sábado, 9 de janeiro de 2010

Mulher brasileira

É irônico que a possibilidade de pela primeira vez no Brasil uma mulher chegar à Presidência se deva exclusivamente ao capricho de um homem. A chance de sucesso de Dilma Rousseff, porém, já representa uma novidade. Assuntos que afligem as mulheres tendem a ganhar destaque na campanha eleitoral deste ano.
Não será surpresa se os pedidos de voto e as promessas de governo forem além das bandeiras que já mobilizam a militância, como câncer de mama, violência doméstica e distorções salariais. Em disputas acirradas, como a que 2010 promete, os candidatos costumam abrir novas frentes de discussão.
Quem sabe surja a oportunidade de debater um paradoxo de Lula: no governo do filho de Dona Lindu, a pobreza cada vez mais se concentra em famílias chefiadas por mães.
Das pessoas em situação de indigência no país, 33% vivem em domicílios liderados por mulheres (5,2 milhões de 15,8 milhões). Quinze anos antes, essa taxa era de 17% (5,5 milhões de 32,4 milhões).
A tendência se repete nos grandes centros urbanos, diz pesquisa do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Nas dez principais regiões metropolitanas, 51% das famílias extremamente pobres são comandadas por mulheres _o dobro do percentual de 15 anos antes.
Divulgados em dezembro pelo próprio governo (Secretaria da Mulher), esses dados revelam que os programas sociais dos anos recentes não baixaram a exposição das mães de família à miséria.
Não é difícil imaginar o impacto dessa exclusão. Violência urbana, narcotráfico, evasão escolar e subemprego, tudo isso guarda relação com famílias desestruturadas, em que as mães se desdobram nas circunstâncias mais adversas.
Não há estudos conhecidos sobre o comportamento eleitoral dessas mulheres. Mas elas votam e orientam o voto dos filhos. Também por isso a "mãe do PAC" e seus rivais serão estimulados a não esquecê-las.

coluna de 04.jan.2010

melchiades.filho@grupofolha.com.br

Ciro e a magia de Oz

Ciro Gomes manteve a pré-candidatura à Presidência à revelia de Lula, que quer transplantá-lo para a eleição de São Paulo. Agora, se ficar na campanha nacional, será justamente para atender o interesse do Planalto.
O nome mais conhecido do PSB desidrata a cada pesquisa. Em agosto, tinha mais de 20% no Datafolha, sempre à frente de Dilma Rousseff nos principais cenários. Agora, final de 2009, não alcança 15%. Foi ultrapassado pela petista.
Ainda que em declínio, porém, o desempenho do deputado cearense poderá ser útil ao governo. Tudo por causa de outra notícia do Datafolha. José Serra não caiu de 37%.
Dilma até aqui cresceu sem tirar votos de seu principal oponente.
O QG lulista prefere liquidar a eleição rápido, daí o esforço para escantear Ciro. Mas parece haver um risco, pequeno, porém real, caso o ex-ministro desista e Serra se segure na vizinhança dos 40%: o de vitória tucana no primeiro turno.
Os 10% de Ciro serviriam para garantir o segundo turno e dar a Dilma mais tempo para adquirir musculatura e encarar o plebiscito com o governador paulista.
Além disso, o cearense desempenharia um papel importante na propaganda na TV. O PT não quer que Dilma enlameie as mãos. Sabe que o brasileiro não gosta de quem ataca o adversário abaixo da linha da cintura. Além disso, conhece as limitações de sua candidata.
Dilma é o Homem-Lata da história do Mágico de Oz: uma candidata à procura de um coração. Se parecer feroz ao eleitor, o roteiro traçado pelos marqueteiros se desfaz.
Ciro, por sua vez, tem vocação e toda "legitimidade" para distribuir pancadas. Afinal, atormentar Serra é (quase só) o que tem feito.
Candidato postiço em São Paulo ou "laranja" da corrida nacional, curiosamente pode sobrar para Ciro, um político temperamental e acostumado a ditar os próprios rumos, o papel do cãozinho Totó de Dorothy, quer dizer, Lula.

coluna de 02.jan.2010

melchiades.filho@grupofolha.com.br