quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Barra transversal

Aos aliados que ficaram insatisfeitos com a distribuição dos ministérios do futuro governo, um alerta: não convém esperar nomeações no atacado agora.
Dilma Rousseff vai se aproveitar do fato de que se trata de uma administração de continuidade para abrir as "torneiras" do segundo escalão com parcimônia.
Primeiro, porque isso tende a diminuir/diluir as pressões dos partidos. No varejo, a barganha fisiológica geralmente fica circunscrita a quem ocupa o posto e a quem a Presidência deseja nele instalar. Daí, por exemplo, o adiamento da troca na cúpula do Banco do Brasil.
Essa blindagem se dará sobretudo nas áreas que a presidente considera mais estratégicas. A pasta dos Aeroportos ainda não foi criada por essa razão _e não pelo receio de caos aéreo nestas férias, como o Planalto espalha. Dilma não quis correr o risco de ter de entregar o projeto de privatização do setor, ao qual ela se dedicou durante anos, a um político desconhecido e, principalmente, de fora do PT.
O segundo motivo para não fazer mudanças rápido é o paradoxo do primeiro: esses cargos poderão ser úteis ao Planalto para corrigir desequilíbrios na coalizão e garantir apoio em votações polêmicas no Congresso. O prometido Ministério da Microempresa sairá do papel quando conveniente a esse xadrez.
Terceiro, Dilma é fervorosa defensora de modelos transversais de gestão. Acha que as repartições costumam olhar o próprio umbigo e ignorar as prioridades do governo. Na Casa Civil, ela montou uma rede de "informantes" nas estatais mais nevrálgicas. Por que na Presidência fará diferente?
Por fim, há o diagnóstico de que cautela não faz mal. Muitos escândalos da era Lula eclodiram no segundo escalão _Erenice Guerra (tráfico de influência), Silas Rondeau (Navalha), Waldomiro Diniz (bingos) etc. Quanto menos nomeações agora, menores as chances de denúncias na largada do governo.

coluna de 23.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Muito agradecida

É cedo para fazer um prognóstico do time de ministros de Dilma Rousseff. O sucesso do primeiro escalão depende dos planos da Presidência, e, por ora, pouco ou nada se sabe deles. Já dá, no entanto, para arriscar uma leitura política da montagem do governo. Maldosa ou não, Dilma asfixiou os principais aliados eleitorais, PMDB e PSB, e optou pelo próprio partido.
O PT emplacou:
* Todo o núcleo-duro político do Planalto (Casa Civil, Secretaria-Geral e Relações Institucionais);
* O comando da área econômica, com Fazenda e Planejamento;
* Os ministérios "cartões de visita", que concentram programas de muito apelo popular _Educação, Saúde e Desenvolvimento Social;
* O controle hierárquico sobre os órgãos "policiais" (PF e Receita);
* Secretários-executivos de confiança em pastas sob direção de outras siglas, como Minas e Energia;
* O maior volume de recursos sobre os quais os ministros terão poder de decisão em 2011 -R$ 56 bilhões, 34% a mais que em 2010.
Já o PMDB, que no governo Lula dispunha de fatia equivalente à do PT, perderá 35% de verbas. O PT tomou-lhe a Saúde e as Comunicações, repartições de importância política e orçamentária. Deu em troca a Previdência e o Turismo. Ai.
Ao PSB Dilma reservou o mesmo tratamento de PR, PDT, PC do B e até de uma legenda que nem integrou a chapa dela na eleição, o PP: todos ficarão com o número de ministérios que tinham sob Lula.
Além disso, os ministros extra-PT são discretos ou desconhecidos _a exceção é o peemedebista Nelson Jobim (Defesa). A tropa petista, por sua vez, traz vários nomes com trânsito na imprensa: Antonio Palocci, Zé Eduardo Cardozo, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante...
A presidente "gestora", como se vê, fez, na largada, uma aposta política. O senão é que a equação não fecha. Privilegiar o PT num Congresso com 22 partidos? Talvez a reforma política venha pra valer.

coluna de 22.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

A batalha do mensalão

Não foi casual o aviso de Lula de que, fora da Presidência, vai se dedicar a desmontar a "farsa do mensalão". Nem a omissão do escândalo (e da grave crise política que ele causou) nas 2.200 páginas dos seis volumes que fazem o balanço oficial dos oito anos de seu governo. Tampouco o doce regresso de José Dirceu ao Planalto, para o ato festivo que lançou os livros.
Lula sabe que o PT terá pela frente um ano decisivo. E não só porque precisará lidar com Dilma Rousseff, uma presidente ausente da história e alheia ao cotidiano do partido.
Em 2011, enfim, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar 38 denunciados pelo esquema de compra de apoio político no Congresso.
Mas não é só a "pessoa física" de José Dirceu que estará no banco dos réus. Ou de Paulo Rocha, João Paulo Cunha e dos demais petistas que respondem a acusações como formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas.
O julgamento do mensalão no STF reabrirá as feridas que o segundo mandato de Lula conseguiu fechar. O noticiário voltará a tratar do caso. Adversários e falsos aliados, hoje intimidados, não deixarão de tirar casquinha _e não de Lula, que sairá com taxas recordes de prestígio e popularidade, mas do PT.
Além disso, é improvável que o tribunal, em plena era do "Ficha Limpa", encerre os trabalhos sem produzir nenhuma condenação.
O PT será a bola da vez, e daí a recaída de Lula _ele, que já se disse "traído pelas práticas inaceitáveis" e "indignado pelas revelações".
Como não pode partir para cima dos ministros do STF, resta agora ao presidente (e ao PT) negar de todo modo os crimes, ressuscitar a tese do "golpismo", reabilitar envolvidos e, sobretudo, desqualificar a imprensa: é urgente, ao menos, influir na narrativa do julgamento.
Se a descoberta do mensalão foi o divisor da era Lula, o desfecho do escândalo tem tudo para ser um marco na trajetória do PT e também no debate do "controle da mídia".

coluna de 21.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dilma e o baú da felicidade

