segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lula, Dirceu e a "farsa"

A CPI havia confirmado as denúncias feitas à Folha semanas antes por Roberto Jefferson quando, em agosto de 2005, Lula entrou em rede nacional de TV e disse que o governo e o PT tinham de "pedir desculpas": "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das quais não tive conhecimento".
Em entrevista na virada daquele ano, o presidente reiterou que havia levado uma "facada nas costas". O partido cometera "um erro de gravidade incomensurável" e precisaria "sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com credibilidade".
Àquela altura, o PT já tinha sido submetido a uma temporada de purgação. Associada ao esquema ilegal de financiamento, sua direção caíra inteira. Interessado em se desgarrar do escândalo, Lula estimulou o ato público de contrição.
O mensalão só passou a ser "desconstruído" depois que a imprensa desmontou a versão do presidente, revelando que ele, se não tinha pessoalmente autorizado as reinações do tesoureiro Delúbio Soares, havia sido alertado sobre elas muito antes da entrevista-bomba de Jefferson. Virou "farsa" e "tentativa de golpe" apenas quando Lula conseguiu reagrupar apoio político.
Em 2010, quando, em resposta ao Ministério Público, ele finalmente abandonou o discurso do "eu não sabia", a máquina federal já rodava forte para blindar o presidente.
A PF tinha pisado no freio. Os saques nas contas do PT irrigadas pelo valerioduto não foram rastreados. O inquérito que comprovou o desvio de dinheiro público mal andava. Só seria concluído no ano seguinte, à revelia, custando uma "geladeira" ao delegado responsável _advertido, curiosamente, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, na época de deputado, adorava criticar o PT mensaleiro.
Réu mais célebre do mensalão, o ex-ministro José Dirceu em boa medida paga o pato pelo ex-chefe.

coluna de 30.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Deixa quieto

Com a aproximação do julgamento do mensalão, um dos colaboradores mais íntimos do ex-presidente Lula passou a se reunir com o publicitário que arquitetou o esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio político ao governo do PT.
Paulo Okamotto geriu o caixa do sindicato dos metalúrgicos quando o amigo ali mandava, serviu-lhe como tesoureiro de campanha e hoje cuida das finanças do Instituto Lula. Homem do dinheiro, portanto.
Em entrevista à revista "Veja", ele confirmou os encontros com Marcos Valério. Disse que atendia a pedidos do réu para discutir política _e só. Por que logo ele, braço direito de Lula, foi chamado? Mistério.
A missão furtiva indica que Valério é um fio desencapado a ser monitorado de perto. Dá corda às especulações de que o PT tem sido pressionado _ou chantageado_ a não abandonar o ex-parceiro.
Motivos para preocupação não faltam. O publicitário operou as contas do mensalão. Para os procuradores que investigaram o caso, R$ 74 milhões foram drenados indevidamente dos cofres públicos, sob a justificativa de contratos fictícios. Para a PF, foram R$ 92 milhões.
Por vezes, os incriminados petistas parecem mais empenhados na defesa de Valério do que nas suas próprias. São vários os expedientes para tentar aliviar a barra do publicitário no campo legal. O mais recente foi a ação casada no Congresso e no TCU para "perdoar" um dos contratos com o Banco do Brasil fraudados pelo valerioduto _manobra desencadeada pelo então deputado petista, hoje ministro da Justiça e, nessa toada, futuro ministro do STF, José Eduardo Cardozo.
Para ajudar a ligar os pontos: Valério tem todos os seus bens penhorados, suas empresas congeladas e, como revela a Folha hoje, mais de R$ 80 milhões em dívidas. Mantém, no entanto, o padrão de vida: casa, carros e hábitos luxuosos.

coluna de 23.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

terça-feira, 17 de julho de 2012

Tribuna de desonra

Com a cassação de Demóstenes Torres, a oposição não perdeu apenas um congressista operoso e estridente. De certa maneira, perdeu todos eles.
A ruína do senador goiano pôs em xeque a linha de atuação parlamentar mais voltada aos holofotes, ao confronto imediato e explícito.
Deve demorar um tanto até os adversários de Dilma se sentirem de novo à vontade para ocupar os microfones do Congresso a fim de surfar em denúncias contra o governo e bater sem dó nos suspeitos.
Primeiro, porque o inquérito do Cachoeiragate ainda respira _como atesta o cerco da PF ao governador tucano Marconi Perillo (GO).
Segundo, porque a impostura do sujeito que desempenhava com brilho o papel de palmatória do mundo ficará, ao menos por algum tempo, viva na memória do eleitor.
Curiosamente foi o próprio cassado, no discurso de adeus, quem deu a senha. Não se desculpou por ter recebido dinheiro e presentes de Carlinhos Cachoeira, nem por ter utilizado o mandato para atender os interesses do empresário-contraventor. Penitenciou-se, isso sim, por ter agido como xerife da ética e sido implacável na cobrança de políticos atolados em escândalos.
Esse "não façam o que eu fiz" prenuncia, no mínimo, um certo esfriamento dos plenários.
O bloco PSDB-DEM-PPS, que já tinha saído fragilizado das urnas em 2010 e enfrentava dificuldades para se projetar nas comissões do Legislativo (vide sua impotência na CPI do Cachoeira), tende agora a se recolher também das tribunas.
Menos espaço para os verborrágicos, mais para os silenciosos: uma oposição que não se opõe, desinteressada em afrontar o Planalto e desgastá-lo pela crítica, que articula (ou simplesmente torce) pela fratura da coalizão dilmista, conformada com o fato de que o Brasil vive hoje uma democracia de partido único _o partido do governo.

