segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Senhora do destino

Para uma presidente "gestora", com ojeriza a políticos e sem vocação nem paciência para tratar com partidos, Dilma Rousseff obteve neste ano uma expressiva coleção de vitórias no Congresso.
Liquidou assuntos que, no plenário, poderiam servir como instrumento de chantagem. Prorrogou até 2015 a DRU (licença para o governo gastar como quiser 20% das receitas) e tornou automática a regra de reajuste do salário mínimo.
Destravou temas que mobilizavam lobbies poderosos contra o Executivo. A regulamentação da Emenda 29 foi aprovada sem o temido aumento das despesas da União com saúde. O Código Florestal avançou fácil no Senado _e com a redação desejada pelo Planalto. O Orçamento de 2012 passou sem o aumento salarial pleiteado pelo Judiciário.
De quebra, questões pessoalmente caras à presidente também prosperaram, como a criação da Comissão da Verdade, o fim do sigilo eterno de documentos públicos e a flexibilização da Lei de Licitações.
Intimidada pela maioria elástica do governo no Congresso, a oposição não teve energia para reagir. Ou fez a opção tática de se recolher, na expectativa de que a intransigência de Dilma erodisse a base.
Desgastes de fato ocorreram. Dilma dispensou o principal operador político (Antonio Palocci), tirou ministros de PMDB, PC do B, PDT e PR e interveio em redutos de aliados na máquina federal. Mas o clima ainda não está para dissidências.
Alguém poderá dizer que todo presidente larga com força política. Ou que o Planalto não conseguiu zerar as pendências no Congresso, vide a divisão dos royalties do pré-sal. Ou que a unidade da aliança não passa de ilusão: legendas só esperam um pretexto (o revés na economia?) para bandear. Mesmo assim, a estreia legislativa de Dilma superou as expectativas e é um curioso contraponto à timidez administrativa do primeiro ano de seu governo.

coluna de 26.dez.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Que bonito é

Ainda que o torcedor salive ante a perspectiva de Santos x Barcelona, Neymar participa de um campeonato mais longo e importante que o Mundial interclubes.
Há quase dois anos o atacante espanta novatos e nostálgicos com um futebol que vai além da técnica e da aplicação tática.
Em seu jogo, fantasia e eficiência se misturam, quando não se confundem. É algo que o brasileiro não via desde o auge dos Ronaldos, e com regularidade inédita desde Pelé: o brilho não diminui nem quando a partida nada vale, imune a botinadas dos marcadores, más arbitragens e tentações extracampo.
Neymar mostrou maturidade e rara visão de jogo, também, ao recusar a transferência para o exterior. Notou não só que a Europa atravessa grave crise econômica, mas que a Copa-14 deslocará para o Brasil o eixo de toda uma indústria.
Mais: embora se estranhem, a Fifa e o poder público estão amarrados ao destino do evento.
Isso tudo exigirá enorme esforço publicitário. A máquina rodará atrás de um rosto que fale a adultos e crianças, homens e mulheres, boleiros e torcedores de ocasião.
Neymar tem tudo para se dar bem no papel, ao contrário dos eleitos anteriores _Kaká era "clean" demais; Ronaldinho Gaúcho preferiu as delícias da privacidade; o Fenômeno, vítima de tantas contusões, só virou ídolo no país depois que embalofou e vestiu Corinthians.
O bacana: o santista destoa dos padrões de beleza dos craques do marketing, como Beckham e Cristiano Ronaldo. Mas já inspira meninos a (des)arrumarem o cabelo.
Seu sucesso terá um impacto estético. Justiça será feita a todo mulato magriça, que reconhecemos no office boy, no caiçara, em tantos jovens e anônimos trabalhadores.
Neymar joga para provar que o futebol é espetáculo, que o esporte pode dar certo no Brasil e, de quebra, que somos uma gente bonita.

coluna de 12.dez.2011


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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Loteamento fechado

Não há garantia de que a reforma ministerial, programada para o começo de 2012, terá o tamanho e o impacto especulados.
Dilma tem quatro motivos para mexer na equipe: substituir os candidatos a prefeito, esterilizar as pastas atingidas por denúncias de corrupção, trocar os fracos e calibrar a participação dos partidos aliados.
Fala-se, ainda, em tirar proveito e enxugar repartições _um jeito de tornar positivo algo que nasceu como resposta ao noticiário negativo.
Desses cinco fatores, porém, apenas um exige resposta rápida de Dilma. Os candidatos precisam sair até abril, prazo da Justiça eleitoral.
Nada impede que o Planalto prefira diluir as demais mudanças. Carlos Lupi (PDT), servidor-fantasma e ministro-zumbi do Trabalho, por exemplo, acaba de dançar.
Ou pegue o caso do Desenvolvimento Agrário, cujo titular, Afonso Florence (PT), tem sido regularmente incluído na lista da degola.
Ele de fato teve ano discreto, mas porque acatou a ordem superior de frear a indústria da desapropriação: desistiu das metas de assentamento, reduziu a autonomia do Incra e pediu o cadastro de terrenos.
Dilma não vilaniza ruralistas nem subestima a importância do agronegócio. Considera a terra um dos principais ativos do país e por isso só defende uma reforma agrária bem planejada, com logística para o combate eficiente à pobreza rural.
Por que, então, tirar Florence agora? Para agradar a ala petista mais estridente e próxima dos movimentos sem-terra? Faz pouco sentido.
O troca-troca nos ministérios, além disso, requer muita energia. Vide a demora de todo presidente para pôr de pé o seu time de largada. Alojar fulano implica desalojar beltrano.
Dilma, que não tem inclinação para a micropolítica e até hoje nunca delegou a alguém esse tipo de operação, anda mais preocupada com as perspectivas de desaceleração da economia, no que tem toda a razão.

coluna de 05.dez.2011


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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Fundo perdido

A permanência do desmoralizado Carlos Lupi à frente do Ministério do Trabalho serve para desviar a atenção de mais uma tentativa de drenar dinheiro público para obras controversas da Copa-2014 e da Olimpíada-2016.
Trata-se do projeto que permite o uso do Fundo de Garantia para financiar "operações urbanas" e "empreendimentos hoteleiros e comerciais" ligados a esses eventos esportivos. Ou seja, qualquer coisa.
Anexada de contrabando em medida provisória baixada por Dilma Rousseff, a iniciativa foi aprovada num estalar de dedos pelo Congresso. Espertalhões, os interessados perceberam que o Planalto tinha urgência em limpar a pauta legislativa a fim de votar outro assunto (a DRU). Surfaram o vagalhão.
Num quadro de aperto fiscal, como o atual, os recursos do FGTS tornaram-se ainda mais atraentes.
Por lei, parte do dinheiro recolhido das contas dos trabalhadores deve ser aplicada em infraestrutura (energia, ferrovias, portos). O governo, porém, não consegue investir tudo. Até o PAC desacelerou. Há R$ 5,5 bilhões "parados" no fundo.
É esse saldo que está sob ataque especulativo de congressistas _e de empresários da Copa/Olimpíada.
A ofensiva coincide (só coincide?) com a conclusão de estudo feito por técnicos do Ministério do Trabalho e validado pela Caixa Econômica Federal. Ele propõe distribuir aos correntistas uma fatia maior dos lucros do FGTS. Historicamente, a remuneração dos trabalhadores perde para a inflação.
Lupi não tem a menor condição política de participar desse debate, que dirá arbitrá-lo. Como poderia operar no Congresso, agora que se sabe que ele foi, por seis anos, funcionário-fantasma da Câmara?
Cabe a Dilma resolver o melê. Vetar o contrabando da medida provisória, comprometer-se a revisar a remuneração do FGTS e demitir Lupi seria o roteiro do bom-senso.

coluna de 28.nov.2011


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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A quem interessar possa

Dilma Rousseff não dá a mínima para Carlos Lupi (Trabalho) ou para o PDT, mas é de seu interesse garantir margem de manobra para a minirreforma ministerial agendada para o início de 2012.
A degola agora de Lupi forçaria a escolha de um substituto pedetista, seja porque a presidente não tem claro o tamanho da mexida que fará na equipe, seja porque o continuísmo foi a solução obrigatória no pós-queda dos outros ministros encrencados _o PT manteve a Casa Civil, o PMDB se segurou na Agricultura e no Turismo, o PR não foi tocado de vez dos Transportes e o PC do B conservou o Esporte.
O sistema de "porteira fechada", porém, deixou de convir ao Planalto. A "faxina" virou instrumento para retomar postos que serviam bem ao fortalecimento dos aliados, mas pouco aos planos do governo.
A Dilma, portanto, interessa esfriar a crise e trocar Lupi com outros ministros só no ano que vem. O PDT seria movido para outra pasta _Agricultura surge como opção.
O senão é que, para o PDT, o interessante é ficar no Trabalho (com ou sem Lupi) e à frente de programas e políticas caras ao movimento sindical. O partido tornou-se apêndice da Força, e o ministério, o motor dessa central _não por acaso, a que mais cresce e aparece.
À Força talvez interesse a chantagem. Avizinha-se um quadro de contração econômica, gatilho para bater no governo. Mas, ainda que dê piscadelas para o PSDB, ela não parece inclinada a desafiar uma presidente popular, com poder de sobra para esmagar adversários.
Rival da Força, a CUT opera em silêncio, e ao lado do PT, a fritura de Lupi e o esvaziamento da Força. O Trabalho perdeu relevância, mas a direção do ministério interessa como posto estratégico. Permite tutelar o sindicalismo e incomodar setores da iniciativa privada.
Nisso tudo, o interesse público é o único difícil de reconhecer.

coluna de 21.nov.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dispensa de classe