Lula sempre teve uma relação próxima com a imprensa. É vaidoso, gosta de aparecer e sabe que os jornais o ajudaram a conquistar e garantir espaço político, principalmente na reabertura democrática.
Dilma nada tem de frívola e até a campanha manteve distância dos jornalistas, desconfiada ou mesmo convencida de que só atrapalham, quando não representam "o inimigo". É seu DNA brizolista.
Não é certo, porém, que, em razão das diferenças de personalidade e trajetória, a futura presidente atuará mais ostensivamente do que o padrinho contra as grandes empresas de comunicação do país.
Lula deu bordoadas sucessivas na imprensa não só para atiçar patrulhas e esvaziar denúncias, mas, sobretudo, para reforçar a imagem de pai dos pobres e vítima das elites. Os vilões de outros momentos (usineiros, banqueiros, coroneis etc.) estavam todos no governo. Sobrou para "a mídia".
Dilma não tem perfil para replicar a estratégia. O marqueteiro da campanha não a pintou como coitadinha. Destacou "a mulher que decide".
Outro senão é que Dilma terá de escolher meticulosamente as primeiras batalhas.
A macroeconomia e a aliança com o PMDB já prometem dor de cabeça o suficiente.
Ademais, como todo chefe de governo em início de mandato, ela será pressionada a produzir boas notícias. Por que torpedear justamente quem poderá veiculá-las?
Mas há mais uma razão para Dilma, a despeito do discurso beligerante do PT, não gastar tempo e energia contra a radiodifusão e a grande imprensa: a ofensiva, silenciosa, já foi feita, sob amparo da tendência de mercado.
Neste ano o governo Lula:
* acionou os fundos de pensão estatais e chancelou o acordo que passará a portugueses a "supertele nacional";
* decidiu abrir às teles o mercado da TV a cabo;
* lançou um plano nacional da banda larga, nas mãos de uma estatal com R$ 15 bilhões para escolher quem contratar;
* fechou os olhos à entrada dissimulada de capital estrangeiro na imprensa/internet;
* ampliou a publicidade em órgãos menos independentes.
Coordenadas ou não, essas medidas alteram a correlação de forças na iniciativa privada _ampliam a margem de ação de múltis telefônicas e/ou têm potencial para enfraquecer algumas empresas nacionais.
As teles investem por ano no Brasil R$ 20 bilhões _oito vezes o patrimônio total do Grupo Silvio Santos.
A aposta no Planalto é que vários empresários brasileiros terão de pedir água e, em troca de barreiras protecionistas, aceitar, senão pedir, mudanças na lei das telecomunicações _ideia que hoje rejeitam.
Caberia a Dilma, nesse cenário, arbitrar não apenas a nova conjuntura de mercado, mas também o debate sobre o "papel" da imprensa.

coluna de 21.nov.2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Minha Casa, minha vida

O PT caminha a passos largos para ampliar seu time no Senado e dar à presidente Dilma a maioria na Casa que nem Lula obteve com tanta popularidade _ou dar ao presidente Serra (e ao futuro senador Aécio Neves) a canseira que não estava no roteiro tucano.
O PT tem hoje a quarta bancada (nove representantes), atrás de PMDB (18), PSDB e DEM (14 cada).
Dois assentos já estão garantidos: Eduardo Suplicy (SP) e Tião Viana (AC), ambos no meio do mandato. Tião deve se eleger ao governo, mas seu suplente é do PT.
Também são petistas os substitutos de dois outros candidatos que pintam como favoritos ao governo, Alfredo Nascimento (PR-AM) e Renato Casagrande (PSB-ES).
O partido lançou 18 nomes ao Senado neste ano. Graças à projeção pessoal e à sólida aliança política local, seis deles são considerados imbatíveis: Delcídio Amaral (MS), Humberto Costa (PE), Jorge Viana (AC), Marta Suplicy (SP), Paulo Paim (RS) e Wellington Dias (PI).
Mas os demais 12 estão no páreo. A maioria duela diretamente com alguém da oposição a Lula.
Fernando Pimentel, por exemplo, desafia o ex-presidente Itamar Franco (PPS) em Minas Gerais. Na Bahia, Walter Pinheiro conta com a dobradinha com o governador Jaques Wagner para tentar derrotar José Carlos Aleluia (DEM).
No Paraná, o tira-teima é entre Gleisi Hoffman e Gustavo Fruet (PSDB). No Pará, entre Paulo Rocha e Flexa Ribeiro (PSDB). Em Mato Grosso, entre Carlos Abicalil e Antero Paes de Barros (PSDB).
Se o PT ganhar mais da metade desses 12 mata-matas, tem chances de sair da eleição com a maior bancada no Senado. O PMDB projeta eleger no máximo 17; PSDB e DEM rezam para não encolher muito.
Aí, além de garantir protagonismo no Senado, o PT poderá exercer o direito regimental de escolher o presidente da Casa. Nunca a posição de José Sarney, hoje um aliado petista, pareceu tão ameaçada.

coluna de 12.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Teste de resistência

O país que celebra a aprovação da Lei da Ficha Limpa é o mesmo que poderá redimir pelo voto os protagonistas de todos os grandes escândalos da era Lula.
O núcleo petista que ainda responde na Justiça pelo mensalão ratificou o poder dentro do partido e tem hoje a reeleição bem encaminhada, de José Genoino a João Paulo Cunha (SP). Paulo Rocha (PA) arriscará o Senado. Único mensaleiro vetado pela lei, José Dirceu provavelmente emplacará na Câmara o filho Zeca, pelo Paraná.
O PT facultou a Antonio Palocci escolher entre tentar a Câmara ou o Senado. O ministro da quebra do sigilo do caseiro optou pelo comando da campanha presidencial e a certeza de assento no eventual governo Dilma Rousseff -ela própria envolvida nos episódios do dossiê FHC, Anac/Varig e Receita/Lina.
O senador Renan Calheiros (PMDB), depois de escapar de uma série de processos de cassação, praticamente assegurou outro mandato _com a ajuda do Planalto, desidratou a concorrência em Alagoas.
O colega dele de Casa, de partido e de noticiário negativo, José "Atos Secretos" Sarney, não enfrentará as urnas. Mas jogou pesado para de novo fazer a filha Roseana governadora do Maranhão _conseguiu arrastar do PT ao DEM para a coligação dela, líder nas pesquisas.
A primeira edição dos "aloprados" não evitou que Aloizio Mercadante fosse premiado com outra candidatura ao governo paulista.
Demitida no caso dos cartões corporativos, a ex-ministra Matilde Ribeiro é suplente de Netinho (PCdoB) na chapa ao Senado.
O "deputado do castelo", Edmar Moreira (PR), confia na reeleição em Minas. E, no DF, o servidor Agaciel Maia (PTC), cuja mansão serviu de estopim para a crise no Senado, decidiu estrear atrás de uma vaga de deputado distrital _terá a concorrência de sete citados no inquérito do mensalão candango.
Será que o eleitor, afinal, não acha nada disso escandaloso?

