segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Polícia montada

A leitura dos processos que envolvem políticos e estão em andamento na Justiça é devastadora para a Polícia Federal. Não apenas corrói sua imagem de eficiência, como também confirma seu sucateamento institucional.
Obtidos com exclusividade pela Folha, os documentos revelam que os inquéritos se arrastam menos por causa das manobras dos advogados dos parlamentares, como sugeria o senso comum, e mais por erros e omissões dos investigadores.
As apurações simplesmente não andam. Uma razão, agora se sabe, é que os delegados responsáveis são seguidamente trocados. Em um dos casos, no Maranhão, foram cinco titulares _e cinco anos sem ouvir o deputado suspeito, contatar testemunhas e produzir laudos.
Mais grave: as operações especiais, que ganham apelidos espirituosos e são trombeteadas como momentos de afirmação da polícia, não raro servem de pretexto para abandonar processos contra os políticos.
Um aspecto lamentável é que não parece haver no órgão apetite para reverter o quadro. Pelo contrário, a rota é de enquadramento e sujeição ao Planalto. O mesmo Planalto que veladamente opera para asfixiar a PF por meio do corte de verbas, do bloqueio de contratações, da contenção salarial (que leva quadros qualificados a procurar outras carreiras) e do gradual alienamento no preparativo dos grandes eventos (Rio+20, Copa-2014 e Olimpíada-2016).
A Presidência prefere a continência das Forças Armadas a depender de uma corporação que, por vezes, incomodou o governo anterior.
Há ainda, ninguém duvide, questões pessoais em jogo. Basta ver o destino dos policiais que desbarataram os "aloprados", prenderam o irmão de Lula, confirmaram o mensalão e provaram que a Casa Civil de Dilma fabricou dossiês contra tucanos. Encostados, afastados ou atolados em tarefas burocráticas, estão todos fora de combate.

coluna de 27.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Juro composto

A queda contínua dos juros, pela qual Guido Mantega tanto batalhou, paradoxalmente colocou o ministro contra as cordas.
Ao pactuar com o BC uma nova política monetária, o titular da Fazenda se firmou como figura de destaque no governo Dilma. Algo inédito para quem passou a era Lula relegado ao segundo plano mesmo em lances agudos da economia.
Essa guinada causou ciúmes e fez de Mantega um alvo. Daí para as denúncias foi um pulo. Não é coincidência que as fraudes na Casa da Moeda tenham vindo à tona agora.
Para piorar, o ministro tem dificuldades em lidar com os holofotes. Só o veio sádico de Dilma explica a ordem para que comentasse em público o escândalo na Casa da Moeda. Ele, claro, se atrapalhou. Admitiu ter nomeado o suspeito de corrupção, mas alegou que a escolha fora de terceiros. Usou a fisiologia como peça de defesa, credo.
Outro efeito do declínio dos juros é um racha programático na Fazenda. Alguns querem aproveitar o embalo e abrir a torneira do gasto público para aquecer a economia.
Mantega, que, devido ao risco inflacionário, prefere uma inversão mais suave, vê-se acossado até pelo principal auxiliar. Não à toa, Nelson Barbosa deixou de ser chamado para reuniões com o ministro.
Ainda mais deteriorado está o clima nos bancos públicos. Seus bilionários fundos de pensão precisam realocar os investimentos, já que a renda fixa vem perdendo apelo. Alas pró-Mantega e anti-Mantega se digladiam pelo poder de escolher novos negócios (ou negociatas).
E há o dilema da poupança. O tombo da Selic vai torná-la atrativa a um ponto quase insustentável. O governo pode diminuir a remuneração da caderneta ou ficar parado, forçando os bancos a estimular as outras aplicações (via redução das taxas de administração). Nessa guerra por uma decisão de bilhões de reais, quanto vale um ministro?

coluna de 20.fev.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Chave de segurança

O fim da greve dos PMs da Bahia e o início claudicante, porque sufocado, do levante no Rio podem dar a falsa impressão de que o problema está resolvido.
O vazamento das escutas telefônicas, que desnudaram tramas e crimes cometidos para dar visibilidade ao protesto, causou indignação no telespectador, não na tropa. Os sindicalistas perderam qualquer possibilidade de sensibilizar o público para suas reivindicações, mas não o respaldo da categoria.
Isso porque a questão salarial segue pendente. A disparidade chega a quase 200%: um soldado da PM ganha R$ 1.600 no Rio Grande do Sul, contra R$ 4.600 no Distrito Federal. A emenda constitucional (PEC 300) que cria um piso nacional não é apenas peça de chantagem. Trata-se de proposta legítima e fundamentada na realidade.
Também o calendário continua a favor dos sindicatos. Rio+20, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíada, os grandes eventos internacionais renovarão as chances de emparedar União e Estados.
Mais: os PMs não estão sozinhos no funcionalismo. Muitas categorias torcem para que eles façam um primeiro rombo no casco das finanças de Dilma. Policiais federais e agentes penitenciários, por exemplo, acompanham o caso com atenção.
E há as Forças Armadas. Por muito tempo, elas resistiram à ideia de patrulhar ruas. Hoje, muitos militares constatam que o combate à violência nas cidades pode representar uma oportunidade de sair da irrelevância e conquistar espaço orçamentário. Os PMs rebelados são bois de piranha nesse roteiro.
O Palácio do Planalto, que de início se meteu na crise apenas para tirar do sufoco um governador do partido da presidente, parece ter, com o passar dos dias, percebido os riscos potenciais. Não faz mais sentido se esconder na Constituição e tratar da segurança pública como problema exclusivo dos Estados.

coluna de 13.fev.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ocupe o tablet

Uma série de ressalvas pode ser feita à distribuição de tablets na rede pública de ensino. Mas a largada confusa dada pelo Ministério de Educação prejudicou o reconhecimento de aspectos positivos da iniciativa, vários também.
O edital de compra foi divulgado pelo governo sem alarde (na surdina?), enquanto Dilma oficializava a troca de ministro _e o setor tratava de discutir Haddad x Mercadante.
Mais: ao contrário do que havia sido dito, a licitação prevê tablets para professores, não estudantes.
Mais ainda: o projeto começa com amostra e orçamento enormes (900 mil unidades; R$ 330 milhões), porém sem roteiro pedagógico.
Ninguém sabe até agora qual sistema operacional prevalecerá _se o MEC ficará com dispositivos mais abertos ou recuará e cederá à Apple. Nem se haverá banda larga suficiente para conectar os aparelhos.
Os céticos lembram, por fim, dos boletins pouco animadores do Um Computador por Aluno. Continua no caixote parte dos 150 mil laptops do plano lançado na gestão Lula.
Ainda assim, parece míope condenar de saída e por completo ideia tão afinada com demandas do tempo _internet, inglês e matemática.
O futuro é o software. A meninada precisa conviver com tabuleta, computador, celular. Desmontá-los e destruí-los, para dominá-los.
Do ponto de vista do ensino, os tablets, no mínimo, ajudarão a uniformizar o currículo. Hoje, os conteúdos oscilam segundo humores e precariedades de cada escola.
Com as aulas detalhadas e catalogadas no portal do MEC, um clique no aparelho permitirá aos pais (e prefeitos, vereadores etc.) monitorar as classes e conferir seu ritmo.
A novidade também resultará em política mais transparente e barata de compra de material didático. A oferta de livros tenderá a crescer.
Haverá, claro, dispersão. Mas ela não deixa de ser instrutiva. Games, Facebook e Twitter para todos.

coluna de 06.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br