Não são apenas as picaretagens de Carlos Lupi (Trabalho) que ameaçam o plano de Dilma Rousseff de só voltar a mexer na equipe em fevereiro. Razão ainda maior para adiantar a minirreforma ministerial é o envolvimento precoce e intenso de Fernando Haddad (Educação) na campanha para a Prefeitura de São Paulo.
Remanescentes do governo Lula, Lupi e Haddad faz tempo são nomes certos na lista dos que sairão.
Mas o primeiro há meses não tem nada (de útil) para fazer em Brasília. Seu cargo foi desidratado depois de uma auditoria de órgãos federais _são os resultados dessa varredura que alimentam o noticiário e servem para fritar o ministro de vez.
Dilma, além disso, não dá bola para a agenda trabalhista. Nas poucas vezes em que foi demandada, tratou do caso no próprio Planalto. Tanto faz Lupi se declarar à presidente. O amor não é correspondido.
Já a educação aparece na lista das prioridades do governo e dos assuntos caros à presidente.
Por isso, é acintoso que Haddad venha usando o horário de trabalho para sua agenda pré-eleitoral.
Na semana passada, enquanto o MEC divulgava de modo acanhado o censo do ensino superior e ainda lidava com implicações judiciais de mais uma fraude no Enem, o ministro cuidava de criticar a atuação da PM "tucana" na USP e se empenhava nos conchavos para unificar o PT em torno de sua candidatura.
Com a "faxina", Dilma deu uma contribuição à democracia brasileira. É um marco o desfecho do Paloccigate, nascido do trabalho obstinado de repórteres da Folha. Impõe a autoridades um outro padrão de resposta quando tiverem de lidar com atos ou indícios de corrupção.
Mas um governo alinhado a esses novos parâmetros, pautado pelo bom senso, tampouco pode acolher um ministro concentrado em projeto político pessoal. Renúncia, licença ou reforma, Haddad precisa sair.

coluna de 14.nov.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Rock Brasília

A onda da "faxina" chegou a seu teste de estresse. Uma coisa é trocar ministros. Outra, bem mais complicada, é substituir um governador, movimento que necessariamente implica desmantelar toda uma construção política.
Já são mais do que suficientes os motivos para o afastamento imediato de Agnelo Queiroz (PT-DF).
Como antecipou a Folha, o governador é alvo de inquérito no STJ. Sob seu comando se instalou no Ministério do Esporte a quadrilha que maquiava convênios e se apropriava de dinheiro de programas sociais _escândalo responsável pela queda de Orlando Silva (PC do B).
Agnelo criou o Segundo Tempo, o plano de estímulo à prática esportiva em áreas carentes que serviu de fachada para o desvio de verbas.
Não só deu guarida aos criminosos, mas com eles estabeleceu relação de intimidade. Chamava de "mestre" um dos ongueiros encarregados de pilhar os cofres do ministério, conforme revelaram gravações telefônicas autorizadas pela Justiça.
Mais: alguns de seus principais assessores no governo do DF têm ligação com entidades ou pessoas atoladas nas fraudes no Esporte.
Acossado por tantas evidências, Agnelo passou recibo na semana passada. Exonerou cerca de 70 delegados de polícia, em uma clara manobra para desarticular as investigações em curso _e tentar controlá-las daqui em diante.
Não fossem duas peculiaridades, o quadro já seria idêntico ao que, há quase dois anos, derrubou o governador José Roberto Arruda.
A primeira é que o PT faz cara de paisagem, mesmo sendo Agnelo, egresso do PC do B, um "cristão novo" no partido. Em 2009, o DEM se desvencilhou rápido de Arruda.
A segunda é que estamos longe da próxima eleição, saída natural para uma crise dessas proporções.
Agnelo pode tentar resistir no cargo, mas apenas reforçará a ideia de intervenção federal na capital.

coluna de 7.nov.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ouro do Pan

Se a queda em série de ministros acusados de corrupção já provoca uma autocrítica sobre o arranjo partidário herdado por Dilma Rousseff, imagine o que acontecerá se esclarecidas as fraudes e a matriz política do socorro ao banco PanAmericano, o episódio mais nebuloso do ocaso da era Lula.
Ninguém do governo, atual ou anterior, explicou de modo convincente por que, no final de 2009, o Planalto autorizou a injeção de R$ 740 milhões de dinheiro público num banco para lá de encrencado.
A rigor, ninguém nem tentou explicar, na expectativa de que o silêncio ajudasse a circunscrever o caso às áreas técnicas da Caixa Econômica Federal, de onde partiram os recursos, e do Banco Central.
O roteiro mudou, porém, após a Folha publicar o conteúdo de e-mails interceptados pela polícia ao apurar o rombo de R$ 4,3 bilhões.
Os diálogos confirmaram o imaginado: os executivos inflavam balanços financeiros e maquiavam dados de clientes, com o objetivo de engabelar a fiscalização.
Mas os e-mails produziram uma extraordinária revelação: o banco serviu de base a um esquema de desvio de dinheiro para políticos.
Nas mensagens, diretores festejam "a ajuda dos amigos" do governo Lula _uma teia de influência que "deixou boquiaberto" Silvio Santos, o dono do PanAmericano. Mencionam, entre outros, Guido Mantega (Fazenda) e os ex-ministros Luiz Gushiken e Antonio Palocci. Discutem o acesso a fundos de pensão, doações a partidos e a pressão para empregar gente do Planalto.
Ao menos R$ 100 milhões evaporaram _para o bolso dos executivos e para o caixa dois eleitoral.
Diante do noticiado, a polícia não teve opção senão a de abrir inquéritos específicos. O potencial de dano é similar ao da Castelo de Areia, investigação que aterrorizou palácios e empresas até ser convenientemente engavetada pelo Judiciário.

coluna de 31.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Na prorrogação

São remotas as chances de o ministro Orlando Silva sobreviver à saraivada de denúncias de desvio de dinheiro público para o caixa de seu partido, o PC do B.
O eventual envolvimento direto no esquema fraudulento ainda carece de prova _e sobre o acusador pesam, é fato, máculas sérias. Mas já existem elementos suficientes para caracterizar, no mínimo, a leniência diante da quadrilha que tungou milhões em verbas de programas sociais do Ministério do Esporte.
Mais: os criminosos são ligados ao PC do B, tiveram ajuda de assessores diretos de Orlando e aceleravam a pilhagem em anos eleitorais.
Seria difícil para Dilma carregar um ministro assim enfraquecido até a Copa de 2014, um projeto já questionado o bastante. Significaria entregar munição de bandeja aos adversários _e num campo pelo qual todo brasileiro se interessa.
Tampouco parece provável que a presidente desista da "faxina", que rendeu tantos elogios, para poupar um auxiliar herdado de Lula a contragosto e uma sigla que ela julga sobrerrepresentada no governo.
Se Dilma contrariou expectativas e não liquidou o assunto na semana passada, foi essencialmente para assegurar ao PC do B um tempo para montar sua rota de fuga.
Há gratidão em jogo. A legenda foi a única que sempre acompanhou Lula nas eleições, além de tê-lo defendido quando explodiu o mensalão _e o PT entrou em parafuso.
E há receio do efeito bola de neve. Se rifado rápido, o PC do B poderia sair atirando _o governador petista Agnelo Queiroz (DF), antecessor de Orlando e também alvo do inquérito, seria apenas a primeira vítima.
Tudo somado, melhor para o Planalto "administrar o noticiário" por algum período, deixando o PC do B bater nos denunciantes (e nos interesses privados por trás das denúncias) até os comunistas concluírem que segurar Orlando custará mais do que o acordo para substituí-lo.

coluna de 24.ou.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Minuto de silêncio

No momento em que ganha projeção em fóruns diplomáticos e na economia global, o Brasil curiosamente testemunha a agonia do "produto" que durante muito tempo o representou no exterior.
O futebol ainda tem muito apelo popular no país, vide os índices altos de audiência na TV. Mas o desencanto parece generalizado.
A começar pela seleção brasileira, incapaz de tratorar adversários como antigamente. Toda expectativa criada pela narrativa midiática (a aparição da dupla Neymar-Ganso, a reabilitação de Ronaldinho etc) invariavelmente gera uma decepção.
Falar mal do time virou o verdadeiro esporte nacional. Os "salvadores da pátria" se transformam no dia seguinte em mercenários apáticos.
O torcedor não é trouxa. Falta coração aos jogadores de hoje. Mas como censurá-los por desejar um naco da indústria que lucra até nas etapas em que o aspecto técnico deveria prevalecer, caso de convocações e escolhas de amistosos?
Tem gente que minimiza o desgaste. Diz que ele se limita à seleção ou ao círculo mais próximo da CBF. Afirma que os clubes sempre serão refúgio da paixão pelo futebol.
Por certo essa turma não tem visto os jogos do Brasileiro-11, cuja qualidade, baixíssima, torna difícil distinguir os favoritos ao título dos que lutam contra o rebaixamento.
Ou ignora que, com raras exceções, nosso "clubismo" vive hoje de nostalgia e de ódios regionais, combustível insuficiente para garantir a atenção de futuras gerações. Conceitos interessantes como identidade cultural, cidadania, educação e ações afirmativas infelizmente são ignorados pelos cartolas.
E não faz sentido esperar que a Copa-14 mude o rumo das coisas. O descontrole orçamentário e a sucessão de fraudes mostraram que dificilmente haverá legados positivos _fora ou dentro do campo.
Para não definhar, o futebol brasileiro precisa de uma nova direção.