coluna de 17.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Adiantado da hora

"Eleições municipais, questões locais." Eis um chavão que dificilmente saíra ileso de 2012. As campanhas ganharam inesperada e expressiva dimensão nacional.
De início, os partidos pareciam propensos a congelar seus projetos futuros, diante da força do governo federal e da anemia da oposição. Confiantes ou conformados com a reeleição de Dilma, não teriam motivo para desperdiçar munição tão cedo.
Até o PT, habitualmente afoito, começou o ano na retranca. Com raras exceções, como Salvador e Porto Alegre, tentou não incomodar os aliados. Traçou planos para destronar o tucanato em São Paulo, manter as grandes cidades que já administra e crescer pelas bordas.
Várias capitais seriam delegadas aos parceiros, em troca de apoio aos candidatos petistas a governador daqui a dois anos. O jogo, afinal, era 2018: controlar o máximo de Estados, além do Planalto, para pautar a sucessão de Dilma 2.
Difícil precisar o que embaralhou as cartas: a crise econômica, o mal-estar na coalizão nacional após a "faxina", a fase pé na jaca de Lula, o incômodo de constatar que (apenas) o PT tinha estratégia de médio prazo ou tudo junto e misturado.
O fato é que a direção do PSB, uma sigla emergente no Nordeste e no Congresso, rasgou o script e anunciou voo solo neste ano em redutos petistas, forçando o revide.
Os confrontos entre o PT e o PSB em Recife, Fortaleza, Belo Horizonte e João Pessoa não significam ruptura definitiva. Mas têm a importância de ensaiar algo que estava programado para bem mais adiante.
Na disputa da capital mineira estão engajados os nomes mais badalados da corrida presidencial de 2014: Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB), articuladores da reeleição de Marcio Lacerda, e Dilma, madrinha da candidatura de última hora de Patrus Ananias (PT).
São Paulo remói o passado com Lula x Serra. BH aponta o futuro.

coluna de 09.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Caminhando contra o vento

José Serra terá de encarar um adversário extra na eleição deste ano: a sina de perder quando se lança candidato de uma herança que não ousa dizer seu nome.

Em 2002, o tucano foi o homem da "continuidade sem continuísmo". O tortuoso conceito não deu conta de protegê-lo da insatisfação majoritária com a reta final de FHC. O eleitor preferiu a ruptura "de verdade".

Oito anos depois, houve novo descompasso, só que de sinal invertido. O país estava otimista, contente, e Serra era o nome da mudança. Ele tentou se mostrar disposto a seguir a trilha de Lula. Este, porém, não deixou dúvida sobre quem desejava ver instalada em sua cadeira.

Nas duas vezes em que Serra venceu, sua candidatura estava alinhada com o sentimento dominante.

Em 2004, ele apareceu à vontade para vestir o figurino oposicionista em São Paulo. Sapateou livremente sobre a equivocada campanha petista e a rejeição a Marta Suplicy.

Dois anos depois, não precisou de segundo turno para chegar ao Palácio dos Bandeirantes. Sucedeu o correligionário Geraldo Alckmin, então lastreado por taxas de aprovação ainda maiores do que as atuais.

Em 2012, porém, Serra se verá de novo obrigado a defender um passivo. No caso, a gestão de Gilberto Kassab. A ascensão do fundador do PSD no quadro partidário nacional é inversamente proporcional à opinião da maioria dos paulistanos sobre seu desempenho como prefeito.

Será difícil o tucano se desvencilhar de sua criatura. Kassab desponta como principal operador da campanha. Implodiu o sonho da chapa pura do PSDB, emplacando o vice.

Propaganda intensiva pode melhorar a imagem do prefeito e legitimar o viés continuísta da empreitada de Serra, além disso escorado pela liderança isolada nas pesquisas. Mas o ambiente parece inclinado ao "novo", na definição (e torcida) das hostes rivais. O PT antes não tinha chances em São Paulo; agora tem.



coluna de 02.jul.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br