobilizou 12% das verbas municipais e 30% dos habitantes. Seu "poste", João da Costa, tende a vencer já no primeiro turno.
O resultado dará ao prefeito legitimidade para controlar o PT pernambucano e desafiar a reeleição do aliado Eduardo Campos (PSB). É possível que, para evitar o duelo, Lula faça de João Paulo ministro. Mas, precavido, o governador, ele próprio um emergente em 2006, já trabalha seu nome para vice na chapa de Dilma _atropelando o projeto do correligionário Ciro Gomes.
Cabral deve eleger o prefeito do Rio _o que um governador não consegue há 23 anos no Estado. Eduardo Paes sobressai, até pela falta de graça, em meio a tantos postulantes "rotuláveis" (evangélico, pró-maconha, pró-aborto, coroinha...).
Ainda que dê zebra no segundo turno, Cabral terá colecionado sucessos: ejetou o prefeito Cesar Maia (DEM), uniu sob seu comando as três alas do PMDB fluminense, selou trégua com o PT, satisfez a banda podre da Assembléia Legislativa e agradou os poderosos ao inventar um candidato "palatável". Tudo isso sem fechar portas para si próprio. Poderá abraçar Aécio, Dilma, Serra, tanto faz. Todos vão procurá-lo.

coluna de 19.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 16 de setembro de 2008

ABC do PT

O mergulho de Lula nas eleições da Grande São Paulo, notadamente o corpo-a-corpo que fez (e voltará a fazer) no ABC, nada tem de folclórico ou saudosista.
O duro confronto com José Serra pela hegemonia política no Estado dá-se no cinturão em torno da capital, e não somente nela.
As pesquisas mais recentes e sérias nos 20 municípios com mais de 200 mil habitantes (onde pode haver segundo turno) mostram que:
1) PSDB e DEM, os dois partidos de Serra, devem golear no interior, mantendo sete de suas oito cidades do G-20 e conquistando outra.
Em Piracicaba, Mogi das Cruzes, Jundiaí, Franca e Sorocaba, é provável uma vitória já no primeiro turno. Assim como em Bauru, que em 2004 havia prestigiado o PDT.
Nas duas administrações menos populares do PSDB, deu-se um jeito. Em São José dos Campos, o prefeito refez-se das críticas ao novo sistema de ônibus e abriu vantagem. Em Ribeirão Preto, o DEM "já ganhou" com sua candidata.
Carapicuíba pinta como a única baixa tucana. O prefeito deixou que a base saísse dividida _e, nela, o nome do PMDB aparece mais forte.
2) O PT não terá tanta moleza para preservar suas quatro cidades, que dirá ampliar presença no G-20.
O sucesso em Santo André parece provável, mas não logo de cara. Tudo segue em aberto em Guarulhos e em Osasco, com empates na liderança e certeza de segundo turno.
Triunfos petistas no dia 3 tendem a ocorrer em Diadema e em Mauá, atualmente administrada pelo PV.
De resto, o partido compete em mais três páreos. Tem boa chance em São Bernardo (hoje do PSB), com o ex-ministro Luiz Marinho, e é zebra em São José e Carapicuíba.
3) Com a exceção de Guarulhos, quem ameaça as ambições petistas no G-20 é exatamente o PSDB.
Não tivesse o PT envolvido o presidente e acionado dois ministros, a imprensa hoje estaria especulando a aflição do partido no Estado, e não falando de "onda vermelha".