coluna de 17.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Zumbilândia

Graças ao estilo solitário e centralizador de Dilma e ao relativo sucesso do governo até aqui, nunca o inchaço da Esplanada dos Ministérios foi tão evidente.
Vários de seus ocupantes nada fazem, até porque pouco têm a fazer.
Os carteiros estão em greve. Milhões de brasileiros foram afetados. A Presidência joga duro com os sindicatos. Mas do ministro do Trabalho até agora não se ouviu falar. Indicativo de que sua pasta poderia ser fundida à da Previdência, outra que perdeu importância política.
Sem verbas nem autonomia para assinar convênios desde que foi estourado pela Polícia Federal, o Turismo também não faz mais sentido _se um dia fez. A Embratur dá conta sozinha de "promover" o país.
Assim como será difícil, após a Copa-14 e o Rio-16, justificar a existência de um ministério dedicado a atletas de ponta e grandes eventos.
Em vez de levar adiante a ideia de criar uma pasta (a 39ª!) para a Micro e Pequena Empresa, por que não juntar as secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Jovens numa só, de Ação Afirmativa, com prestígio e orçamento decente? Até quando Direitos Humanos e Justiça precisarão andar separados?
Mesmo repartições maiores merecem reavaliação. Cidades, depois de tantas fraudes, na prática hoje é gerida pelo Planejamento. Seu ministro zanza como um zumbi por Brasília, caçoado até no Planalto.
Esse quadro de desperdícios decerto não escapou à atenção do empresário Jorge Gerdau, convidado pela presidente a arquitetar uma reforma da máquina federal _replicando boa iniciativa do ministro Hélio Beltrão no início dos anos 80.
Dilma fala em mexer na equipe na virada do ano. Seria o caso de aproveitar e ir além da substituição de fracos e candidatos a prefeito.
Não se trata de fazer o "corte pelo corte", mas de otimizar recursos públicos, desburocratizar serviços e reduzir o espaço dos oportunistas.

coluna de 10.out.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Caixeiro-viajante

Gilberto Kassab entrou na política pela porta da Associação Comercial de São Paulo. Isso talvez ajude a explicar uma trajetória que não para de surpreender.
O prefeito, desde sempre, opera a lógica do bom comerciante: identificar demandas do mercado, nem sempre explícitas, e oferecer um produto capaz de atendê-las.
Quando FHC se elegeu, o PFL era um partido nordestino. Kassab de pronto se ofereceu para montar a regional do parceiro dos tucanos.
Mais adiante, captou o declínio do malufismo e tratou de ocupar o papel de fiel da balança da briga parelha entre PSDB e PT na cidade.
Agora, ao criar o PSD, enxergou com nitidez o que outros só vislumbraram: os descontentamentos pontuais de políticos de expressão, a insatisfação no Congresso com a amarra da fidelidade partidária e a atração que uma Presidência forte e popular exerce sobre todos os políticos, inclusive os da oposição.
O PSD surge como sigla-catraca, que resolve esses problemas todos. Não à toa, deverá logo reunir a terceira maior bancada da Câmara.
A façanha de Kassab impressiona ainda mais quando se sabe que sua imagem de prefeito anda desgastada. O comum é Brasília se render a líderes regionais escorados em bons resultados nos seus redutos.
Não se deve subestimar o futuro do PSD (PSK?) também. Além do tamanho, a sigla tem dois trunfos.
Um já está claro: a utilidade para Dilma Rousseff nas "discussões de relação" com os partidos da coalizão. Graças ao "apoio independente" do PSD, o Planalto poderá jogar mais duro com PR, PP, PSC e até setores do PMDB _uma gente que cobra muito e entrega pouco.
O outro trunfo é o slogan do novo partido. Não ser "de esquerda, nem de direita, nem de centro" pode soar ridículo à imprensa. Mas muito eleitor não apenas se identifica com essa geleia como hoje tem orgulho de declarar a mesma posição.

coluna de 03.out.2011


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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Bola dividida

Seria impreciso afirmar que vai de mal a pior a relação entre o governo federal e os dirigentes de futebol envolvidos na Copa de 2014. A rigor, ela não é boa desde que Dilma Rousseff se elegeu.
Há uma disputa pelo protagonismo no evento, um tanto previsível, dadas as oportunidades oferecidas de negócios _lícitos e escusos.
Mas arrogância e incompetência de ambos os lados desembocaram num quadro de conflagração, por enquanto contido em queixas e ameaças cifradas pela imprensa.
De um lado, os cartolas fustigam o governo pela incapacidade de tocar obras necessárias e prometidas.
Mais da metade dos aeroportos do Mundial terá de se contentar com instalações provisórias e precárias. Dos planos de mobilidade urbana, 90% não saíram do papel.
A Fifa e a CBF reclamam sobretudo de tibieza da presidente. Salvador, por exemplo, uma das cidades-sede, ignorou os "ultimatos" de Dilma até convencê-la a mudar o modelo de transporte da torcida.
Tudo isso está retratado na cândida declaração da ministra do Planejamento, segundo quem os projetos de infraestrutura não seriam mais essenciais, e na bizarra sugestão de decretar feriado em dias de jogos para equacionar o trânsito.
O Planalto, por sua vez, trata com desconfiança a cartolagem.
Alguns dos pleitos são de fato absurdos. Pretenderam até deixar de lado o Código Penal para aplicar sanções mais severas à pirataria.
Pululam indícios de safadeza também. A Folha já revelou esquemas de dirigentes para beneficiar amigos e empresas nos contratos dos estádios _com verba pública.
Por fim, bater em cartola pega bem e permite repartir o ônus de eventual fracasso daqui a três anos.
É curioso que, apesar disso tudo, e da ameaça velada da Fifa de rescindir contrato e tirar a Copa do país, a coisa se encaminhe para um abraço _vitorioso ou de afogados.

coluna de 26.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Tudo sobre minha mãe

Eduardo Campos (PSB) foi reeleito no primeiro turno com 83% dos votos, um dos resultados mais espetaculares de 2010.
Faz uma gestão bem avaliada pelos pernambucanos. Obteve a melhor nota entre os governadores na pesquisa Datafolha mais recente.
É cogitado para várias posições na seleção de 2014: senador, candidato à Presidência alternativo nascido no seio do governismo ou vice dos sonhos de muita gente (Dilma Rousseff, Lula, Aécio Neves).
Galante, "Dudu Beleza" se empenha em projetar a imagem de político moderno. Mantém boas relações com os dois polos do quadro partidário nacional. Não raro critica o petismo, pelo apetite por cargos e pela leniência com a corrupção. Mas também dispara alertas incisivos sobre o risco de deixar Dilma à mercê do fisiologismo do PMDB.
Nada disso, porém, combina com o tempo e a energia que ele investe para instalar a própria mãe, a deputada Ana Arraes, no cargo vitalício de ministra do Tribunal de Contas da União. A eleição deve ocorrer nesta quarta, na Câmara.
A campanha de Campos inclui romaria pelos Estados, acordos com ex-adversários, jantares para congressistas, pit-stops semanais em Brasília. É sua prioridade zero.
Depois do asfixiamento orçamentário da Polícia Federal, o TCU tornou-se o órgão que mais preocupa e incomoda o poder central.
Foram seus auditores, por exemplo, que primeiro detectaram as fraudes que culminaram na "faxina" nos Transportes e no Turismo.
Vinculado ao Congresso, é natural e até desejável que o tribunal vire alvo de disputa política. Mas o lobby de Campos, de tão escancarado, humilha a Câmara _e diminui a mãe, uma advogada qualificada.
Aos poucos, surge uma outra face do pernambucano, antes conhecida apenas pelos poucos que haviam ousado desafiá-lo dentro do PSB, como os irmãos Ciro e Cid Gomes. Será ainda cedo para falar em um novo coronel de olhos claros?

coluna de 19.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Corte marcial

Estão nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, duas decisões cruciais para a política _com impactos que superam temas mais usuais no noticiário, como as eleições municipais e a criação do PSD.
A primeira delas diz respeito ao mensalão. Barbosa recebeu as alegações dos advogados de defesa e hoje começa a definir o texto que pautará o julgamento dos 38 réus.
Os acusados do esquema de desvio de verba pública para a compra de apoio parlamentar não estão sós na agonia. Uma condenação em série acarretará prejuízos de imagem também ao PT e ao próprio Lula.
Não à toa, pipocam tentativas de desqualificar o ministro, considerado o mais imprevisível _e, portanto, independente_ do tribunal.
Questionam seu comparecimento irregular ao plenário. Sugerem sua aposentadoria para tratar a saúde. Põem em dúvida sua isenção, porque deu declarações indignadas sobre a rede de corrupção.
Isso sem falar nas manobras para empastelar de vez o julgamento.
Após tentar a desconstrução técnica da denúncia _sem sucesso, pois a PF foi precisa e inclemente_, o ex-ministro lulista Márcio Thomaz Bastos atua para desmembrar o inquérito: a ideia é atrasar/pulverizar sentenças e evitar manchete bombástica sobre o mensalão.
(MTB, aliás, tem se reunido frequentemente com Dilma Rousseff, que está prestes a fazer sua primeira indicação para o STF.)
A segunda decisão crítica de Barbosa trata da Castelo de Areia. Por sorteio, caberá a ele avaliar a legalidade da maior operação policial sobre fraudes em obras públicas e o uso eleitoral do dinheiro desviado.
A investigação está parada, graças a um subterfúgio jurídico. Concebido por quem? MTB, contratado de uma das empreiteiras suspeitas.
Um parecer favorável de Barbosa poderá coibir novas chicanas e dar fôlego à PF. A Castelo de Areia é garantia de uma faxina de verdade e atalho para a reforma política.

coluna de 12.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Óleo cru

"Toda decisão é política", admitiu, num rasgo de sinceridade, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. "Se vamos aumentar a exploração, vender para China ou EUA, elevar o preço do combustível, entrar na petroquímica, comprar do fornecedor A, B ou C, construir refinaria aqui ou ali..."
Por isso é difícil explicar como ele segue no comando da empresa, já que anda mais empenhado em pôr de pé a candidatura ao governo da Bahia _sem receio de usar o horário de expediente para conversar escondido com José Dirceu e sabe-se lá que outros expoentes do PT.
Desde a vitória de 2010, Dilma Rousseff planeja tirar Gabrielli. Não dá para se gabar da "faxina" em Dnits e Conabs _e falar na profissionalização do serviço público_ mantendo incólume o loteamento partidário da maior estatal do país.
Amiga da presidente e técnica de carreira, Graça Foster estava (e continua) prontinha para assumir a empresa. No entanto, a presidente da República, uma especialista em energia, estranhamente recuou.
Como estranhamente recuou no debate da lei dos royalties do pré-sal. Delegou a solução aos governadores _atores interessados no usufruto rápido de receitas futuras.
As novas reservas de petróleo exigem salto tecnológico e arranjos logísticos de proporções colossais.
Não resta dúvida de que, por vocação e inércia, a Petrobras será a locomotiva desse processo. Sobretudo se estiver correto o prognóstico macroeconômico do governo, de nova retração global: a oferta de capital estrangeiro declinará, e só as empresas bem estabelecidas terão bala para captar e investir.
No entanto, entre tantos superlativos, a estatal continua como a maior caixa-preta do país. Contratos, patrocínios, medidas estratégicas, nada disso é tornado público. Uma bomba-relógio de escândalos.
A inovação faz parte das prioridades de Dilma. Terá contribuído se ampliar a transparência e melhorar a governança da Petrobras.

