segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Bola dividida

Seria impreciso afirmar que vai de mal a pior a relação entre o governo federal e os dirigentes de futebol envolvidos na Copa de 2014. A rigor, ela não é boa desde que Dilma Rousseff se elegeu.
Há uma disputa pelo protagonismo no evento, um tanto previsível, dadas as oportunidades oferecidas de negócios _lícitos e escusos.
Mas arrogância e incompetência de ambos os lados desembocaram num quadro de conflagração, por enquanto contido em queixas e ameaças cifradas pela imprensa.
De um lado, os cartolas fustigam o governo pela incapacidade de tocar obras necessárias e prometidas.
Mais da metade dos aeroportos do Mundial terá de se contentar com instalações provisórias e precárias. Dos planos de mobilidade urbana, 90% não saíram do papel.
A Fifa e a CBF reclamam sobretudo de tibieza da presidente. Salvador, por exemplo, uma das cidades-sede, ignorou os "ultimatos" de Dilma até convencê-la a mudar o modelo de transporte da torcida.
Tudo isso está retratado na cândida declaração da ministra do Planejamento, segundo quem os projetos de infraestrutura não seriam mais essenciais, e na bizarra sugestão de decretar feriado em dias de jogos para equacionar o trânsito.
O Planalto, por sua vez, trata com desconfiança a cartolagem.
Alguns dos pleitos são de fato absurdos. Pretenderam até deixar de lado o Código Penal para aplicar sanções mais severas à pirataria.
Pululam indícios de safadeza também. A Folha já revelou esquemas de dirigentes para beneficiar amigos e empresas nos contratos dos estádios _com verba pública.
Por fim, bater em cartola pega bem e permite repartir o ônus de eventual fracasso daqui a três anos.
É curioso que, apesar disso tudo, e da ameaça velada da Fifa de rescindir contrato e tirar a Copa do país, a coisa se encaminhe para um abraço _vitorioso ou de afogados.

coluna de 26.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Tudo sobre minha mãe

Eduardo Campos (PSB) foi reeleito no primeiro turno com 83% dos votos, um dos resultados mais espetaculares de 2010.
Faz uma gestão bem avaliada pelos pernambucanos. Obteve a melhor nota entre os governadores na pesquisa Datafolha mais recente.
É cogitado para várias posições na seleção de 2014: senador, candidato à Presidência alternativo nascido no seio do governismo ou vice dos sonhos de muita gente (Dilma Rousseff, Lula, Aécio Neves).
Galante, "Dudu Beleza" se empenha em projetar a imagem de político moderno. Mantém boas relações com os dois polos do quadro partidário nacional. Não raro critica o petismo, pelo apetite por cargos e pela leniência com a corrupção. Mas também dispara alertas incisivos sobre o risco de deixar Dilma à mercê do fisiologismo do PMDB.
Nada disso, porém, combina com o tempo e a energia que ele investe para instalar a própria mãe, a deputada Ana Arraes, no cargo vitalício de ministra do Tribunal de Contas da União. A eleição deve ocorrer nesta quarta, na Câmara.
A campanha de Campos inclui romaria pelos Estados, acordos com ex-adversários, jantares para congressistas, pit-stops semanais em Brasília. É sua prioridade zero.
Depois do asfixiamento orçamentário da Polícia Federal, o TCU tornou-se o órgão que mais preocupa e incomoda o poder central.
Foram seus auditores, por exemplo, que primeiro detectaram as fraudes que culminaram na "faxina" nos Transportes e no Turismo.
Vinculado ao Congresso, é natural e até desejável que o tribunal vire alvo de disputa política. Mas o lobby de Campos, de tão escancarado, humilha a Câmara _e diminui a mãe, uma advogada qualificada.
Aos poucos, surge uma outra face do pernambucano, antes conhecida apenas pelos poucos que haviam ousado desafiá-lo dentro do PSB, como os irmãos Ciro e Cid Gomes. Será ainda cedo para falar em um novo coronel de olhos claros?