coluna de 16.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

BR distribuidora

Lula negou à Petrobras o controle dos poços porque ela deve satisfações aos acionistas, e não ao presidente da República. Mas é justamente isso que faz da empresa a favorita ao papel de ponta-de-lança do governo no pré-sal.
A Petrobras é uma caixa-preta. Que o diga o Tribunal de Contas da União, cujas auditorias já detectaram sobrepreço, despesas com consultorias fictícias, escolhas de fornecedores sem respaldo técnico, aditivos inexplicados e outras irregularidades sob a ótica da Lei das Licitações (número 8.666/93).
A Petrobras, porém, usa sempre um argumento para rebater as acusações e evitar constrangimentos: por ser uma "sociedade de economia mista", com participação de capital privado, não tem que submeter todos os contratos à 8.666. Amparada em decisões da Justiça (baseadas em decreto baixado por FHC), ela alega que precisa de agilidade para fazer frente à concorrência. Na área de serviços, por exemplo, estima-se que não licitou 40% do gasto no governo Lula até 2007.
(Talvez isso explique por que ela tenha virado alvo da Polícia Federal e freqüentado o noticiário de escândalos, do mensalão à Navalha, de Sílvio "Land Rover" Pereira a Duda "Paraíso Fiscal" Mendonça.)
É difícil acreditar que o Planalto não venha a se interessar pela elasticidade operacional que o status de "sociedade mista" garante. A Petrobras significaria um atalho para encomendar plataformas, navios, insumos etc. (e, também, para atender lobbies, distribuir favores etc.).
Na avaliação de técnicos do TCU, a entrada imediata em jogo de uma estatal "pura", sujeita a mais regras e burocracias, poderia atrasar em mais de uma década o começo da produção, previsto para 2015/20.
Uma opção seria mudar a lei. Outra, menos trabalhosa, seria guardar a PetroSal para gerir a extração e o caixa, após instalada _ou encaminhada_ a infra-estrutura. A fala de Lula no 7 de Setembro, elogiosa à Petrobras, terá sido um sinal?

coluna de 12.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Alto lá, Lulalá!

É precipitado dizer que as campanhas municipais têm se curvado à influência de Lula.
Muitos se impressionam porque candidatos da base do presidente lideram as pesquisas em 20 das 26 capitais. Esquecem, porém, que ela já administra 21. Do ponto de vista estritamente numérico, o Planalto ainda não tem muito a celebrar.
Pouco se falou, também, que os partidos pró-Lula lançaram 94 nomes para prefeito nas capitais. 94! (Apenas em Teresina a coalizão se uniu em torno de um postulante.)
Não há, e dada a quantidade, nem poderia haver homogeneidade na relação de Lula com todos os candidatos de PT, PMDB, PSB, PDT, PC do B, PTB, PR, PP, PRB, PV, PSC, PMN, PHS, PT do B, PTC e PRTB.
Micarla de Souza, que desponta em Natal, por exemplo, é ligada a José Agripino Maia (DEM), um dos mais ferrenhos críticos do governo federal. Contudo, por ser filiada ao PV, ela foi parar na lista das "barbadas" lulistas nas capitais.
Do mesmo modo, como atribuir ao presidente a ascensão de Eduardo Paes? Só porque o ex-pefelista e ex-tucano (além de verdugo na CPI dos Correios) aderiu ao PMDB? No Rio, Lula fechou desde o início com Marcelo Crivella (PRB) _e é este quem tem caído nas pesquisas.
Ou tome-se Belo Horizonte. O presidente só desceu do muro depois que Márcio Lacerda (PSB), cria do tucano Aécio Neves, decolou. Era Jô Moraes (PC do B) quem distribuía santinhos do petista.
Lula esbanja popularidade, mas o diferencial do voto nos municípios por enquanto é local: bem avaliado, o prefeito garante a dianteira (sua ou de seu representante); mal avaliado, cede terreno à oposição.
O único "efeito Lula" palpável até aqui, portanto, precedeu a campanha e dela independe: a articulação que pôs 16 partidos no colo do presidente.
O "efeito Lula" eleitoral só será comprovado no segundo turno, se aplicadas surras no carlismo em Salvador e no nome de Serra (Gilberto ou Geraldo) em São Paulo.