coluna de 05.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Roupa nova

Com o governo Dilma pegando fogo, soa quase deselegante que Lula e outros caciques da base aliada concentrem a energia neste momento em articulações para as eleições de 2012.
Mas há motivos para adiantar o calendário. Pesquisas mostram que o jogo está aberto em várias capitais e que uma boa fatia do eleitorado se declara inclinada a experimentar o "novo". Quem se posicionar primeiro poderá levar vantagem.
Além disso, a fórmula binária PT x PSDB, que prevaleceu no cenário nacional e muitas vezes pautou a montagem das chapas municipais, parece ter perdido apelo. Não há garantia de que reapareça com força na campanha do ano que vem.
Primeiro, porque o demotucanismo se fragilizou além do previsto. Basta lembrar de Gilberto Kassab (PSD), que surfou a onda antipetista para se reeleger prefeito de SP e hoje é amigo de infância de Dilma.
Segundo, e paradoxalmente, porque a coalizão federal trincou _resultado de nove anos de convivência forçada e do estilo não-dou-bola-pra-você da nova presidente.
Há, além disso, uma expressiva fadiga de material das lideranças consolidadas. Tome-se o caso de José Serra (PSDB), que em São Paulo desponta com rejeição ascendente, em patamar similar ao de Marta Suplicy (PT), outra veterana aliás.
Daí a naturalidade com que PSB, PMDB, PC do B etc. lançam nomes para prefeito, sem esperar pela definição do PT, o sócio-majoritário.
Por isso, também, a ânsia por caras novas. Em São Paulo, só dá jovem guarda nas especulações: o ministro Fernando Haddad (PT) já foi ungido por Lula; Michel Temer (PMDB) cravou o deputado Gabriel Chalita; Kassab cogita o secretário Eduardo Jorge (PV); e o governador Geraldo Alckmin, se pudesse decidir livre de amarras, indicaria o secretário Bruno Covas (PSDB).
Militantes, financiadores e veteranos desesperados para não sumir serão os primeiros obstáculos desse intrigante processo de renovação.

coluna de 29.ago.2011


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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Ela & Ele

O noticiário parece jogar uma contra o outro, tantas demissões e rupturas pontuais num governo que prometia apenas continuidade. Dilma e Lula, porém, seguem no mesmo time, unidos pelo passado e pela perspectiva futura.
A ela e a ele interessa que persistam dúvidas sobre a autonomia da nova Presidência e sobre qual dos dois será o candidato em 2014.
Para Dilma, os focos simultâneos de expectativa de poder facilitam a "governabilidade". Diminuem o trauma das demissões no ministério. Impedem que a situação fuja de controle dentro do Congresso.
Um partido ou um político que perde a vez com Dilma tem de pensar bem antes de pular do barco.
Não somente pela formidável capacidade de retaliação do Executivo no presidencialismo brasileiro.
Mas também porque Lula pode voltar para remontar o que a sucessora hoje desmonta. Se há uma chance de as coisas se acertarem logo mais adiante, para que romper?
Sem falar que o estilo abrasivo de Dilma, considerado suicida pela velha guarda de Brasília, pode eventualmente "encaixar" com o eleitorado _colocando-a no trilho da disputa pelo segundo mandato.
Todo esse quadro de incertezas deixa a presidente mais à vontade para mexer na equipe, escantear antigos aliados e, sobretudo, desmantelar núcleos que operavam orçamentos à margem do Planalto.
Dilma sabe que será julgada no final do governo pelo que havia prometido. Precisa corroborar a imagem de mulher forte e capaz de entregar obras. Tirar do caminho ministros incompetentes e/ou corruptos é imperativo de gestão, não só conveniência de marketing.
Quanto a Lula, a "faxina" pode até lhe corroer a popularidade. Mas o custo é baixo. O mito do "gênio do entendimento" sai revigorado. Todo político ou empresário desgostoso passa a girar na órbita dele.
A vaidade humana costuma pregar peças. O roteiro, porém, não prevê colisão entre criador e criatura.

coluna de 22.ago.2011


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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Desenho colorido

As decisões de Dilma Rousseff levam duas marcas: ampliam o já fabuloso poder da Presidência e ignoram, quando não afrontam, convenções da política.
Sozinha, ou ladeada de poucos assessores de confiança _que, entre o entusiasmo e a resignação, batem continência_, a presidente faz só o que quer e do jeito que quer.
Montou uma equipe sem luz própria. Confiou o BC a funcionários de carreira sem "projeção no mercado". Na Casa Civil, trocou um veterano da política por alguém "que nem sequer conhece Brasília".
O desenho é propício para que Dilma defina pessoalmente diretrizes e até detalhes dos programas de governo, como ficou claro na atabalhoada montagem do pacote de estímulo à indústria nacional.
Derrubados Antonio Palocci e Nelson Jobim, não há, no primeiro escalão, ninguém com trânsito nos outros poderes nem currículo para fazer contraponto à presidente.
O vice Michel Temer, craque em acordos e potencial foco paralelo de comando, foi escanteado de todas as principais decisões.
Nesse sentido, a articulação política, tão cara a Lula e a FHC, deixou de ser prioridade. Virou incômodo.
Dilma atropelou os protocolos quando bloqueou emendas parlamentares, demitiu suspeitos de corrupção nos Transportes e nomeou um diplomata de esquerda para a chefia das Forças Armadas. Não teve receio de alienar congressistas, políticos em geral e militares.
Uns admiram o empenho dela em fazer diferente. Outros questionam a obsessão pela microgerência e o alheamento à realidade extragabinete. Aqui e ali, começam a surgir as comparações com Collor.
O presidente corrido do cargo, porém, sucumbiu a uma outra Brasília. Há 20 anos, o Legislativo era símbolo da democracia recém-conquistada e contava com forças engajadas em melhorar a política.
O trunfo de Dilma é a ruína moral do Congresso, dos políticos em geral e, inclusive, de seu partido.

coluna de 8.ago.2011


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segunda-feira, 4 de julho de 2011

O risco da lipo

As suspeitas de corrupção no Ministério dos Transportes expõem as dificuldades de uma Presidência amparada numa base política grande e heterogênea demais, de cujos efeitos Dilma se ressente não só no jogo pesado do Congresso, mas no ritmo indesejado das realizações de seu governo.
Até as pedras desconfiavam de que servidores da pasta cobravam propina para contratar as obras. Mas tudo que o Planalto não precisava agora era de outro escândalo.
O "Paloccigate" mal cicatrizou. O clima na coalizão está conflagrado. Quem se animou diante da chance de lucrar com a troca na Casa Civil saiu frustrado: a reacomodação, para variar, privilegiou o PT.
Com a decisão de rifar imediatamente quatro funcionários da cúpula dos Transportes, o governo tenta não sangrar no noticiário _erro cometido no caso Palocci.
Mas a solução é definitiva para Dilma? Isso são outros quinhentos.
Primeiro, é improvável que o desenrolar do escândalo poupe o ministro Alfredo Nascimento, há pouco chamado de "inepto" e "desonesto" por um governador da base.
Segundo, o PR, partido que controla hoje o ministério, pode não ter o tamanho nem a capilaridade do PMDB, mas está, faz tempo, ao lado do PT. Foi parceiro de largada no mensalão. É a única sigla que hoje os petistas dão como certa na chapa à Prefeitura de São Paulo.
Desalojar o PR significará contrariar um aliado orgânico, abrir uma guerra fratricida pelo "arsenal" dos Transportes e aumentar a legião de descontentes em um Congresso que já coleciona ameaças suficientes _royalties do petróleo, piso salarial para policiais, metas de gasto público com saúde etc.
Eis o dilema de Dilma: ou aproveita o escândalo para lipoaspirar a coalizão, limpar de vez o ministério e assumir a microgerência das estradas federais e outras obras, ou recua, contemporiza com o PR e empurra o jogo com a barriga.
*
Saio em férias. Até agosto.

coluna de 04.jul.2011


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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Segredos de liquidificador

No afã de aprovar a medida provisória que torna sigilosos os orçamentos da Copa e da Olimpíada, o governo Dilma acaba por fazer a defesa de uma brecha para a corrupção existente no texto.
O Planalto quer flexibilizar as licitações. Diz que, além de sanar o atraso da infraestrutura dos eventos, é preciso corrigir uma falha no modelo atual, que anuncia previamente o custo máximo das obras.
A alegação é que as empresas, cientes do montante que o governo está disposto a desembolsar, podem combinar os lances entre si e determinar descontos pequenos.
De fato há esse risco. Vários projetos do PAC foram assim lesados por cartéis de construtoras.
Só que o regime proposto, que oculta o orçamento prévio das obras, tampouco é imune à fraude. Nada impede as empreiteiras de continuar se acertando e, perigo maior, elevar o preço acima do patamar justo (graças a sorte, cálculo ou informação privilegiada).
Diante dessas situações, nas quais os lances extrapolem o teto projetado, o governo terá de escolher entre reiniciar a concorrência do zero ou aceitar o valor exorbitante _bastará prorrogar o sigilo do orçamento prévio ou "ajustá-lo".
Empresas poderão tentar tirar proveito da pressão do calendário para conseguir a segunda opção. Mas haveria meio de inibir a manobra: manter informada uma terceira parte, não envolvida na licitação.
Foi justamente essa salvaguarda, porém, que, na última hora, sumiu da medida provisória _estranhamente, a única mexida de conteúdo no catatau. A nova redação do artigo 6º suprimiu a garantia de acesso "permanente" dos órgãos de fiscalização aos orçamentos.
Dilma até agora não justificou a alteração. Pede que confiem em sua palavra de que nada será sonegado aos tribunais de contas.
Mas, até porque as obras da Copa e da Olimpíada serão licitadas também por municípios e Estados, é caso de deixar tudo explícito na lei.

