sexta-feira, 9 de julho de 2010

Teste de resistência

O país que celebra a aprovação da Lei da Ficha Limpa é o mesmo que poderá redimir pelo voto os protagonistas de todos os grandes escândalos da era Lula.
O núcleo petista que ainda responde na Justiça pelo mensalão ratificou o poder dentro do partido e tem hoje a reeleição bem encaminhada, de José Genoino a João Paulo Cunha (SP). Paulo Rocha (PA) arriscará o Senado. Único mensaleiro vetado pela lei, José Dirceu provavelmente emplacará na Câmara o filho Zeca, pelo Paraná.
O PT facultou a Antonio Palocci escolher entre tentar a Câmara ou o Senado. O ministro da quebra do sigilo do caseiro optou pelo comando da campanha presidencial e a certeza de assento no eventual governo Dilma Rousseff -ela própria envolvida nos episódios do dossiê FHC, Anac/Varig e Receita/Lina.
O senador Renan Calheiros (PMDB), depois de escapar de uma série de processos de cassação, praticamente assegurou outro mandato _com a ajuda do Planalto, desidratou a concorrência em Alagoas.
O colega dele de Casa, de partido e de noticiário negativo, José "Atos Secretos" Sarney, não enfrentará as urnas. Mas jogou pesado para de novo fazer a filha Roseana governadora do Maranhão _conseguiu arrastar do PT ao DEM para a coligação dela, líder nas pesquisas.
A primeira edição dos "aloprados" não evitou que Aloizio Mercadante fosse premiado com outra candidatura ao governo paulista.
Demitida no caso dos cartões corporativos, a ex-ministra Matilde Ribeiro é suplente de Netinho (PCdoB) na chapa ao Senado.
O "deputado do castelo", Edmar Moreira (PR), confia na reeleição em Minas. E, no DF, o servidor Agaciel Maia (PTC), cuja mansão serviu de estopim para a crise no Senado, decidiu estrear atrás de uma vaga de deputado distrital _terá a concorrência de sete citados no inquérito do mensalão candango.
Será que o eleitor, afinal, não acha nada disso escandaloso?

coluna de 09.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Jogo feio

Como diz o trocadilho que li na internet, o Brasil perdeu a chance de faturar a Copa de 2010, não a de superfaturar a de 2014.
Até agora, o país não sabe quanto vai gastar para organizar o próximo Mundial -nem em quê. O governo federal fala em R$ 22 bilhões, mas é chute, à espera dos aditivos para "contratempos imprevistos".
Isso porque os projetos de infraestrutura e transporte ainda não estão detalhados. Os de segurança nem sequer foram esboçados.
E há o gargalo dos estádios. A Fifa não bateu martelo sobre quais serão erguidos ou reformados, mas os custos não param de subir. Quase triplicaram desde o primeiro orçamento (de R$ 2 bi para R$ 5,3 bi).
Tanta indecisão parece proposital. Serve para os envolvidos arrancarem mais dinheiro estatal, não? No mínimo, impede o poder público de fechar as planilhas e fixar o cronograma de desembolsos.
Além disso, se as coisas tardam a acontecer, os órgãos de fiscalização tardam a se mexer. Os sites dos tribunais de contas sobre a Copa, por exemplo, continuam zerados.
É má-fé, e não só ingenuidade, esperar que a iniciativa privada cuide de filtrar os vícios do processo.
Como revelou importante série de reportagens da Folha neste ano, as grandes construtoras brasileiras têm o hábito de fazer acordos antes das licitações _superfaturam os contratos e repartem a execução das obras e o dinheiro recebido.
Segundo a Polícia Federal, foram fraudados o metrô em várias capitais, rodovias, portos e aeroportos, refinarias etc... a lista só não cresceu porque o inquérito foi convenientemente congelado pelo STJ.
O Planalto chegou a formar uma comissão de burocratas para coibir a atuação desses "consórcios paralelos" de empreiteiras e assegurar a lisura das concorrências da Copa _e da Olimpíada do Rio-2016.
Mas é difícil acreditar no comprometimento contra a corrupção de um governo que por ora não fez senão atender e bajular os cartolas.