coluna de 19.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Corte marcial

Estão nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, duas decisões cruciais para a política _com impactos que superam temas mais usuais no noticiário, como as eleições municipais e a criação do PSD.
A primeira delas diz respeito ao mensalão. Barbosa recebeu as alegações dos advogados de defesa e hoje começa a definir o texto que pautará o julgamento dos 38 réus.
Os acusados do esquema de desvio de verba pública para a compra de apoio parlamentar não estão sós na agonia. Uma condenação em série acarretará prejuízos de imagem também ao PT e ao próprio Lula.
Não à toa, pipocam tentativas de desqualificar o ministro, considerado o mais imprevisível _e, portanto, independente_ do tribunal.
Questionam seu comparecimento irregular ao plenário. Sugerem sua aposentadoria para tratar a saúde. Põem em dúvida sua isenção, porque deu declarações indignadas sobre a rede de corrupção.
Isso sem falar nas manobras para empastelar de vez o julgamento.
Após tentar a desconstrução técnica da denúncia _sem sucesso, pois a PF foi precisa e inclemente_, o ex-ministro lulista Márcio Thomaz Bastos atua para desmembrar o inquérito: a ideia é atrasar/pulverizar sentenças e evitar manchete bombástica sobre o mensalão.
(MTB, aliás, tem se reunido frequentemente com Dilma Rousseff, que está prestes a fazer sua primeira indicação para o STF.)
A segunda decisão crítica de Barbosa trata da Castelo de Areia. Por sorteio, caberá a ele avaliar a legalidade da maior operação policial sobre fraudes em obras públicas e o uso eleitoral do dinheiro desviado.
A investigação está parada, graças a um subterfúgio jurídico. Concebido por quem? MTB, contratado de uma das empreiteiras suspeitas.
Um parecer favorável de Barbosa poderá coibir novas chicanas e dar fôlego à PF. A Castelo de Areia é garantia de uma faxina de verdade e atalho para a reforma política.

coluna de 12.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Óleo cru

"Toda decisão é política", admitiu, num rasgo de sinceridade, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. "Se vamos aumentar a exploração, vender para China ou EUA, elevar o preço do combustível, entrar na petroquímica, comprar do fornecedor A, B ou C, construir refinaria aqui ou ali..."
Por isso é difícil explicar como ele segue no comando da empresa, já que anda mais empenhado em pôr de pé a candidatura ao governo da Bahia _sem receio de usar o horário de expediente para conversar escondido com José Dirceu e sabe-se lá que outros expoentes do PT.
Desde a vitória de 2010, Dilma Rousseff planeja tirar Gabrielli. Não dá para se gabar da "faxina" em Dnits e Conabs _e falar na profissionalização do serviço público_ mantendo incólume o loteamento partidário da maior estatal do país.
Amiga da presidente e técnica de carreira, Graça Foster estava (e continua) prontinha para assumir a empresa. No entanto, a presidente da República, uma especialista em energia, estranhamente recuou.
Como estranhamente recuou no debate da lei dos royalties do pré-sal. Delegou a solução aos governadores _atores interessados no usufruto rápido de receitas futuras.
As novas reservas de petróleo exigem salto tecnológico e arranjos logísticos de proporções colossais.
Não resta dúvida de que, por vocação e inércia, a Petrobras será a locomotiva desse processo. Sobretudo se estiver correto o prognóstico macroeconômico do governo, de nova retração global: a oferta de capital estrangeiro declinará, e só as empresas bem estabelecidas terão bala para captar e investir.
No entanto, entre tantos superlativos, a estatal continua como a maior caixa-preta do país. Contratos, patrocínios, medidas estratégicas, nada disso é tornado público. Uma bomba-relógio de escândalos.
A inovação faz parte das prioridades de Dilma. Terá contribuído se ampliar a transparência e melhorar a governança da Petrobras.

coluna de 05.set.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br