coluna de 09.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Grampo legal

Ainda que o futuro possa lhe reservar algum tipo de constrangimento, o governo só tem a comemorar com a escandalização do uso de escutas telefônicas.
Confira o que de concreto ocorreu desde o começo das denúncias de desrespeito às liberdades individuais e das reações indignadas:
1) Foi escanteado o delegado que pretendeu investigar os negócios de Daniel Dantas, as relações íntimas do empresário com o Planalto e o acordo de indenização que permitiu ao governo levar adiante a idéia de criar a supertele nacional.
2) A Polícia Federal repaginou a Operação Satiagraha. Fechou foco nos indícios de fraude financeira do Banco Opportunity e esqueceu outras ambições do inquérito original, como tráfico de influência e a fusão da Brasil Telecom com a Oi.
3) Dantas e seus principais assessores saíram da prisão. Não têm mais motivos para abrir a boca.
4) Lula conseguiu nomear o quinto conselheiro da Anatel para dar o voto de minerva em favor da BrOi.
5) Foi afastado o diretor que construiu a "PF republicana", aplaudida por não discriminar investigados _o que possibilitou que o irmão do presidente caísse num grampo pedindo "dois pau pra eu".
6) A pretexto de impedir exageros de arapongagem, a PF recebeu ordens para tratorar a corporação e centralizar a inteligência. A apuração do dossiê produzido na Casa Civil contra FHC foi abandonada.
7) Um ex-funcionário de Dantas assumiu o comando da Abin.
Resumo: o Planalto não só preservou a negociação (e os negociadores) da BrOi como diminuiu a possibilidade de voltar a ser incomodado por escutas telefônicas.
Judiciário, Legislativo e sociedade civil exigiram o direito à privacidade. Com a degola de Lacerda e Protógenes, Lula garantiu o dele.
Talvez esteja aí a explicação para a reação enérgica e rápida de um presidente que costuma defender os colegas pilhados em atos ilegais e recomendar paciência nas crises.

coluna de 05.set.2008

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Inimigos íntimos

A parceria que deu sustento a FHC não deverá sair das eleições municipais com a coesão desejada para dar o troco em Lula.
PSDB e DEM se estranharam já na negociação das candidaturas. A estratégia vislumbrada para 2010 não resistiu aos paroquialismos.
Os dois partidos largaram como adversários em 14 capitais. Enfrentam-se diretamente em 4 e participam de coligações rivais em 10.
Do mesmo lado, eles estão em 11. Ainda assim, em 5 endossaram uma terceira agremiação. Somente em Belém, Curitiba, Florianópolis, João Pessoa, Rio Branco e Teresina um partido aceitou apoiar um nome do outro na cabeça de chapa.
A campanha, claro, ampliou a distância. E não só em São Paulo, onde a desidratação de Geraldo Alckmin (PSDB) e o crescimento de Gilberto Kassab (DEM) dinamitaram a base tucana irremediavelmente.
Em Salvador, por exemplo, ACM Neto (DEM) torce desabridamente contra Antonio Imbassahy (PSDB) e para ter outro oponente no segundo turno _ao passo que o tucano, curiosamente, virou a aposta do governador petista Jaques Wagner para barrar o retorno do carlismo.
Em Fortaleza, onde o DEM tem chance com Moroni Torgan, o PSDB reforça a militância de Patricia Saboya (PDT). Em Cuiabá, onde a vitória de Wilson Santos (PSDB) parecia certa, o apoio do DEM a Walter Rabello (PP) aumenta a possibilidade de segundo turno.
Fossem boas as perspectivas desses vôos separados, não seria difícil uma reaproximação pós-outubro. As pesquisas, contudo, põem tucanos e democratas no páreo em apenas 9 capitais _com 3 barbadas (tucanos em Curitiba, São Luís e Teresina). O PT, sozinho, crava 8 e 4.
Não à toa, FHC voltou a defender a chapa puro-sangue Serra-Aécio (não necessariamente nessa ordem), e o DEM, a falar em "anticandidato" _o governador José Roberto Arruda (DF) ou a senadora Kátia Abreu (TO), a depender do perfil da campanha de Dilma Rousseff.

coluna de 02.set.2008

mfilho@folhasp.com.br