segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ouro do Pan

Se a queda em série de ministros acusados de corrupção já provoca uma autocrítica sobre o arranjo partidário herdado por Dilma Rousseff, imagine o que acontecerá se esclarecidas as fraudes e a matriz política do socorro ao banco PanAmericano, o episódio mais nebuloso do ocaso da era Lula.
Ninguém do governo, atual ou anterior, explicou de modo convincente por que, no final de 2009, o Planalto autorizou a injeção de R$ 740 milhões de dinheiro público num banco para lá de encrencado.
A rigor, ninguém nem tentou explicar, na expectativa de que o silêncio ajudasse a circunscrever o caso às áreas técnicas da Caixa Econômica Federal, de onde partiram os recursos, e do Banco Central.
O roteiro mudou, porém, após a Folha publicar o conteúdo de e-mails interceptados pela polícia ao apurar o rombo de R$ 4,3 bilhões.
Os diálogos confirmaram o imaginado: os executivos inflavam balanços financeiros e maquiavam dados de clientes, com o objetivo de engabelar a fiscalização.
Mas os e-mails produziram uma extraordinária revelação: o banco serviu de base a um esquema de desvio de dinheiro para políticos.
Nas mensagens, diretores festejam "a ajuda dos amigos" do governo Lula _uma teia de influência que "deixou boquiaberto" Silvio Santos, o dono do PanAmericano. Mencionam, entre outros, Guido Mantega (Fazenda) e os ex-ministros Luiz Gushiken e Antonio Palocci. Discutem o acesso a fundos de pensão, doações a partidos e a pressão para empregar gente do Planalto.
Ao menos R$ 100 milhões evaporaram _para o bolso dos executivos e para o caixa dois eleitoral.
Diante do noticiado, a polícia não teve opção senão a de abrir inquéritos específicos. O potencial de dano é similar ao da Castelo de Areia, investigação que aterrorizou palácios e empresas até ser convenientemente engavetada pelo Judiciário.

coluna de 31.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Na prorrogação

São remotas as chances de o ministro Orlando Silva sobreviver à saraivada de denúncias de desvio de dinheiro público para o caixa de seu partido, o PC do B.
O eventual envolvimento direto no esquema fraudulento ainda carece de prova _e sobre o acusador pesam, é fato, máculas sérias. Mas já existem elementos suficientes para caracterizar, no mínimo, a leniência diante da quadrilha que tungou milhões em verbas de programas sociais do Ministério do Esporte.
Mais: os criminosos são ligados ao PC do B, tiveram ajuda de assessores diretos de Orlando e aceleravam a pilhagem em anos eleitorais.
Seria difícil para Dilma carregar um ministro assim enfraquecido até a Copa de 2014, um projeto já questionado o bastante. Significaria entregar munição de bandeja aos adversários _e num campo pelo qual todo brasileiro se interessa.
Tampouco parece provável que a presidente desista da "faxina", que rendeu tantos elogios, para poupar um auxiliar herdado de Lula a contragosto e uma sigla que ela julga sobrerrepresentada no governo.
Se Dilma contrariou expectativas e não liquidou o assunto na semana passada, foi essencialmente para assegurar ao PC do B um tempo para montar sua rota de fuga.
Há gratidão em jogo. A legenda foi a única que sempre acompanhou Lula nas eleições, além de tê-lo defendido quando explodiu o mensalão _e o PT entrou em parafuso.
E há receio do efeito bola de neve. Se rifado rápido, o PC do B poderia sair atirando _o governador petista Agnelo Queiroz (DF), antecessor de Orlando e também alvo do inquérito, seria apenas a primeira vítima.
Tudo somado, melhor para o Planalto "administrar o noticiário" por algum período, deixando o PC do B bater nos denunciantes (e nos interesses privados por trás das denúncias) até os comunistas concluírem que segurar Orlando custará mais do que o acordo para substituí-lo.

coluna de 24.ou.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Minuto de silêncio

No momento em que ganha projeção em fóruns diplomáticos e na economia global, o Brasil curiosamente testemunha a agonia do "produto" que durante muito tempo o representou no exterior.
O futebol ainda tem muito apelo popular no país, vide os índices altos de audiência na TV. Mas o desencanto parece generalizado.
A começar pela seleção brasileira, incapaz de tratorar adversários como antigamente. Toda expectativa criada pela narrativa midiática (a aparição da dupla Neymar-Ganso, a reabilitação de Ronaldinho etc) invariavelmente gera uma decepção.
Falar mal do time virou o verdadeiro esporte nacional. Os "salvadores da pátria" se transformam no dia seguinte em mercenários apáticos.
O torcedor não é trouxa. Falta coração aos jogadores de hoje. Mas como censurá-los por desejar um naco da indústria que lucra até nas etapas em que o aspecto técnico deveria prevalecer, caso de convocações e escolhas de amistosos?
Tem gente que minimiza o desgaste. Diz que ele se limita à seleção ou ao círculo mais próximo da CBF. Afirma que os clubes sempre serão refúgio da paixão pelo futebol.
Por certo essa turma não tem visto os jogos do Brasileiro-11, cuja qualidade, baixíssima, torna difícil distinguir os favoritos ao título dos que lutam contra o rebaixamento.
Ou ignora que, com raras exceções, nosso "clubismo" vive hoje de nostalgia e de ódios regionais, combustível insuficiente para garantir a atenção de futuras gerações. Conceitos interessantes como identidade cultural, cidadania, educação e ações afirmativas infelizmente são ignorados pelos cartolas.
E não faz sentido esperar que a Copa-14 mude o rumo das coisas. O descontrole orçamentário e a sucessão de fraudes mostraram que dificilmente haverá legados positivos _fora ou dentro do campo.
Para não definhar, o futebol brasileiro precisa de uma nova direção.