coluna de 27.jun.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Quem te viu

Dilma Rousseff não faz jus à fama de firme e doutrinária nem confirma a expectativa de que realizaria um governo inflexível. Aos poucos, ela vai se dobrando à realpolitik. Resistiu por um tempo à fisiologia pura, mas não tardou a abandonar antigas convicções.
Os recuos mais gritantes dizem respeito a um tema caro à presidente "enquanto pessoa física": a radiografia do passado, sobretudo do período de repressão militar.
Como ministra da Casa Civil, a ex-presa política Dilma reclamou a abertura total dos arquivos oficiais e a revisão da Lei da Anistia, para levar à Justiça os crimes comuns (sequestros, estupros) cometidos em nome do Estado na ditadura.
Agora, defende o sigilo dos documentos que o governo considerar sensíveis e joga fora a chance de ajustar a Lei da Anistia _o advogado-geral da União usou argumentação frontalmente contrária à que Dilma esgrimiu, três anos atrás, para pedir a correção histórica.
Erra quem sustenta que são concessões isoladas para reforçar os alicerces do governo, abalados pela inesperada demissão de Antonio Palocci. Outros recuos precederam a queda do "primeiro-ministro".
Enquanto braço-direito de Lula, Dilma atuou para esvaziar a pauta ambientalista, fritar a colega Marina Silva e explorar o potencial agrícola e energético da Amazônia. Hoje, preocupada com a imagem no exterior, manifesta contrariedade com o Código Florestal em análise no Congresso _cujos artigos, um a um, retratam o que ela sempre defendeu. Mais: Marina é convidada ao Planalto como aliada.
O chamego com FHC, atacado impiedosamente na eleição. A decisão de privatizar os aeroportos, em vez de cumprir os planos de fortalecer a estatal Infraero. A manobra para ocultar os orçamentos da Copa, meses após ter prometido que todas as planilhas seriam divulgadas.
Para os dilmistas, há um só alento. Quem muda tanto de princípios um dia pode retomar os originais.

coluna de 20.jun.2011


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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Lula e o pó

A nomeação das "inflexíveis" Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti sinaliza mudança importante na condução política do Planalto. Dilma parece decidida a fixar antagonismos. Daqui em diante, ou se está com ela ou se está contra ela.
Era natural que a afirmação da presidente se desse por meio de contrastes com o antecessor. Mas a coisa pegou embalo inesperado com a degola de Antonio Palocci.
Se Gilberto Carvalho é o representante de Lula no palácio, o ex-titular da Casa Civil era o representante do lulismo _a arte de enrolar, arbitrar conflitos e tirar resultantes que atendam ao mesmo tempo o interesse do governo e o plano do PT.
Não é coincidência que a mexida no núcleo duro do Planalto tenha ocorrido logo depois da passagem de Lula por Brasília, na qual, no afã de esfriar o caso Palocci, ele ofuscou Dilma e pintou a sucessora como incapaz de lidar com a crise.
Tampouco é acidental que o PT de São Paulo _QG de Lula_ tenha sido exatamente o derrotado na nomeação das duas "amazonas".
Até agora, Dilma não se dignou a restaurar a ponte com o PMDB _orgulho da arquitetura lulista.
Nem se preocupará em tratar com menos desdém, quase desprezo, os ministros de Lula que tinha aceitado manter no mesmo cargo _a maioria tem prazo de validade.
Ainda não é o caso de apostar na cisão entre Dilma e seu criador. Ele é das poucas pessoas que ela ouve. E 2012 está chegando: um cabo eleitoral como Lula será essencial.
Mas a conjuntura vai afastando um do outro. E o ex-presidente não coopera. É escandaloso que tenha prometido a uma fábrica de embalagens fazer lobby no governo por menos impostos. O "contrato" não apenas reacende o Paloccigate e as suspeitas em torno das consultorias de petistas. Acua também o Ministério da Fazenda de Dilma.
O mais curioso é que o espasmo autoral dela e o mau momento dele desaguam na mesma especulação: a recandidatura de Lula em 2014.

coluna de 13.jun.2011
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Variação patrimonial

A desintegração de Antonio Palocci atingiu em cheio o PT. Acirrou rixas internas, expôs fragilidades das novas lideranças e comprometeu o trabalho de ocupação de espaços na máquina federal.
De pouco adiantou o partido ter reagido rapidamente às revelações sobre a incrível escalada patrimonial de seu principal ministro.
Os dirigentes petistas logo perceberam o potencial de dano do episódio, daí a escassa solidariedade ao titular da Casa Civil.
Poucas semanas antes, vale lembrar, essas mesmas pessoas haviam desafiado a opinião pública e decidido reintegrar o tesoureiro do mensalão. Por que outro peso e outra medida para Delúbio Soares?
Há quem diga que a militância aceita proteger quem se desvia para fortalecer o PT, mas não aqueles que agem em causa própria.
Pode ser. Mas parece haver, mais do que isso, cálculo político.
Para o partido, a vitória de Dilma significou uma chance imperdível de crescer e se multiplicar. Ao contrário de Lula, ela não intimida os correligionários. Antes da posse da presidente, nomes como Zé Dirceu e Fernando Pimentel já ensaiavam o slogan do "agora é pelo PT".
Não obstante as queixas de alas sindicalistas e a falta de diálogo com Dilma no dia a dia, o fato é que o PT se deu bem mesmo. Bateu recordes de cargos e verbas. Ficou com o Planalto todo, por exemplo.
Cada escândalo que abalar o governo, portanto, será uma ameaça a esse arranjo. Daí o desapego petista em relação a Palocci. Melhor sacrificá-lo do que correr o risco de precisar renegociar espaços.
A mesma lógica, apenas invertida, leva o PMDB a hipotecar apoio público ao ministro: quanto mais o Planalto sangrar para justificar o que Palocci insiste em esconder, maior e melhor o naco que os peemedebistas deverão abocanhar na hora de repactuar a aliança.
Os 20 dias de silêncio do ministro, e de Dilma, desequilibraram a balança em favor do PMDB.

coluna de 06.jun.2011


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terça-feira, 31 de maio de 2011

Os miseráveis

O Planalto comete um erro e uma injustiça ao tratar o Brasil sem Miséria como item da "agenda positiva" para diminuir o desgaste político do "Paloccigate".
Colocar de pé o principal projeto de Dilma na área social é algo mais difícil, e mais importante, do que tentar justificar as peripécias financeiras do ministro da Casa Civil.
Primeiro, porque o governo fixou meta ambiciosa, embora aquém da prometida na campanha eleitoral: em quatro anos, tirar da extrema pobreza 16 milhões de brasileiros.
Segundo, porque, ao menos na largada, o Brasil sem Miséria tem baixo potencial publicitário: não se presta a pirotecnias nem pode ser vendido como "inovador".
O plano, a ser anunciado na quinta-feira, apoia-se em três eixos:
1) Inclusão produtiva: no campo, por exemplo, prevê ampliar o fornecimento de água, dar sementes de qualidade e alinhar os novos agricultores ao setor atacadista.
2) Transferência de renda: aumentar o valor do Bolsa Família e incluir 800 mil lares no benefício.
3) Mobilização do Estado: identificar, contatar e cadastrar 16 milhões de pessoas hoje distantes das cadeias econômicas e dos serviços públicos básicos (mais da metade em área rurais e no Nordeste).
Oito anos atrás, essas iniciativas seriam recebidas com descrença. Hoje, graças ao sucesso do Bolsa Família e à expectativa de outro programa tão transformador, elas soam modestas. Um plano guarda-chuva, lastreado em conceitos como "transversalidade" e "multidisciplina", e dependente da motivação do funcionalismo? Só isso?
A equipe do Brasil sem Miséria conhece o país. Foi quem criou o Bolsa Família e desenhou o projeto do biodiesel (que, se não obteve muito impacto social, implantou do zero uma nova rede produtiva).
Mas ela tem pela frente um enorme desafio de comunicação _desafio que o governo, emudecido pelo enriquecimento de Palocci, não parece em condições de enfrentar.

coluna de 30.mai.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Taxa de sucesso

A permanência de Antonio Palocci como ministro-chefe da Casa Civil paralisa o governo, pinta Dilma como uma presidente fraca e constrange o PT.
Palocci não conseguiu justificar o explosivo aumento de seu patrimônio _ocorrido no período em que se ocupava de projetos cruciais no Congresso, como a regulação do pré-sal e a reforma tributária.
Nem esclareceu como faturou R$ 10 milhões nas poucas semanas entre a eleição e a posse de Dilma.
O ministro disse que atuou como consultor a partir de 2006 e que os clientes precisaram apressar os pagamentos em 2010, já que ele seria nomeado para o novo governo.
Mas faltou explicar que tipo de contrato é esse que paga mais na hora em que o serviço deixa de ser prestado. Ou como Palocci conciliava as atividades de deputado, coordenador da campanha de Dilma e consultor. E, sobretudo, o que era vendido _e quem comprava.
Tantas dúvidas são um passivo à espera de repórteres fuçadores, como os da Folha que revelaram o caso, e de mais cobrança pública.
Por que o governo correrá esse risco, e justo quando a conjuntura econômica desfavorável já exige o anúncio de uma agenda positiva?
Por que Dilma reforçará a impressão de que depende de um ministro encrencado, de quem, a bem da verdade, ela nunca foi próxima?
E por que a militância do PT sairá em defesa de quem fez fortuna de modo tão misterioso, de alguém, além disso, que ganhou reputação por fazer política fora do partido?
Sobram a Palocci inteligência e capacidade de trabalho. Não foi à toa que adquiriu influência e trânsito fora e dentro do governo, nas legendas da base e da oposição.
Mas o que o mantém (ou manterá) no cargo não são só essas virtudes. Seu trunfo, paradoxalmente, é o silêncio que hoje o encurrala.
Palocci conhece os interesses de quem paga milhões por conselhos. Governo, Dilma e PT estão reféns da "taxa de sucesso" dele.