coluna de 09.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Jogo feio

Como diz o trocadilho que li na internet, o Brasil perdeu a chance de faturar a Copa de 2010, não a de superfaturar a de 2014.
Até agora, o país não sabe quanto vai gastar para organizar o próximo Mundial -nem em quê. O governo federal fala em R$ 22 bilhões, mas é chute, à espera dos aditivos para "contratempos imprevistos".
Isso porque os projetos de infraestrutura e transporte ainda não estão detalhados. Os de segurança nem sequer foram esboçados.
E há o gargalo dos estádios. A Fifa não bateu martelo sobre quais serão erguidos ou reformados, mas os custos não param de subir. Quase triplicaram desde o primeiro orçamento (de R$ 2 bi para R$ 5,3 bi).
Tanta indecisão parece proposital. Serve para os envolvidos arrancarem mais dinheiro estatal, não? No mínimo, impede o poder público de fechar as planilhas e fixar o cronograma de desembolsos.
Além disso, se as coisas tardam a acontecer, os órgãos de fiscalização tardam a se mexer. Os sites dos tribunais de contas sobre a Copa, por exemplo, continuam zerados.
É má-fé, e não só ingenuidade, esperar que a iniciativa privada cuide de filtrar os vícios do processo.
Como revelou importante série de reportagens da Folha neste ano, as grandes construtoras brasileiras têm o hábito de fazer acordos antes das licitações _superfaturam os contratos e repartem a execução das obras e o dinheiro recebido.
Segundo a Polícia Federal, foram fraudados o metrô em várias capitais, rodovias, portos e aeroportos, refinarias etc... a lista só não cresceu porque o inquérito foi convenientemente congelado pelo STJ.
O Planalto chegou a formar uma comissão de burocratas para coibir a atuação desses "consórcios paralelos" de empreiteiras e assegurar a lisura das concorrências da Copa _e da Olimpíada do Rio-2016.
Mas é difícil acreditar no comprometimento contra a corrupção de um governo que por ora não fez senão atender e bajular os cartolas.

coluna de 06.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Protocolo dossiê

É enorme o esforço do PT para tentar se desvencilhar do dossiê antitucano formatado pelo "grupo de inteligência" do comitê de campanha de Dilma Rousseff.
A ordem agora é martelar que o próprio PSDB arquitetou o escândalo -e pressionar a imprensa a revelar como obteve a papelada.
A narrativa não para em pé. Que a própria candidata à Presidência se empenhe em divulgá-la é sinal de, no mínimo, desorganização.
Primeiro, porque o caso só veio à tona graças a dirigentes do PT, que o confirmaram à revista "Veja". Gabavam-se de ter abortado a tentativa de alguns correligionários de reeditar os "aloprados" de 2006.
Segundo, porque os próprios envolvidos desautorizam a versão.
O empresário que chefiava a equipe de comunicação de Dilma, apontado como o coordenador do dossiê, não hesitou em acusar o "fogo amigo". "O grupo do PT que integrou o governo da Marta [Suplicy] quer entrar na campanha a qualquer preço. Fui a primeira barreira dessa guerra e sofri as consequências", declarou Luiz Lanzetta.
Indagado sobre como o conteúdo de reportagens inéditas suas sobre José Serra foi parar na imprensa, o jornalista Amaury Ribeiro alegou que seu computador tinha sido violado e que ele só não havia ido à polícia por orientação de Lanzetta: "Havia a suspeita sobre os próprios integrantes" do comitê de Dilma.
A tática petista de jogar na confusão não é nova. Foi usada em 2008, quando a Folha revelou que a Casa Civil havia juntado documentos sobre Fernando Henrique e Ruth Cardoso, com o objetivo de coagir a oposição e impedir a CPI dos Cartões Corporativos.
Na época, o PT tentou emplacar a versão de que o PSDB havia infiltrado um "espião" no Planalto e forjado a planilha que vazou à imprensa. O inquérito policial, porém, confirmou o noticiado: arquivo específico contra o casal FHC tinha sido criado e alimentado no computador de assessora de Dilma.

coluna de 02.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Próximos passos

O saldo das pesquisas de junho foi cruel para José Serra, que neste mês teve a sua vez na propaganda eleitoral na TV. E animador para Dilma Rousseff, que se afastou um pouco do noticiário político, em giro de cocota pela Europa. Ele perdeu quando apareceu. Ela ganhou quando desapareceu.
Esse resultado não era aguardado em nenhum dos dois comitês e terá impacto nas campanhas.
A estratégia do PT será aproveitar a onda, o apoio publicitário da máquina federal e o agito da militância para tentar dar um aspecto de fatura liquidada à eleição -e daí fazê-lo no primeiro turno.
Teremos mais algumas semanas, portanto, de "Dilma Sorriso", a candidata que só vai na boa e posa para fotógrafos e cinegrafistas, grudada em Lula e decidida a evitar o confronto com o oponente e a fugir de eventos em que perguntas incômodas puderem surgir. (Não à toa, marcou debates só para agosto.)
Não será estranho, também, se o Planalto se empenhar nos próximos dias em retirar de circulação alguns dos nove candidatos nanicos _se juntos repetirem a fatia de votos de 2006 (5%), eles provavelmente forçarão o segundo turno.
Serra, por sua vez, viu que terá de recalibrar o discurso se quiser subir do patamar de 35%.
O oposicionismo discreto da largada da campanha não teve efeito mobilizador. E talvez tenha sido desmobilizador o efeito das críticas recentes à adversária _estas, pelo visto, só acentuaram que é ela, e não ele, a "continuação" de Lula.
Talvez partam agora do tucano questionamentos mais pontuais e agudos ao PT _e ao PT no governo. Ou, finalmente, propostas de conteúdo novo ou apelo novidadeiro.
Se nada der certo, restará ao PSDB apenas o apelo emocional por um segundo turno _a chance, afinal, de comparar discursos, projetos, currículos etc. Ou torcer (e trabalhar) para que Marina "A Outra" Silva roube votos do PT.

coluna de 29.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Terror ou terroir?