coluna de 17.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Zumbilândia

Graças ao estilo solitário e centralizador de Dilma e ao relativo sucesso do governo até aqui, nunca o inchaço da Esplanada dos Ministérios foi tão evidente.
Vários de seus ocupantes nada fazem, até porque pouco têm a fazer.
Os carteiros estão em greve. Milhões de brasileiros foram afetados. A Presidência joga duro com os sindicatos. Mas do ministro do Trabalho até agora não se ouviu falar. Indicativo de que sua pasta poderia ser fundida à da Previdência, outra que perdeu importância política.
Sem verbas nem autonomia para assinar convênios desde que foi estourado pela Polícia Federal, o Turismo também não faz mais sentido _se um dia fez. A Embratur dá conta sozinha de "promover" o país.
Assim como será difícil, após a Copa-14 e o Rio-16, justificar a existência de um ministério dedicado a atletas de ponta e grandes eventos.
Em vez de levar adiante a ideia de criar uma pasta (a 39ª!) para a Micro e Pequena Empresa, por que não juntar as secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Jovens numa só, de Ação Afirmativa, com prestígio e orçamento decente? Até quando Direitos Humanos e Justiça precisarão andar separados?
Mesmo repartições maiores merecem reavaliação. Cidades, depois de tantas fraudes, na prática hoje é gerida pelo Planejamento. Seu ministro zanza como um zumbi por Brasília, caçoado até no Planalto.
Esse quadro de desperdícios decerto não escapou à atenção do empresário Jorge Gerdau, convidado pela presidente a arquitetar uma reforma da máquina federal _replicando boa iniciativa do ministro Hélio Beltrão no início dos anos 80.
Dilma fala em mexer na equipe na virada do ano. Seria o caso de aproveitar e ir além da substituição de fracos e candidatos a prefeito.
Não se trata de fazer o "corte pelo corte", mas de otimizar recursos públicos, desburocratizar serviços e reduzir o espaço dos oportunistas.

coluna de 10.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Caixeiro-viajante

Gilberto Kassab entrou na política pela porta da Associação Comercial de São Paulo. Isso talvez ajude a explicar uma trajetória que não para de surpreender.
O prefeito, desde sempre, opera a lógica do bom comerciante: identificar demandas do mercado, nem sempre explícitas, e oferecer um produto capaz de atendê-las.
Quando FHC se elegeu, o PFL era um partido nordestino. Kassab de pronto se ofereceu para montar a regional do parceiro dos tucanos.
Mais adiante, captou o declínio do malufismo e tratou de ocupar o papel de fiel da balança da briga parelha entre PSDB e PT na cidade.
Agora, ao criar o PSD, enxergou com nitidez o que outros só vislumbraram: os descontentamentos pontuais de políticos de expressão, a insatisfação no Congresso com a amarra da fidelidade partidária e a atração que uma Presidência forte e popular exerce sobre todos os políticos, inclusive os da oposição.
O PSD surge como sigla-catraca, que resolve esses problemas todos. Não à toa, deverá logo reunir a terceira maior bancada da Câmara.
A façanha de Kassab impressiona ainda mais quando se sabe que sua imagem de prefeito anda desgastada. O comum é Brasília se render a líderes regionais escorados em bons resultados nos seus redutos.
Não se deve subestimar o futuro do PSD (PSK?) também. Além do tamanho, a sigla tem dois trunfos.
Um já está claro: a utilidade para Dilma Rousseff nas "discussões de relação" com os partidos da coalizão. Graças ao "apoio independente" do PSD, o Planalto poderá jogar mais duro com PR, PP, PSC e até setores do PMDB _uma gente que cobra muito e entrega pouco.
O outro trunfo é o slogan do novo partido. Não ser "de esquerda, nem de direita, nem de centro" pode soar ridículo à imprensa. Mas muito eleitor não apenas se identifica com essa geleia como hoje tem orgulho de declarar a mesma posição.

coluna de 03.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br