coluna de 23.mai.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Consciência de classe

Nem os mais próximos acham que Aécio Neves está botando pra quebrar no Senado. Mesmo antes do caso do bafômetro, ele andou murcho. Como se pesasse nos ombros a constatação de que, enfim, depois de tanta briga dentro do PSDB, a candidatura da oposição em 2014 será mesmo a dele.
Aos poucos, porém, o ex-governador de Minas Gerais emplaca a agenda que lhe interessa, o "novo pacto federativo": estadualização de rodovias federais, compensações financeiras aos municípios, orçamento impositivo na área da segurança, redução dos mecanismos que permitem ao Planalto administrar tudo por decreto etc.
São temas de escasso apelo popular. O governador de Pernambuco até zombou. "Esse debate, sobre se a presidente pode ou não editar medidas provisórias, vai encantar alguém lá na feira de Caruaru?".
Mas são temas que soam como música para os milhares de prefeitos que marcharam a Brasília na semana passada e não arrancaram de Dilma contrapartida significativa para a queda abrupta de receitas.
Música, também, para os partidos da base aliada, atônitos com a multiplicação de cargos do PT.
Música, ainda, para um Congresso repetidamente subjugado por uma presidente que não sabe e não admite perder _como se viu na nova lei do salário mínimo e se vê na tramitação do Código Florestal.
Aécio julga difícil conquistar corações e mentes enquanto o governo estiver forte. Sabe que sua chance de vencer em 2014 depende do desgaste de Dilma e da marca PT.
Por isso adia a fusão PSDB-DEM, à espera de conjuntura que faça dessa união uma janela de infidelidade dos governistas descontentes _uma espécie de PSD às avessas.
FHC havia exortado a oposição a buscar a nova classe média, os eleitores emergentes ainda não seduzidos pelo discurso lulo-petista.
Aécio joga para outra classe média, a dos políticos, uma gente por vezes sem voz, mas com voto.

coluna de 16.mai.2011

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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Marco zero

A deterioração de expectativas na economia pegou de jeito o governo Dilma. Expôs não apenas divergências internas, mas a falta de inspiração e de projetos.
Basta conferir as mais recentes medidas anunciadas pelo Planalto no esforço de contragolpear e impor uma agenda positiva: não há ali nada de novo, que dirá inovador.
A começar pela estratégia para lidar com a inflação e a sobrevalorização do real. Depois de testar o "macroprudencialismo", o governo capitulou à velha cartilha do mercado. Deixou de lado a questão cambial, confirmou mais altas de juros e candidamente pediu aos brasileiros que adiem as compras.
Prioridade zero de Dilma, o plano contra a miséria nasceu a reboque do Bolsa Família _e tímido, com meta inferior à prometida.
E vem aí o Água para Todos, reembalagem do eficiente programa de cisternas no Nordeste, na tentativa de emular o sucesso marqueteiro do Luz para Todos.
O esperado choque de gestão? Por ora, somente o reagrupamento de 360 programas em 60 escaninhos. Nada comparável ao PAC, que ao menos tornou público o monitoramento de obras e mudou o fluxo de transferência de recursos.
O governo desperdiçou a chance de pactuar demandas históricas de produtores rurais e ambientalistas. Entregou ao Congresso o ônus e o bônus do novo Código Florestal.
Buscou na gaveta a "solução" para modernizar os aeroportos: um modelo de concessões que não havia sido adotado sob Lula apenas por (in)conveniências eleitorais.
E, na área da segurança, em vez de centrar fogo em iniciativas pioneiras (como um cadastro nacional do crime), lançou outra campanha de desarmamento. "Déjà-vu" total.
Ao final dos cem primeiros dias, especulava-se em que Dilma iria investir a aprovação e a popularidade acumuladas. Essas dúvidas persistem _e a comparação com Lula, até aqui favorável à sucessora, deverá começar a incomodar.

coluna de 09.mai.2011


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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Canhão de luz

Os desafios do governo Dilma começam a atrapalhar os planos de Antonio Palocci.
O ministro da Casa Civil fazia de tudo para não exibir em público o poder que possui _e exerce.
Sabe que seu papel central na equipe se deve a conveniências políticas e à carência de quadros do PT, não a afinidades pessoais com a presidente. Embora tenham se aproximado na campanha, ela e ele, o mundo sabe, não falavam o mesmo idioma no governo Lula.
Palocci aprendeu a duras penas que os holofotes são atraentes, mas perigosos. O estrago da quebra de sigilo do caseiro teria sido menor se, à época, ele não pintasse como candidato natural à sucessão de Lula e não manobrasse por isso.
E ele já deve ter percebido, também, que quem opera no bastidor ganha um bônus: atribuem-lhe influência até no que não tocou.
Passados cem dias, porém, três problemas dificultam a permanência de Palocci na moita:
1) Na economia, Dilma adia a alta de juros que o mercado reclama para deter a inflação e faz um duelo faquir-serpente com os especuladores: perde quem piscar primeiro. Enquanto isso, os preços sobem.
2) O governo não decola, incapaz de gastar dinheiro direito e resolvido a fazer superavit (aqui, sim, atendendo o mercado). Banda larga universal, obras da Copa, Minha Casa, Minha Vida, tudo empacou.
3) Partidos aliados estão insatisfeitos com seus espaços e revoltados com o desdém da Presidência.
Com trânsito no Congresso, entre empresários e na imprensa, Palocci é um porta-voz "de credibilidade".
Nos últimos dias, foi acionado para anunciar a concessão de aeroportos, reiterar o "compromisso" do governo contra a inflação, arbitrar a pinimba entre produtores e ambientalistas acerca do Código Florestal e sossegar os desalojados do PT (Caixa) e do PMDB (Funasa).
Alguém tem dúvida sobre quem será chamado a negociar com a direção petista na nova era Delúbio?

coluna de 02.mai.2011


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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Além das coincidências

No início do ano, Aécio Neves despontava como o líder da oposição. Tinha o comando de seu partido, o PSDB, e do principal aliado, o DEM. Preparava a estreia no Senado e o anúncio do novo estilo de atuação do consórcio demotucano: crítico, mas disposto a colaborar com o Planalto. O tal pós-Lula.
No início do ano, Geraldo Alckmin dizia-se "reserva" no xadrez nacional _um jeito de se incluir no tabuleiro. Revigorado pela vitória no primeiro turno, assumia o governo do maior colégio eleitoral do país decidido a repaginar o PSDB paulista e a resgatar projetos e políticos escanteados pelo antecessor.
José Serra, por sua vez, estava liquidado. Pagava pelos erros da campanha presidencial _e pelos erros cometidos antes dela. Era descartado até para a direção do PSDB, um cargo praticamente decorativo.
Deu-se, então, a criação do PSD e a debandada de muitos democratas e alguns tucanos para essa sigla.
Agora, Aécio é líder de uma oposição reduzida e de um DEM em ruínas, na melhor hipótese com 50% da bancada que elegeu. A nova legenda roubou-lhe o discurso furta-cor: não é de esquerda, de direita nem de centro, muito pelo contrário.
Alckmin agora se desdobra para remendar a base de apoio. Foi abandonado pelo vice-governador e por metade de seus vereadores paulistanos. Não tem candidato forte à prefeitura da capital e vê-se pressionado a defender a fusão PSDB-DEM para que o PT não dispare como o maior partido do Estado.
E Serra? Embora alquebrado, ressurge como o nome em tese capaz de reaglutinar a oposição em São Paulo em 2012 e o único tucano ao qual o PSD declara voto em 2014.
Talvez seja exagero atribuir a ele tanta reviravolta. Talvez seja só coincidência, também, o novo partido nascer da ala serrista do DEM (Kassab, Kátia Abreu, Afif, Indio).
Mas alguém ainda acredita que Serra aceitará docilmente o ocaso que lhe impingiram e se recolherá às madrugadas no Twitter?

coluna de 25.abr.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Abuso de poder

A política escreve por linhas tortas. O Congresso poderá ganhar alguma relevância graças ao desprezo de Dilma pela atividade parlamentar e ao fato de que, na ponta do lápis, ela dispõe de maioria para aprovar o que quiser.
Há tempos o Senado e a Câmara têm papel cartorial. Só carimbam aquilo que o Executivo embala. Os lobbies migraram para a Casa Civil.
Por 16 anos, porém, os congressistas tiveram uma missão que lhes tomava tempo e energia: um lado cuidava de defender o governo; o outro, de fustigá-lo sem clemência.
Ainda que FHC e Lula se esforcem em manter vivo esse dualismo, ele já não mobiliza as duas Casas.
Primeiro, porque a oposição saiu numericamente reduzida da eleição de 2010 _e continua diminuindo, no rastro de Kassab & cia.
Segundo, porque Dilma se apropriou de bandeiras dos adversários (rigor fiscal, privatização), diluindo as diferenças programáticas.
Terceiro, porque o perfil dos líderes tucanos mudou. Aécio Neves não crê na eficácia do enfrentamento nem tem vocação para a tribuna.
E, quarto, porque o Planalto não traçou uma pauta legislativa. Confia em poder governar por meio de decretos e medidas provisórias.
Por isso tudo _e por achar que os congressistas são, em regra, picaretas_, Dilma desencanou de vez.
Nomeou um ministro sem projeção para tratar com o Congresso. Bloqueou as emendas parlamentares. Não abriu interlocução com os caciques da base (PT incluído).
A tática do desdém pode eventualmente dar certo. Em Brasília, não há força maior que a da inércia.
Mas, aos poucos, os governistas se incomodam. Percebem que não há mais um Artur Virgílio para rebater. Que nem veteranos como José Sarney e Renan Calheiros têm acesso ao Planalto. Que o presidente do PT caiu em crise depressiva.
Nada apavora mais o político do que um horizonte de irrelevância. Um jeito de o Congresso aparecer? Reaprender a legislar e a fiscalizar.