O projeto de uma nova lei de florestas contém erros e é complacente com desmatadores. Mas já conseguiu um feito: abriu no Congresso uma discussão mais aguda e menos contaminada de estereótipos sobre o papel e a importância do agricultor no país.
Um dos motivos é o fato de o texto apontar com clareza as limitações da legislação atual, que já soma mais de 40 anos de remendos.
Defasado, o Código Florestal transformou-se num fardo para os pequenos e médios proprietários _quase 90% caíram na ilegalidade. Além disso, atrapalha os assentamentos da reforma agrária, imobiliza a fronteira agrícola e serve de estímulo à concentração de terras.
O outro motivo é que esse diagnóstico ganhou um porta-voz atípico: o deputado do PCdoB Aldo Rebelo (SP). Surpreendidos com golpes de esquerda, os ambientalistas desinterditaram o debate.
No Brasil, a imagem do agricultor é pouco defendida. A herança colonial, das grandes propriedades improdutivas e do trabalho escravo; a ação agressiva de inclusão dos sem-terra; o deslumbramento do agronegócio ("country"!); os crimes denunciados por ONGs verdes _tudo isso contribuiu para a satanização de quem produz no campo.
A bancada ruralista aqui é pintada como representante de "sinhozinhos do mal", à diferença do que ocorre nos países mais ricos.
Na França, por exemplo, a agricultura está associada à resistência cultural, à defesa das diversidades regionais. A ideia do "terroir", tão cara ao consumidor de vinhos, é sustentada pelo subsídio estatal.
E em quantos filmes de Hollywood o herói luta pela posse ou sucesso da fazenda, reforçando que, no EUA, o direito à propriedade é sagrado também no campo?
O projeto de Aldo tem no mínimo o mérito de equilibrar a propaganda por aqui. O Brasil tem que reforçar os compromissos ambientais, mas precisa começar a ouvir aqueles que de fato manejam a terra.

coluna de 25.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Portal de notícias

O governo Lula se atrapalhou ao levar à internet relatórios internos de avaliação de políticas públicas e cometeu um erro grave ao tirá-los sumariamente do ar, preocupado com a repercussão.
A sequência de atropelos lança dúvidas sobre o novo Portal do Planejamento -ferramenta de gestão promissora, porque reúne em apenas um espaço as estatísticas, leis e notícias de 50 temas sociais, econômicos e de infraestrutura.
O ministério, primeiro, foi imprudente quando, na estreia, semana passada, permitiu a divulgação não só dos dados brutos mas também das reflexões críticas habitualmente feitas pelos técnicos da pasta.
Essa transparência total parece bacana, tão raro é o governo (e sobretudo este governo) admitir erros e escancarar o que de fato pensa. Seu efeito, porém, seria o inverso: um desestímulo à franqueza.
Totalmente expostos às patrulhas, inclusive do próprio governo, os servidores passariam a medir cada palavra. Dificilmente teriam coragem de escancarar a má gerência do PAC ou a corrupção em torno do Luz para Todos, por exemplo.
Então por que o Planejamento agiu mal ao suspender o site? Justamente porque o primeiro catatau publicado foi devastador.
O portal demoliu, entre outras coisas, o plano do biodiesel (economicamente inviável) e iniciativas federais no campo (endividamento da agricultura familiar, concentração de renda e fiasco dos assentamentos da reforma agrária).
São avaliações difíceis para Lula digerir. O presidente bate bumbo do seu desempenho nessas duas áreas. A ponto até de, arrogante, ter anunciado os nomes que cuidarão delas em um governo Dilma (Miguel Rossetto e Paulo Okamoto).
O Planalto, porém, devia ter sido menos sanguíneo. Deixasse as críticas no ar e ajustasse os procedimentos mais adiante. Ao mandar engavetar o portal, só fez confirmar a vocação à propaganda enganosa e a aversão a todo tipo de crítica.

coluna de 22.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Que droga

Pesquisa divulgada na semana passada ajuda a entender por que Dilma Rousseff passou a tratar do crack em quase toda entrevista e por que José Serra acusou duramente o governo da Bolívia de leniência com o narcotráfico.
O Ibope perguntou a 2.002 eleitores quais os principais problemas do Brasil. Segurança pública e drogas ficaram em 2º e 3º lugares _à frente de questões como miséria, corrupção, habitação e transporte.
Instados a declarar o que deve merecer "especial atenção" do próximo presidente, os entrevistados confirmaram o diagnóstico: puseram a segurança pública como a 2ª prioridade e as drogas como a 4ª.
Os dois assuntos atraem mais atenção do que na eleição passada. Em 2006, a segurança ocupava o 3º lugar no ranking; as drogas, o 5º.
Essa preocupação crescente com a violência arranha até a portentosa avaliação de Lula: é a área em que ele tirou a pior nota (2,1, de um máximo de 5). Dos entrevistados, 38% disseram-se totalmente insatisfeitos com a atuação federal na questão da segurança _contra 7% de totalmente insatisfeitos com a gestão da economia, por exemplo.
Ninguém sabe ao certo o que influencia o voto. Os marqueteiros, porém, acham importante descobrir e explorar o que aflige o eleitor. O Ibope, portanto, apenas tornou público o que as pesquisas do PT e do PSDB já haviam detectado.
Daí a decisão de Dilma de lançar um alerta sobre a disseminação do crack e fazer uma dobradinha indiscreta com o Planalto, que na sequência anunciou uma campanha nacional de combate à droga.
O súbito ataque de Serra à porosidade da fronteira boliviana foi o modo encontrado para evitar que a adversária tomasse conta dessa agenda. Não tinha como alvo a diplomacia lulista ou o Mercosul, como alguns interpretaram de saída.
O que falta esclarecer é a desatenção dos candidatos até aqui ao tema que mais desperta interesse e indignação no brasileiro: a saúde.

coluna de 18.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

O livro dos espíritos

O golpe de 1964 teve "espírito democrático". A censura à imprensa foi "condição para o progresso". As cassações políticas, uma "necessidade" ante a "intransigência" do único partido de oposição (MDB) que a ditadura permitia existir na década de 70.
É espantoso, mas o dinheiro público ainda financia o ensino desses disparates no país. Como revelou a Folha no domingo, estão no livro de história usado nos colégios militares, com quase 15 mil alunos.
Pior, o Exército faz questão que os estudantes paguem por esse material didático, quando poderiam receber, de graça, outros livros de história credenciados pelo MEC.
É grave, portanto, o descaso do governo. O Ministério da Defesa promete acionar "autoridades competentes". A Secretaria dos Direitos Humanos optou pelo silêncio. A Casa Civil idem. Enquanto isso, louva-se a ditadura em sala de aula.
Na Presidência, Lula se revelou vacilante quanto à questão militar. Deixará ao sucessor, por exemplo, o exame de violações de direitos humanos no período da repressão. Para uns, foi amadurecimento político. Para outros, acovardamento.
Uma coisa, porém, é manter intocados os arquivos da ditadura. Outra é permitir que eles continuem a fabricar mentiras _e para jovens.
Um efeito da hesitação de Lula e seus ministros é que ela transfere à candidata do PT a pressão por um "posicionamento" _e não só devido ao passado dela na luta armada.
Como ministra, Dilma Rousseff não destoou do morde-e-assopra de Lula. Mas nunca pareceu confortável com essa abordagem no que diz respeito aos "anos de chumbo".
Numa premiação na Confederação Nacional da Indústria, em 2008, Dilma foi uma das poucas pessoas que não aplaudiram Jarbas Passarinho. O ex-ministro em três mandatos do regime militar acabara de discursar, e a ministra, de braços imóveis, procurava com os olhos na plateia um cúmplice para a "desobediência civil".