coluna de 06.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Protocolo dossiê

É enorme o esforço do PT para tentar se desvencilhar do dossiê antitucano formatado pelo "grupo de inteligência" do comitê de campanha de Dilma Rousseff.
A ordem agora é martelar que o próprio PSDB arquitetou o escândalo -e pressionar a imprensa a revelar como obteve a papelada.
A narrativa não para em pé. Que a própria candidata à Presidência se empenhe em divulgá-la é sinal de, no mínimo, desorganização.
Primeiro, porque o caso só veio à tona graças a dirigentes do PT, que o confirmaram à revista "Veja". Gabavam-se de ter abortado a tentativa de alguns correligionários de reeditar os "aloprados" de 2006.
Segundo, porque os próprios envolvidos desautorizam a versão.
O empresário que chefiava a equipe de comunicação de Dilma, apontado como o coordenador do dossiê, não hesitou em acusar o "fogo amigo". "O grupo do PT que integrou o governo da Marta [Suplicy] quer entrar na campanha a qualquer preço. Fui a primeira barreira dessa guerra e sofri as consequências", declarou Luiz Lanzetta.
Indagado sobre como o conteúdo de reportagens inéditas suas sobre José Serra foi parar na imprensa, o jornalista Amaury Ribeiro alegou que seu computador tinha sido violado e que ele só não havia ido à polícia por orientação de Lanzetta: "Havia a suspeita sobre os próprios integrantes" do comitê de Dilma.
A tática petista de jogar na confusão não é nova. Foi usada em 2008, quando a Folha revelou que a Casa Civil havia juntado documentos sobre Fernando Henrique e Ruth Cardoso, com o objetivo de coagir a oposição e impedir a CPI dos Cartões Corporativos.
Na época, o PT tentou emplacar a versão de que o PSDB havia infiltrado um "espião" no Planalto e forjado a planilha que vazou à imprensa. O inquérito policial, porém, confirmou o noticiado: arquivo específico contra o casal FHC tinha sido criado e alimentado no computador de assessora de Dilma.

coluna de 02.jul.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Próximos passos

O saldo das pesquisas de junho foi cruel para José Serra, que neste mês teve a sua vez na propaganda eleitoral na TV. E animador para Dilma Rousseff, que se afastou um pouco do noticiário político, em giro de cocota pela Europa. Ele perdeu quando apareceu. Ela ganhou quando desapareceu.
Esse resultado não era aguardado em nenhum dos dois comitês e terá impacto nas campanhas.
A estratégia do PT será aproveitar a onda, o apoio publicitário da máquina federal e o agito da militância para tentar dar um aspecto de fatura liquidada à eleição -e daí fazê-lo no primeiro turno.
Teremos mais algumas semanas, portanto, de "Dilma Sorriso", a candidata que só vai na boa e posa para fotógrafos e cinegrafistas, grudada em Lula e decidida a evitar o confronto com o oponente e a fugir de eventos em que perguntas incômodas puderem surgir. (Não à toa, marcou debates só para agosto.)
Não será estranho, também, se o Planalto se empenhar nos próximos dias em retirar de circulação alguns dos nove candidatos nanicos _se juntos repetirem a fatia de votos de 2006 (5%), eles provavelmente forçarão o segundo turno.
Serra, por sua vez, viu que terá de recalibrar o discurso se quiser subir do patamar de 35%.
O oposicionismo discreto da largada da campanha não teve efeito mobilizador. E talvez tenha sido desmobilizador o efeito das críticas recentes à adversária _estas, pelo visto, só acentuaram que é ela, e não ele, a "continuação" de Lula.
Talvez partam agora do tucano questionamentos mais pontuais e agudos ao PT _e ao PT no governo. Ou, finalmente, propostas de conteúdo novo ou apelo novidadeiro.
Se nada der certo, restará ao PSDB apenas o apelo emocional por um segundo turno _a chance, afinal, de comparar discursos, projetos, currículos etc. Ou torcer (e trabalhar) para que Marina "A Outra" Silva roube votos do PT.

coluna de 29.jun.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br