coluna de 18.abr.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vale compras

Dilma carrega a fama de estatista, mas completa cem dias na Presidência empenhada em dar ao governo a agilidade da iniciativa privada e em escapar, como puder, dos incômodos do direito público.
Há no Planalto convicção de que o atual regramento das concorrências reduz o ritmo dos investimentos e engessa a administração de contratos e obras. Sem falar na exposição ao exame dos órgãos fiscalizadores e às críticas da imprensa.
Nesse sentido, interessa uma Vale que colabore com os planos nacionais de infraestrutura e aja como instrumento da política industrial.
A empresa hoje controla, por exemplo, quase metade da malha ferroviária do país e investe sozinha em portos o mesmo que o PAC todo.
Imagine que um dia Dilma deseje mudar o marco regulatório desses dois setores _e esse dia chegou. Imagine então como a Vale, que não precisa licitar as compras, poderá ser útil. Um tapinha não dói.
Mais do que a ideia de transformar a empresa em um bunker petista (só os muito paranoicos creem que 120 mil funcionários aceitariam docilmente ser conduzidos em tal direção), é essa "sintonia logística" o motivo da cruzada governamental para defenestrar Roger Agnelli.
A linha de ação já tinha aparecido com o pré-sal, na definição de que uma nova estatal irá cuidar só de tarefas burocráticas, de gestão. Por que abrir mão da capacidade elástica de compras da Petrobras?
E deverá reaparecer nesta semana, com o envio ao Congresso da proposta do Orçamento de 2012.
O Planalto cogita anexar um projeto que diminui as exigências para as obras relacionadas à Copa-2014 e à Olimpíada-2016. O "relacionadas", claro, ficará por conta do governo. Aeroportos, energia, transportes, saneamento, segurança, tudo será executado mais livremente.
Elaborada em 1993 como resposta aos desmandos do governo Collor, a Lei das Licitações pode até merecer revisão (o Brasil de fato mudou), mas não a aposentadoria.

coluna de 11.abr.2011

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Aperte os cintos

Ciosa da imagem de boa gestora, Dilma poderia explicar por que há duas semanas assinou a criação de um ministério para cuidar da aviação civil e até hoje não se importou em nomear o ministro.
Há um descompasso de velocidades em tudo o que diz respeito à reformulação do setor aéreo. A urgência no discurso do Planalto contrasta com a lentidão das ações.
Sabe-se desde janeiro, por exemplo, que a presidente decidiu transferir à iniciativa privada o direito de explorar os aeroportos _inequívoca guinada em relação à política de Lula. Mas nada de definir e divulgar os detalhes do novo modelo.
Assim como nada acontece na Anac. O órgão regulador, deslocado para o guarda-chuva do novo ministério, está acéfalo desde fevereiro. Sem interesse de permanecer, a presidente Solange Vieira saiu de férias e não voltou a Brasília.
Responsável pela administração dos aeroportos, a Infraero vive dias de impasse também. Não se falou mais no plano de abrir o capital da estatal. Nem no destino dos terminais de menor porte, deficitários.
Enquanto isso, os principais aeroportos continuam saturados. Resultado de anos de negligência nos serviços, da decadência da infraestrutura e do fato de que, pela primeira vez, mais brasileiros viajam de avião do que de ônibus _o número de passageiros de avião cresceu 115% de 2002 a 2010.
Ou o governo Dilma hesita em enfrentar essa situação porque sofre dos mesmos males dos anteriores: a dificuldade paquidérmica de se mexer e a incompetência para lidar com problemas complexos.
Ou hesita porque lhe falta sinceridade. Anuncia agora "forte intervenção" no setor apenas para justificar a criação de cargos (já são 130 novos), o aparelhamento do Estado e a possibilidade de fazer negócios com a iniciativa privada no futuro.
A primeira declaração do novo presidente da Infraero, Gustavo Vale, dá uma pista: "Se a Copa fosse hoje, não teria problema". Não?!

coluna de 04.abr.2011

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segunda-feira, 28 de março de 2011

Obra em progresso

A rebelião de trabalhadores não revelou apenas que empresas, sindicatos e governo estavam despreparados para cuidar de muitas obras de infraestrutura. Expôs também o "lado B" do PAC.
Ficou claro que o programa querido da presidente Dilma, concebido para gerar riqueza e energia, não levou em consideração aspectos trabalhistas nem o impacto social da inauguração de canteiros gigantes em locais remotos do país.
Tome-se o caso da hidrelétrica de Jirau, em construção numa região isolada de Rondônia. Não seria mesmo simples acomodar e administrar os 22 mil contratados da obra. Mas os relatos dão conta de total omissão do poder público.
Episódios recorrentes de castigos físicos, falta de comida, desvio de salários e livre comércio de armas e drogas culminaram em quebra-quebra. Alojamentos e várias instalações acabaram incendiados.
Os esforços para caracterizar o ocorrido como incidente pontual de vandalismo duraram pouco. Dias depois, houve outra depredação bem longe dali, na usina de São Domingos, em Mato Grosso do Sul.
Mais: 80 mil operários do PAC anunciaram greve por salários e condições de trabalho melhores.
Foram afetados justamente os projetos mais vistosos do portfólio dilmista: as usinas do rio Madeira (Rondônia), a refinaria e a petroquímica de Suape (Pernambuco) e a termelétrica de Pecém (Ceará).
Tímida, a reação do Planalto só fez confirmar a falta de "protocolo" para lidar com tantos imprevistos.
O governo pediu a amigos das centrais sindicais que domassem os motins, reforçou o policiamento nas obras (em Jirau, nos escombros) e prometeu que amanhã vai traçar "regras mínimas" de trabalho no PAC _como se já não existisse legislação a respeito no país.
Dilma ganhou elogios por se recolher, em contraste com a hiperexposição de Lula. Mas, ironia, operários mostram à presidente o limite de governar só do gabinete.

coluna de 28.mar.2011


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segunda-feira, 21 de março de 2011

Dieta dos pontos

Além de confortar a presidente, o ótimo resultado no primeiro Datafolha terá imediato impacto político no governo Dilma.
A aprovação recorde em início de mandato (47% de ótimo/bom; 7% de ruim/péssimo) dá ao Planalto força e tranquilidade para completar o segundo e o terceiro escalões.
Peemedebistas e outros aliados insatisfeitos com a distribuição de cargos e verbas terão de adiar o bote. Não há clima para insurreição.
Acostumado a replicar a temperatura do jogo da fisiologia, o Congresso deve atravessar um período pouco turbulento. Isso não é trivial.
Dilma já tinha o comando da Câmara e do Senado e, em tese, maioria suficiente para aprovar mudanças constitucionais. Adicione o cenário de baixa temperatura e uma oposição estilhaçada e/ou "disposta a colaborar". Subitamente, trambolhos que serviam como terapia ocupacional para o Legislativo ganham perspectiva de votação.
Reforma tributária, reforma política, reforma previdenciária, nunca o ambiente político foi tão favorável para que esses assuntos sejam finalmente tratados em plenário. Em bloco ou, como o Planalto prefere, para não abusar da sorte, em pílulas _uma medida para coibir a guerra fiscal nos Estados e a farra de benefícios nos portos, outra para substituir o fator previdenciário na aposentadoria, outra para permitir as trocas partidárias úteis ao desenho dos palanques de 2012 etc.
*
Há um aspecto lateral, mas significativo na pesquisa do Datafolha: o brasileiro não se mostra até aqui disposto a endeusar Dilma.
No comparativo de imagem com o Lula de 2003, ela perde em quase tudo: é vista como menos simpática, humilde, sincera, respeitosa com os pobres e, até, menos trabalhadora do que o antecessor.
Dilma ganha apenas em dois atributos. É mais inteligente e... mais autoritária. Uma presidente intransigente e, também por causa disso, popular? Nunca antes na...

coluna de 21.mar.2011


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segunda-feira, 14 de março de 2011

Porta de fábrica

Dilma nunca teve forte ligação com os sindicatos, mesmo quando o então marido advogava para o setor. A presidente considera obsoleta a legislação trabalhista, reclama de "pelegos" acolhidos por Lula no governo e desdenha da pauta das centrais, a começar pela proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Por isso nem piscou ao mandar achatar o salário mínimo.
Mas daí a largar ao relento os sindicalistas? Nem a pau, Paulinho.
Num cenário de contração econômica, é impensável o Planalto permitir que as centrais se desgarrem. Até porque a oposição, em fase de reciclagem, cuida de cortejar os descontentes. Vide a foto de Aécio Neves com a Força Sindical, no auge da novela do mínimo.
Tampouco interessa a Dilma insinuar ruptura com o legado do "presidente dos trabalhadores". Em palavras e gestos, ela faz charme para as elites, mas não a ponto de alienar a maioria dos eleitores.
Há ainda outra razão para manter a Presidência próxima do movimento sindical: a disputa no PT.
O partido, que um dia esteve dividido em muitas correntes, hoje tem, de fato, apenas duas: os pró-Dilma "pragmáticos", que topam tudo pela "governabilidade", e os pró-Dilma "indóceis", que batem lata por uma agenda de esquerda.
Embora em declínio, os sindicalistas ainda têm peso (e dossiês) para definir qual lado sai vencedor.
A bancada ligada à CUT, por exemplo, emplacou o novo presidente da Câmara dos Deputados, o ex-metalúrgico Marco Maia _sindicalistas "pragmáticos" formaram aliança com a porção "indócil".
O mesmo se deu na eleição da CCJ, principal comissão da Casa. Ricardo Berzoini, ligado aos bancários, perdeu agora, mas garantiu o comando no ano eleitoral de 2012.
Dilma havia tirado sindicalistas de vários de seus espaços de atuação política (Previ, Banco do Brasil, Petros). Mas a tendência é de repactuação. Nomeações vêm aí.