coluna de 15.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 11 de junho de 2010

'Muleques' e 'panicats'

A TV trouxe a primeira novidade desta campanha presidencial. Os candidatos não são mais apenas alvo dos programas de humor. Tornaram-se também atores. Aceitam de bom grado participar dos quadros concebidos para ridicularizá-los.
De um lado, Dilma Rousseff desdenha da própria aparência e promete dançar o "rebolation" se eleita. Do outro, José Serra saltita e cantarola o hit "Ah, Muleque" e faz escada para críticas de detratores.
Deve ser mesmo difícil resistir à simpatia e ao talento de Sabrina Sato, a principal "isca" do "Pânico na TV" para desarmar os políticos. Ou dos demais humoristas e dançarinas (as "panicats") do programa _eles muito bons, elas muito boas.
Mas há cálculo por trás do constrangimento. Dilma e Serra viraram habitués dos esquetes porque lhes interessa desfazer ou no mínimo atenuar a fama de mal-humorados.
Em tese, uma dose de irreverência pode ser útil na política, sobretudo num momento com tantos eleitores indiferentes. Pode contribuir para tornar mais popular a agenda pública, por exemplo.
Além disso, talvez seja saudável o candidato rir um pouco de si. O escracho diminui o "salto alto" e serve de contraponto às aflições e paranoias da disputa eleitoral.
Mas existe algo estranho nessa nova fase do humor nacional, sem prejuízo de seu sucesso.
Primeiro porque, no fundo, ele não incomoda. Piadas sobre plásticas ou olheiras não chegam a embaraçar Dilma e Serra como fariam determinadas perguntas sobre Previdência, SUS, mudanças do currículo escolar, uso do dinheiro dos impostos e outras urgências das quais os dois têm evitado tratar.
Segundo porque há o risco de os candidatos, como calouros nos trotes universitários, ficarem reféns do esculacho. O risco de perder o bom senso para não perder a piada.
Se das urnas sair a primeira mulher presidente, fará sentido ela festejar a vitória requebrando?

coluna de 11.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

PTrificado

Em público, Lula tem reiterado que é hora de "despaulistizar" a política no Brasil. Mas é justamente a seção paulista do PT que saiu fortalecida da pré-campanha.
A crise do dossiê anti-Serra serviu para desidratar a última liderança capaz de desafiar o velho _e contestado_ status quo do partido.
Fernando Pimentel, melhor amigo de Dilma Rousseff e apontado, com justiça ou não, como o responsável pelos novos aloprados, teve ontem de desistir da candidatura ao governo de Minas Gerais.
Caso saísse vencedor no segundo maior colégio eleitoral do país, o ex-prefeito de Belo Horizonte seria um contrapeso a Antonio Palocci, José Dirceu, Marta Suplicy, Rui Falcão e outros petistas de São Paulo que se aproximaram de Dilma e hoje até lhe indicam o que vestir.
Nos demais Estados, não pintou outro nome. O PT não cresceu como o previsto na era Lula. No Nordeste, por exemplo, foi o aliado PSB que mais posições conquistou.
Em contrapartida, desde os tempos áureos do Campo Majoritário não se via o PT paulista tão unido.
As várias forças do partido no Estado voltaram a se agrupar em 2009, por uma questão de sobrevivência. Havia ainda a ressaca dos vários escândalos (mensalão, aloprados 1, quebra do sigilo do caseiro). E havia o desconforto com o projeto de eleger ao Planalto uma ministra desconhecida e inexperiente. Não fazia sentido desperdiçar energia com rivalidades locais.
Agora, ironicamente, os paulistas se abraçam por causa das boas chances de vitória à Presidência.
Não cuidam só de assegurar a atenção da candidata e a influência sobre os rumos da candidatura.
Empenham-se, também, em tomar o controle da máquina da campanha, sobretudo a publicidade e a comunicação, e fincar âncora nessas áreas num governo Dilma.
Dividir esse mercado futuro com Pimentel não cabia no roteiro.

coluna de 08.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Estado de ânimo

Possivelmente "nunca neste país" um programa do governo federal foi desconstruído e questionado como o PAC. E justamente por isso a "prateleira de obras" não é de todo irrelevante.
No conteúdo e na execução, o PAC pouco se distingue de outras ferramentas de gestão, como o Avança Brasil dos tucanos. A diferença está na força da propaganda.
De tão martelada, a sigla transformou seu autor em refém. Não há mais como o Planalto descartá-la.
Daí a atenção da imprensa também. No mês passado, a Folha noticiou que: 1) a Casa Civil oculta informações de 94% do PAC 1 e maquia o ritmo dos 6% restantes; 2) três em cada quatro obras detalhadas até aqui nos balanços não foram concluídas no prazo original; 3) dos principais projetos do PAC 2, 64% não passam de reciclagem do que encalhou no PAC 1.
Esses dados não só expõem a falibilidade da ontem "gerentona" e hoje candidata à Presidência, mas ajudam o poder público _e o público_ a lembrar que governar não é a moleza prometida pelo marketing.
Todo governante toma posse pressionado pelos compromissos que assumiu durante a campanha eleitoral e pelos problemas que lhe serão apresentados. Sua ordem é agir _e rápido. O regramento, porém, está todo formatado para impedir arroubos: leis de licitação, licenciamentos ambientais etc.
Além disso, o político que assume o Executivo tem uma vida útil de quatro anos _oito, se bem-sucedido. Já o servidor tem 30 anos de estabilidade até a aposentadoria. O sentido de urgência de um não move o outro. Para a burocracia estatal, o eleito está só de passagem.
Ao prometer com ênfase o que não conseguiu entregar, o PAC colocou em pauta a questão da (in)eficiência no manejo das contas públicas. "O Brasil pode mais", "Por um Estado melhor", os slogans da eleição de 2010 já se delineiam. Isso é bom. Culpa (mérito?) de Dilma ou do marqueteiro do PT, tanto faz.

