segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Roupa nova

Com o governo Dilma pegando fogo, soa quase deselegante que Lula e outros caciques da base aliada concentrem a energia neste momento em articulações para as eleições de 2012.
Mas há motivos para adiantar o calendário. Pesquisas mostram que o jogo está aberto em várias capitais e que uma boa fatia do eleitorado se declara inclinada a experimentar o "novo". Quem se posicionar primeiro poderá levar vantagem.
Além disso, a fórmula binária PT x PSDB, que prevaleceu no cenário nacional e muitas vezes pautou a montagem das chapas municipais, parece ter perdido apelo. Não há garantia de que reapareça com força na campanha do ano que vem.
Primeiro, porque o demotucanismo se fragilizou além do previsto. Basta lembrar de Gilberto Kassab (PSD), que surfou a onda antipetista para se reeleger prefeito de SP e hoje é amigo de infância de Dilma.
Segundo, e paradoxalmente, porque a coalizão federal trincou _resultado de nove anos de convivência forçada e do estilo não-dou-bola-pra-você da nova presidente.
Há, além disso, uma expressiva fadiga de material das lideranças consolidadas. Tome-se o caso de José Serra (PSDB), que em São Paulo desponta com rejeição ascendente, em patamar similar ao de Marta Suplicy (PT), outra veterana aliás.
Daí a naturalidade com que PSB, PMDB, PC do B etc. lançam nomes para prefeito, sem esperar pela definição do PT, o sócio-majoritário.
Por isso, também, a ânsia por caras novas. Em São Paulo, só dá jovem guarda nas especulações: o ministro Fernando Haddad (PT) já foi ungido por Lula; Michel Temer (PMDB) cravou o deputado Gabriel Chalita; Kassab cogita o secretário Eduardo Jorge (PV); e o governador Geraldo Alckmin, se pudesse decidir livre de amarras, indicaria o secretário Bruno Covas (PSDB).
Militantes, financiadores e veteranos desesperados para não sumir serão os primeiros obstáculos desse intrigante processo de renovação.

coluna de 29.ago.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Ela & Ele

O noticiário parece jogar uma contra o outro, tantas demissões e rupturas pontuais num governo que prometia apenas continuidade. Dilma e Lula, porém, seguem no mesmo time, unidos pelo passado e pela perspectiva futura.
A ela e a ele interessa que persistam dúvidas sobre a autonomia da nova Presidência e sobre qual dos dois será o candidato em 2014.
Para Dilma, os focos simultâneos de expectativa de poder facilitam a "governabilidade". Diminuem o trauma das demissões no ministério. Impedem que a situação fuja de controle dentro do Congresso.
Um partido ou um político que perde a vez com Dilma tem de pensar bem antes de pular do barco.
Não somente pela formidável capacidade de retaliação do Executivo no presidencialismo brasileiro.
Mas também porque Lula pode voltar para remontar o que a sucessora hoje desmonta. Se há uma chance de as coisas se acertarem logo mais adiante, para que romper?
Sem falar que o estilo abrasivo de Dilma, considerado suicida pela velha guarda de Brasília, pode eventualmente "encaixar" com o eleitorado _colocando-a no trilho da disputa pelo segundo mandato.
Todo esse quadro de incertezas deixa a presidente mais à vontade para mexer na equipe, escantear antigos aliados e, sobretudo, desmantelar núcleos que operavam orçamentos à margem do Planalto.
Dilma sabe que será julgada no final do governo pelo que havia prometido. Precisa corroborar a imagem de mulher forte e capaz de entregar obras. Tirar do caminho ministros incompetentes e/ou corruptos é imperativo de gestão, não só conveniência de marketing.
Quanto a Lula, a "faxina" pode até lhe corroer a popularidade. Mas o custo é baixo. O mito do "gênio do entendimento" sai revigorado. Todo político ou empresário desgostoso passa a girar na órbita dele.
A vaidade humana costuma pregar peças. O roteiro, porém, não prevê colisão entre criador e criatura.

coluna de 22.ago.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Desenho colorido

As decisões de Dilma Rousseff levam duas marcas: ampliam o já fabuloso poder da Presidência e ignoram, quando não afrontam, convenções da política.
Sozinha, ou ladeada de poucos assessores de confiança _que, entre o entusiasmo e a resignação, batem continência_, a presidente faz só o que quer e do jeito que quer.
Montou uma equipe sem luz própria. Confiou o BC a funcionários de carreira sem "projeção no mercado". Na Casa Civil, trocou um veterano da política por alguém "que nem sequer conhece Brasília".
O desenho é propício para que Dilma defina pessoalmente diretrizes e até detalhes dos programas de governo, como ficou claro na atabalhoada montagem do pacote de estímulo à indústria nacional.
Derrubados Antonio Palocci e Nelson Jobim, não há, no primeiro escalão, ninguém com trânsito nos outros poderes nem currículo para fazer contraponto à presidente.
O vice Michel Temer, craque em acordos e potencial foco paralelo de comando, foi escanteado de todas as principais decisões.
Nesse sentido, a articulação política, tão cara a Lula e a FHC, deixou de ser prioridade. Virou incômodo.
Dilma atropelou os protocolos quando bloqueou emendas parlamentares, demitiu suspeitos de corrupção nos Transportes e nomeou um diplomata de esquerda para a chefia das Forças Armadas. Não teve receio de alienar congressistas, políticos em geral e militares.
Uns admiram o empenho dela em fazer diferente. Outros questionam a obsessão pela microgerência e o alheamento à realidade extragabinete. Aqui e ali, começam a surgir as comparações com Collor.
O presidente corrido do cargo, porém, sucumbiu a uma outra Brasília. Há 20 anos, o Legislativo era símbolo da democracia recém-conquistada e contava com forças engajadas em melhorar a política.
O trunfo de Dilma é a ruína moral do Congresso, dos políticos em geral e, inclusive, de seu partido.

coluna de 8.ago.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br