coluna de 14.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 9 de março de 2011

Bolo de cenoura

A temporada de reorganização partidária não se resume ao encolhimento da oposição, vítima do adesismo de uns e do personalismo de outros. Movimento importante ocorre também na base do governo: o PSB tenta ganhar musculatura para reivindicar o papel de parceiro preferencial do PT.
O PSB colheu boas votações em 2010, tem líderes com índices lulistas de popularidade e está empenhado em crescer _leia-se, em acomodar todo mundo e qualquer um.
A Dilma interessa uma força que rivalize com o PMDB. Lula falava numa frente ampla de esquerda. A sucessora, prática, optou por engordar o PSB. Daí a bênção à incorporação do prefeito de São Paulo, o serrista Gilberto Kassab (DEM).
Para manter os dois aliados sob controle, o Planalto balança a mesma cenoura: a posição de vice na chapa presidencial de 2014.
Como deseja reeditar a dobradinha de 2010, Michel Temer, presidente do PMDB, pacientemente tolera rasteiras em antigos redutos do partido (Funasa, Correios, Furnas).
Como sonha em substituir Temer daqui a quatro anos, Eduardo Campos, presidente do PSB, começa a fechar portas a amigos da oposição.
O mapeamento do segundo escalão feito pela Folha, no entanto, escancara a essência do jogo.
A presidente nomeou 124 filiados do PT. Do PMDB e do PSB? Só 13 e 10. "Critério técnico" é isso aí.
A mesma lógica prevaleceu nos cortes do Orçamento. Ministérios do PT levaram um talho de menos de 10%. Saúde e Desenvolvimento Social passaram quase batidos.
Repartições dos aliados, por sua vez, sofreram brutalmente. Nas mãos do PT, o Turismo era a pasta mais beneficiada pelas emendas parlamentares. Entregue agora ao PMDB, perdeu 84% das verbas.
Dilma cuida de seus correligionários. Modula e ao mesmo tempo contém o poder de fogo dos aliados. PSB, PMDB e "traíras" da oposição se acotovelam hoje pelo direito de serem estrangulados amanhã.

coluna de 07.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Seja símbolo

A estratégia de comunicação do Planalto foi criteriosamente traçada para projetar diferenças entre Dilma e Lula. É significativo que o assunto corrupção não tenha sido incluído no roteiro.
Até aqui, Dilma se recolheu ao gabinete. Transmitiu a ideia de que se concentra em trabalhar e preza o decoro do cargo, em contraponto à informalidade e ao falatório dos oito anos anteriores de Presidência.
Quando não, ela tratou em público de temas que rendiam críticas ao padrinho: direitos humanos, rigor fiscal, liberdade de imprensa.
João Santana, o consultor de imagem da presidente, parece empenhado em fixar "o primeiro ano dela" _e não "o nono ano dele". O marqueteiro acha que Dilma pode se beneficiar do "vazio oceânico" deixado pelo antecessor e ocupar a "cadeira da rainha" na mitologia.
No que diz respeito à tolerância com a corrupção (outro ponto fraco da era Lula), porém, não houve interesse em fixar contraste.
Começou pelo convite para a posse feito à ex-ministra Erenice Guerra, demitida meses antes por nepotismo e tráfico de influência.
Seguiu com a recondução de José Sarney ao comando do Senado _e, graças ao PT, o operador sarneyzista no caso dos "atos secretos", Agaciel Maia, virou diretor da comissão de Finanças da Câmara do DF.
Dilma, que não hesitou em tratorar o partido e o Congresso na votação do salário mínimo, nada fez para evitar a indicação de um réu do mensalão (João Paulo Cunha) à chefia justamente da comissão que analisa a legalidade de tudo que tramita na Câmara dos Deputados.
Não se mexeu quando se soube que o ministro de Turismo fez festa num motel com dinheiro público.
Assim como não agiu quando a imprensa revelou a nomeação, pelo Planalto, do servidor que quebrou o sigilo do caseiro _o escândalo que, em 2006, levou à desgraça de Antonio Palocci (outro reabilitado).
Se é descuido ou descompromisso, o tempo (ou o marketing) dirá.

coluna de 28.fev.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Cota merecida

No momento em que o debate sobre o sistema de cotas patina no Congresso, a Universidade de Campinas prepara um salto nos projetos de ação afirmativa: a introdução firme da meritocracia como critério de concessão de benefícios.
Começam no mês que vem as aulas da primeira turma do ProFis, programa que destina 120 vagas para estudantes do sistema público do município paulista. O critério de escolha é a nota no Enem. O melhor aluno de cada escola pública da cidade tem matrícula garantida. Simples. Nada de vestibular, análise curricular, avaliação de patrimônio etc. Se o primeiro colocado numa escola abrir mão, a chance é passada ao segundo _e assim por diante.
Os inscritos terão dois anos de aulas nas áreas de humanas, exatas e biológicas, além de cursos de informática e inglês. Serão 1.600 horas em classe. Quem enfrentar dificuldades terá a ajuda de monitores.
Trata-se de um colchão multidisciplinar para capacitar esses egressos do sistema público para a etapa seguinte do ProFis: a matrícula instantânea em qualquer um dos cursos regulares da Unicamp, de acordo com a preferência do aluno.
O projeto não tira o lugar de ninguém. Serão criadas vagas adicionais para acolher os que terminarem o primeiro ciclo e quiserem/puderem continuar os estudos.
Para estimular que o escolhido cumpra os dois primeiros anos, o ProFis distribuirá vale-transporte, auxílio-alimentação e uma bolsa pouco acima do salário mínimo.
A ideia nasceu de um diagnóstico inquietante. Nos vestibulares de 2008 e 2009, 70% das escolas públicas de Campinas não conseguiram colocar nem um aluno sequer na maior universidade local.
Hoje, mais de 70% das universidades federais e estaduais públicas do país já oferecem algum programa de inclusão. A ação afirmativa é realidade. O desafio é aprimorá-la _e, de preferência, associá-la ao ensino médio público. A iniciativa da Unicamp mostra um caminho.

coluna de 21.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cirurgia eletiva

O Planalto prefere a versão de que Dilma gritou basta, de que enfim um presidente disse não à banda podre do Congresso. Há, no entanto, mais cálculo político do que propósitos edificantes na decisão de desalojar a ala mais estridente do PMDB de posições estratégicas da máquina federal.
O objetivo é esterilizar o campo de ação do grupo que deveria dirigir a Câmara, com poder sobre votações e CPIs, nos dois últimos anos de Dilma _se respeitado o acordo chancelado pelo próprio governo.
As canetadas da Presidência têm precisão cirúrgica. Vão derrubando, um a um, os redutos da bancada peemedebista da Câmara. Furnas, Correios, Funasa, Conab...
Ligados ao vice Michel Temer, esses deputados já haviam recebido migalhas na montagem dos ministérios: pastas sem fôlego orçamentário, quando não partilhadas com outros partidos (Agricultura, Turismo e Assuntos Estratégicos).
Já o PMDB do Senado, tão ou mais fisiológico, não foi até agora incomodado por Dilma. Renan Calheiros manteve o setor de transporte de combustíveis e ganhou o INSS de bônus. A área elétrica segue sob influência de Sarneys _José e o filho indiciado, Fernando.
É fato que as estatais operadas pelo PMDB da Câmara frequentaram o noticiário policial durante o governo Lula. Mas é verdade, também, que Dilma não se viu movida a limpar outros notórios recantos de escândalos, como, por exemplo, a administração de estradas e ferrovias, há anos sob tutela do PR.
Ocupar altos cargos tornou-se fundamental para o exercício partidário _não apenas para a roubalheira. Determinar a estrada que ganhará asfalto ou escolher a cidade que abrigará uma faculdade é mais do que uma decisão técnica. Tem imediatas implicações eleitorais.
Como Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) convencerá os colegas a fazê-lo presidente da Câmara em 2013 se ele não tem força nem para garantir as próprias nomeações?

coluna de 14.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Rosa-choque

Dilma Rousseff não se conformava com os elogios que recebia na Casa Civil, de que era uma boa ministra porque se dedicava exclusivamente à gerência do governo. Considerava a avaliação demeritória, senão machista. E equivocada. Dizia que subestimavam a natureza política de seu trabalho _a vitória eleitoral lhe deu razão.
O alerta talvez caiba de novo.
Por causa dos discursos algo enfadonhos da cerimônia de posse, muita gente já projeta uma Presidência "técnica", focada em melhorias de gestão e exercida sobretudo nos gabinetes de Brasília.
Dilma de fato tem uma vocação intramuros. Para permitir o show solo de Lula, não hesitou em se recolher nos dois meses seguintes à eleição _período de lua de mel com o eleitorado, geralmente útil para galvanizar apoio a projetos.
Há, porém, vários motivos para esperar o contrário de um governo discreto, acanhado, impessoal.
Um dos trunfos de Lula foi a estratégia de comunicação, programada para, todo dia, vender a imagem do presidente e destruir a dos rivais. Dilma atuou com empenho nessas blitze como ministra. Por que faria diferente na Presidência?
Até porque fechar-se no Planalto e guardar distância do eleitor seria minar, de saída, as chances de reeleição. A identidade pública de Dilma ainda está em construção. Ela precisa do máximo de exposição.
Há ainda a questão de gênero. Se quer servir de inspiração e romper tabus, a primeira presidente mulher não pode se ater a "afazeres domésticos". Tem de rodar o país.
Dilma não é Lula, claro. Mas não existe somente um modo de diálogo com a massa. O Brasil tem políticos com 80% de aprovação que não sofrem de incontinência verbal nem procuram se fazer de vítima.
A afirmação política e feminista de Dilma terá forçosamente de acontecer em público e diante de públicos. Nesse sentido, aplausos e incentivos ao recato da presidente podem ter um quê de sabotagem.

coluna de 05.jan.2011


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