coluna de 04.abr.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

A guerra de Erenice

O pai de Erenice Guerra foi um dos pioneiros da construção de Brasília. No final dos anos 50, resolveu deixar o Ceará. A viagem durou dois meses _de caminhão, de lombo de jegue e a pé.
O pedreiro instalou a família numa tenda do Exército e arrumou trabalho na obra do Palácio da Alvorada. O prédio foi a primeira inauguração da nova capital. Hoje, é a casa do presidente da República.
Décadas depois, a filha recebeu o convite de Lula para conhecer o edifício que o pai ajudou a erguer. Não conteve o choro na visita.
Poucos conhecem esse e outros episódios da vida da advogada que hoje substitui a amiga Dilma Rousseff no Ministério da Casa Civil.
Erenice, 51, não gosta de aparecer nem de falar de si. Fez carreira no serviço público longe do público. Foi só a dois ou três eventos do governo Lula. Não posou para fotos. Não deu uma única declaração à imprensa, nem quando a Folha noticiou seu envolvimento em escândalos do segundo mandato (dossiê FHC e caso Lina Vieira/Receita).
Os mais próximos dizem que a discrição não é timidez nem cálculo, mas resultado da obsessão pelo trabalho que a nova ministra traz de longe: aos 18 anos, quando morava na cidade-satélite do Guará, Erenice já estava casada, era mãe, cursava faculdade de direito, participava de ações sociais da Igreja Católica e ensaiava os primeiros passos na militância política (levava de bicicleta os filhos às reuniões que viriam a instalar o diretório do PT, ao qual filiou a mãe e o marido).
Após se formar, Erenice passou pela Eletronorte, pelo governo distrital e pelo Congresso até que encontrou Dilma. O PT estudava como tirar proveito político do apagão do governo FHC e chamou as iniciadas em energia _uma, na área técnica; outra, na jurídica. A parceria nasceu ali, Erenice confortada em conhecer outra mulher obstinada pelo trabalho e avessa a lamúrias. "Quem quer faz, não manda fazer", virou o mantra das duas.

coluna de 01.abr.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 8 de março de 2010

Reação em cadeia

A votação do STF que manteve na prisão o governador José Roberto Arruda e a sessão do STJ que reabriu os processos contra o empresário Daniel Dantas ofuscaram outra decisão (esta decepcionante) da Justiça federal.
O STJ negou a retomada da ação penal que corre em São Paulo contra executivos da construtora Camargo Corrêa, um dos três processos gerados pela Operação Castelo de Areia, deflagrada no ano passado pela Polícia Federal a fim de investigar o superfaturamento de obras públicas e o desvio desse dinheiro para políticos e partidos.
Os réus pediram a suspensão do processo sob a alegação de que o inquérito se baseou numa "denúncia anônima", o que o Ministério Público contesta _e o que uma leitura atenta da papelada desmente.
Em janeiro, porém, sem nem entrar no mérito da questão, o STJ concedeu liminar em favor dos acusados. Anteontem, renovou-a, ao ignorar o apelo da procuradoria.
Até que o tribunal marque nova sessão e se disponha a discutir o cerne do pedido da empreiteira, tudo ficará parado: perícias, coleta de testemunhos, análise de provas.
Esperava-se que a prisão de Arruda tivesse efeito pedagógico devido não só à indignação popular que o escândalo provocou mas também à qualidade e ao cuidado do trabalho dos policiais e procuradores.
O inquérito da Caixa de Pandora tem a solidez que faltou, por exemplo, à primeira fase da Satiagraha, arranhada por erros e abusos do delegado responsável. Por isso o STF pôde rejeitar com ênfase o habeas corpus ao governador.
Ao mostrar que nem todos os processos de colarinho branco acabam em pizza, a operação da PF em Brasília de fato renovou o ânimo de outras frentes de investigação, mas, infelizmente, ainda não refreou o ímpeto dos que se empenham tanto em mantê-las engavetadas.
A Castelo de Areia prossegue trancada justamente por causa da consistência do seu inquérito.

coluna de 06.mar.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fundos rasgados

Os negócios acertados na reta final pelo governo Lula não parecem se distinguir dos "consórcios borocoxôs" que marcaram o desfecho da era FHC.
A expressão, vale lembrar, foi cunhada pelo ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros num diálogo grampeado em 1998. Sintetizava o "modus operandi" da privatização do sistema Telebrás: o governo escolhia uma empresa privada para gerir o negócio e, cirurgicamente, financiava a operação por meio do BNDES e de um catado de fundos de pensão ligados às estatais.
Pois não é justamente esse o modelo que Lula adotará para a criação de uma "superelétrica"? O governo ainda nem veio a público justificar o projeto, mas, como noticiou a Folha, Previ (fundo dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa) já foram devidamente convocados para a engenharia financeira e societária que entregará o setor à empreiteira-amiga Camargo Corrêa.
Os argumentos do Planalto serão tão genéricos quanto antigos: 1) há gargalos de infraestrutura que precisam ser resolvidos com urgência; 2) a poupança interna é baixa no Brasil e, portanto, insuficiente para alavancar esses investimentos; 3) os fundos de pensão precisam diversificar sua carteira, uma vez que, com a estabilidade do real, a renda fixa não é mais tão atraente.
Dez anos atrás, o PT exigia uma CPI sobre os "consórcios borocoxôs", sob a alegação de que a União concedia empréstimos baratos às empresas e forçava os fundos de pensão a se associar a elas. Hoje, aplaude as manobras que promovem a concentração de mercado.
Para entender a mudança de opinião, e também a reticência da Casa Civil _que não registra na agenda oficial as visitas das empresas envolvidas_, vale atentar para o calendário. Por que guinadas e negócios de vulto na área da infraestrutura são sempre anunciados em ano de sucessão presidencial? Falta só aparecer o Daniel Dantas de 2010.

coluna de 03.mar.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Registro sindical

Afirmar que Lula anestesiou o sindicalismo no país talvez seja precipitado. Mas no PT certamente isso aconteceu. É notável que as questões do emprego tenham ficado em segundo plano, quando não de fora, do discurso de Dilma Rousseff e do documento final do congresso do partido.
A palavra sindicato (ou suas variantes) não aparece entre as quase 7.500 do texto que apresenta as diretrizes do PT para o próximo quadriênio. No relatório do congresso de 2007, havia 50 menções.
A agenda trabalhista do PT pós-Lula resume-se ao "compromisso com a defesa da jornada de 40 horas semanais, sem redução de salários".
Proposta, sabe-se, que não recebe o endosso do presidente, de sua candidata e da cúpula partidária. Foi incluída "só para constar".
(Como também é insincera a defesa da diminuição da jornada de trabalho que governistas têm feito no Congresso, manobra que visa tirar o foco dos projetos de lei que atrelam a remuneração das aposentadorias ao salário mínimo.)
Lula domesticou as centrais, e sobretudo a petista CUT, com a distribuição de dinheiro público. Desfalcou-as, nomeando seus líderes para cargos no governo. E tirou-lhes as principais bandeiras (garantiu ganhos reais para o mínimo, valorizou o funcionalismo, engavetou a reforma trabalhista etc.).
Daí que no partido só vozes isoladas hoje puxem o samba trabalhista _como Paulo Paim (RS), que do Senado berra reivindicações no passado vindas dos sindicatos.
Até esses espasmos, porém, têm prazo de validade. A geração sindicalista de Paim _e de Lula, Olívio Dutra, Luís Gushiken, Luiz Dulci, Jacó Bittar etc._ aos poucos deixa a cena. Mesmo nas regiões industriais que os petistas controlam politicamente, como o Vale dos Sinos (RS), não têm surgido substitutos à altura. O PT do futuro parece pertencer à burocracia formada dentro do governo e fundos de pensão.

coluna de 27.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Internet aberta

A revelação de que José Dirceu recebeu dinheiro da empresa que poderá se beneficiar caso a Telebrás seja reativada lança dúvidas sobre o plano federal de universalização da banda larga e sobre o modelo de "Estado executor" ensaiado pela Casa Civil no segundo mandato de Lula e defendido pela candidata Dilma Rousseff.
Com sede num paraíso fiscal do Caribe, a Star Overseas pagou R$ 1 pela participação na Eletronet, uma empresa falida cujo único ativo valioso (uma rede de 16 mil km de cabos de fibra ótica) estava na mão dos credores. Meses depois de a offshore ter contratado Dirceu, em 2007, o governo federal anunciou a intenção de transformar o cabeamento da Eletronet na "espinha dorsal" de uma nova rede nacional de acesso à internet, sob a tutela de uma estatal (Telebrás).
Não está claro, ainda, se e como a Star Overseas lucrará com essa remontagem do setor, que será anunciada no mês que vem pelo Palácio do Planalto. Mas a remuneração de Dirceu (R$ 620 mil em dois anos) indica que a offshore não esperava pouco. Advogados ouvidos pela Folha estimam em R$ 200 milhões.
Toda vez que as peripécias de Dirceu são flagradas, Lula diminui o papel do ex-ministro. Diz que ele é um franco-atirador que atua em causa própria _mesmo quando trata de alianças e doações eleitorais.
Desta vez, o Planalto terá de formular um discurso menos ligeiro e mais responsável e esclarecedor.
Primeiro, porque o caso Eletronet parece seguir o padrão dos escândalos da BrOi e da Varig _empresários com acesso ao governo Lula garantem uma bolada sem precisar investir muito (ou nada), graças a informações reservadas e/ou ao suporte jurídico da União.
Segundo, porque Dilma atuou diretamente no plano de banda larga. Ela diz que a rede da Eletronet é "patrimônio importante como o pré-sal". E foi o "apoio mais decisivo" à modelagem do projeto, escreveu Dirceu em março de 2007.

coluna de 24.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Aquele abraço

O encerramento do congresso do PT, hoje, deverá significar uma guinada na campanha de Dilma Rousseff. Assim que descer do palanque, depois de lançar as bases da sua plataforma de governo, a ministra perderá o direito de dizer não à "classe política".
Todos (menos a Justiça eleitoral) sabem que Dilma está candidata desde o anúncio do PAC, em 2007.
Até ontem, porém, ela pôde driblar as demandas mundanas de deputados, vereadores, cabos eleitorais etc. Bastava alegar a sobrecarga na agenda, devido a compromissos de governo, ou que a candidatura ainda não havia sido formalizada.
Por muito tempo, portanto, Dilma tirou proveito do que veteranos do PMDB chamam de "candidatura ausente": a campanha rola solta, mas o concorrente se reserva às articulações de "alto nível" e às aparições de impacto midiático, sempre com a desculpa a tiracolo para descartar o baixo clero dos partidos e as queixas dos correligionários.
Lula costuma dizer a amigos que, na política, um abraço muitas vezes faz diferença. Tapinha nas costas não serve. Tampouco adianta guardar distância com os braços, como numa valsa. Um abraço, para ser eficaz, tem de engatar, puxar o outro com convicção e forçar o encontro dos pescoços, a comunhão sanguínea da temperatura e do pulso.
As pessoas mais próximas a Dilma afirmam que ela não só prestou atenção a essa aula como tomou gosto pela lição de casa. Segundo essa narrativa, quando encarnou o projeto eleitoral e aceitou conhecer de perto os brasileiros, ela teria "redescoberto o próprio corpo".
Essas mesmas pessoas dizem, porém, que a jornada "tátil" da ministra está incompleta. Se ela já disfarça um samba na Sapucaí e o rebolation na Bahia, ainda trava na frente de políticos. A empatia é zero.
Com a aclamação pelo PT, a candidata não poderá mais adiar esse abraço na militância. E nada de tapinha nas costas. Terá de oferecer o pescoço e puxar o do outro.

coluna de 20.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Janela indiscreta

"É necessário radicalizar o debate público e fazer disso um método de ação política." A convocação, feita na virada do ano, não partiu de Franklin Martins, Paulo de Tarso Vannuchi ou outro ministro incendiário do governo Lula, mas de uma das vozes conservadoras mais populares dos EUA.
Âncora de rádio e TV, empresário de comunicações e guru do Partido Republicano, Glenn Beck é adepto da teoria da "Janela de Overton", elaborada na década passada por um cientista político de Michigan.
Cada assunto de interesse público, segundo essa teoria, tem um espectro de várias políticas possíveis. A "Janela" corresponde às opções que a opinião pública (ou o eleitorado) aceita num dado momento.
Não adianta o político pinçar uma ideia que esteja fora desse leque e, por exemplo, tentar transformá-la em lei. Fatalmente será derrotado. Em vez disso, defende Joseph Overton, esse político tem que trabalhar para mudar o cenário, ampliando a "Janela" de propostas politicamente viáveis ou deslocando-a para o seu lado do espectro ideológico. Como? Martelando em público (e na imprensa) ideias cada vez mais radicais _suavizando, por contraste e com o tempo, o conteúdo que o eleitor médio descartava.
O Planalto não busca a imediata implementação das propostas "radicais" que tem lançado ou ajudado a divulgar -tribunal para jornalistas, punição a militares da ditadura, legalização do aborto, retirada de crucifixos das repartições públicas, partilha obrigatória dos lucros, combate à TV paga, jornada de trabalho de 40 horas etc. Lula sabe que são ideias hoje "inaceitáveis".
Esse barulho todo tem pouco a ver com esta Presidência _e muito com a próxima. É, de certo modo, a tentativa de alas do governo e do PT de deslocar para a esquerda a "Janela de Overton". Mantém-se tensionada a campanha eleitoral, que inercialmente tenderá a um continuísmo de centro, e prepara-se o enfrentamento político de 2011.

coluna de 17.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Política adota lei do silêncio em Brasília

O mensalão devastou o cenário político em Brasília, mas curiosamente ninguém tentou tirar proveito do vácuo de poder. Se José Roberto Arruda fingia que governava até ser preso, os oponentes, os aliados até aqui não abatidos pelo escândalo e todos os pré-candidatos ao governo fingiam (e continuam fingindo) que não existem.
O motivo? Mesmo quem aparentemente não tem nada a ver com o propinoduto se assustou. Não se sabe até onde o Panetonegate pode crescer nem o que há no arsenal de grampos, vídeos e papéis ainda não divulgados pelo delator-chefe Durval Barbosa.
Antecessor de Arruda e líder nas pesquisas, Joaquim Roriz (PSC), por exemplo, não fala em público desde que explodiram denúncias de suborno e do uso do dinheiro para compra de apoio político. Talvez porque seja mesmo o mentor de Durval. Talvez porque saiba que a máquina de corrupção agora desbaratada foi instalada na verdade em seu governo e por isso tema um dossiê do contragolpe, dado como certo no submundinho dos arapongas.
Cristovam Buarque, outro ex-governador, desautorizou quem pensou em lançá-lo como "saída ética" a essa confusão. Rapidinho avisou que buscará a reeleição ao Senado, que não quer mais saber do Executivo. Seu partido, o PDT, desistiu de tentar o governo.
Até ontem arranhado lateralmente pela investigação da PF, o vice-governador Paulo Octávio já havia diminuído as atividades políticas e administrativas de seu gabinete, se afastado informalmente da direção nacional do DEM e insinuado que, no máximo, aceitará um dia voltar ao Legislativo.
O PT, o que mais podia lucrar fustigando Arruda, pois na capital faz oposição ao governo, conteve os ânimos e freou a candidatura de Agnelo Queiroz -o ex-ministro viu as fitas de Durval semanas antes de serem divulgadas pela imprensa e, apesar da gravidade do conteúdo, nada fez. O partido, para variar, espera ordens de Lula.
Nomes conhecidos pelo bom trânsito na máquina distrital e pelo interesse de emergir como opção em outubro, os deputados federais Tadeu Filipelli (PMDB) e Rodrigo Rollemberg (PSB) e o senador Gim Argello (PTB) também congelaram em pleno voo -como o beija-flor que dá nome à escola de samba que, desafortunada, escolheu a capital como tema do desfile da madrugada de segunda-feira.

artigo publicado em 12.fev.2010

sábado, 9 de janeiro de 2010

Mulher brasileira

É irônico que a possibilidade de pela primeira vez no Brasil uma mulher chegar à Presidência se deva exclusivamente ao capricho de um homem. A chance de sucesso de Dilma Rousseff, porém, já representa uma novidade. Assuntos que afligem as mulheres tendem a ganhar destaque na campanha eleitoral deste ano.
Não será surpresa se os pedidos de voto e as promessas de governo forem além das bandeiras que já mobilizam a militância, como câncer de mama, violência doméstica e distorções salariais. Em disputas acirradas, como a que 2010 promete, os candidatos costumam abrir novas frentes de discussão.
Quem sabe surja a oportunidade de debater um paradoxo de Lula: no governo do filho de Dona Lindu, a pobreza cada vez mais se concentra em famílias chefiadas por mães.
Das pessoas em situação de indigência no país, 33% vivem em domicílios liderados por mulheres (5,2 milhões de 15,8 milhões). Quinze anos antes, essa taxa era de 17% (5,5 milhões de 32,4 milhões).
A tendência se repete nos grandes centros urbanos, diz pesquisa do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Nas dez principais regiões metropolitanas, 51% das famílias extremamente pobres são comandadas por mulheres _o dobro do percentual de 15 anos antes.
Divulgados em dezembro pelo próprio governo (Secretaria da Mulher), esses dados revelam que os programas sociais dos anos recentes não baixaram a exposição das mães de família à miséria.
Não é difícil imaginar o impacto dessa exclusão. Violência urbana, narcotráfico, evasão escolar e subemprego, tudo isso guarda relação com famílias desestruturadas, em que as mães se desdobram nas circunstâncias mais adversas.
Não há estudos conhecidos sobre o comportamento eleitoral dessas mulheres. Mas elas votam e orientam o voto dos filhos. Também por isso a "mãe do PAC" e seus rivais serão estimulados a não esquecê-las.

coluna de 04.jan.2010

melchiades.filho@grupofolha.com.br

Ciro e a magia de Oz

Ciro Gomes manteve a pré-candidatura à Presidência à revelia de Lula, que quer transplantá-lo para a eleição de São Paulo. Agora, se ficar na campanha nacional, será justamente para atender o interesse do Planalto.
O nome mais conhecido do PSB desidrata a cada pesquisa. Em agosto, tinha mais de 20% no Datafolha, sempre à frente de Dilma Rousseff nos principais cenários. Agora, final de 2009, não alcança 15%. Foi ultrapassado pela petista.
Ainda que em declínio, porém, o desempenho do deputado cearense poderá ser útil ao governo. Tudo por causa de outra notícia do Datafolha. José Serra não caiu de 37%.
Dilma até aqui cresceu sem tirar votos de seu principal oponente.
O QG lulista prefere liquidar a eleição rápido, daí o esforço para escantear Ciro. Mas parece haver um risco, pequeno, porém real, caso o ex-ministro desista e Serra se segure na vizinhança dos 40%: o de vitória tucana no primeiro turno.
Os 10% de Ciro serviriam para garantir o segundo turno e dar a Dilma mais tempo para adquirir musculatura e encarar o plebiscito com o governador paulista.
Além disso, o cearense desempenharia um papel importante na propaganda na TV. O PT não quer que Dilma enlameie as mãos. Sabe que o brasileiro não gosta de quem ataca o adversário abaixo da linha da cintura. Além disso, conhece as limitações de sua candidata.
Dilma é o Homem-Lata da história do Mágico de Oz: uma candidata à procura de um coração. Se parecer feroz ao eleitor, o roteiro traçado pelos marqueteiros se desfaz.
Ciro, por sua vez, tem vocação e toda "legitimidade" para distribuir pancadas. Afinal, atormentar Serra é (quase só) o que tem feito.
Candidato postiço em São Paulo ou "laranja" da corrida nacional, curiosamente pode sobrar para Ciro, um político temperamental e acostumado a ditar os próprios rumos, o papel do cãozinho Totó de Dorothy, quer dizer, Lula.

coluna de 02.jan.2010

melchiades.filho@grupofolha.com.br