sábado, 30 de maio de 2009

Em defesa das CPIs

O bombardeio que procura desqualificar as CPIs está a serviço de um governo que desdenha do Legislativo e, entre outros vícios, peca pela soberba _confia que será situação para sempre.
As CPIs são um importante fórum de debate, talvez o único de que hoje dispõem o Congresso e a oposição para se contrapor ao arsenal propagandístico do Executivo.
Fossem as comissões tão inúteis, despropositadas ou mero palanque para políticos decadentes _versões que aquela mesma máquina de propaganda difunde_, não seriam feitas tantas reuniões de emergência com o intuito de barrá-las nem manobras tão acintosas para garantir integrantes de confiança. Elas murchariam sozinhas, não?
Erra, também, quem afirma que as CPIs sempre acabam em pizza. Mesmo as mais contestadas ou folclóricas têm dado contribuições.
Instalada por causa da crise nervosa de Ronaldo Fenômeno na Copa de 1998 (!!!), a CPI da Nike acuou os cartolas a tal ponto que galvanizou o fim do passe, a criação de um estatuto de direitos do torcedor e a adoção de uma fórmula justa (e permanente) para o principal campeonato nacional. Incipiente? Só para quem não vive o futebol.
Sem a CPI do Apagão, a Anac estaria ainda mais à mercê do duopólio aéreo. O recente e tão aplaudido "rapa" de apaniguados políticos na Infraero não teria sido possível.
A CPI dos Grampos? Revelou o mercado paralelo de escutas, expôs a falta de rigor técnico e de controle institucional de trabalhos da PF e colocou o Judiciário na berlinda.
Quanto à Petrobras, a CPI prestará um enorme favor, inclusive ao governo federal, caso jogue luz sobre os grandes contratos e o modelo de negócios do petróleo _o Planalto está entre os que se queixam da falta de transparência da estatal.
E, ainda que sucumba ao sabido despreparo (ou à inapetência) dos senadores, a comissão já diminuiu a chance de uso eleitoral da empresa no ano que vem. Não é pouco.

coluna de 29.mai.2009

melchiades.filho@grupofolha.com.br

terça-feira, 26 de maio de 2009

Separação de corpos

A Câmara deu um passo relevante ao aprovar o projeto de emenda constitucional que facilita o divórcio, e não apenas pelo interesse que o assunto desperta ou pelo avanço que o texto representa. Depois de muito tempo, o plenário votou algo que nasceu e foi burilado dentro do Congresso, sem a intervenção direta do Planalto.
Desde 2001, as medidas provisórias enviadas pela Presidência dominam a pauta, quando não bloqueiam totalmente os trabalhos do Legislativo. No Senado, elas trancaram 70% das sessões deliberativas no segundo mandato de Lula.
Quando o Congresso esboçava alguma agenda própria, ela logo sucumbia à ditadura das MPs e acabava na gaveta. A Câmara tem hoje 2.000 projetos prontos para votar.
Aos plenários restou chancelar as vontades do governo ou entreter as câmeras de TV. Comissões temáticas perderam sentido. Audiências públicas passaram a ser realizadas só para reunir velhos conhecidos.
A situação chegou a tal ponto que, em dezembro, o presidente da Câmara se espantou ao notar que uma comissão apreciaria um projeto que ele mesmo havia redigido dez anos antes _e do qual nem ele se lembrava.
(Não à toa, as duas Casas se tornaram descartáveis até para lobistas, mais atentos à Casa Civil, de onde são disparadas as MPs.)
Em março, porém, achou-se uma saída jurídica: somente a pauta das sessões ordinárias seguirá trancada pelos decretos presidenciais.
Não seria prudente depositar demasiada esperança no sprint "autoral" de um Congresso cujos líderes fizeram carreira política em submissão ao Planalto _para não falar na ausência de resposta digna do nome aos escândalos recentes.
Eles próprios hesitam em fazer uso do novo entendimento, apesar dos sinais de endosso do Judiciário.A reforma política, por exemplo, prossegue no vai não vai.
Mas o sucesso da PEC do divórcio de certo modo levantou o teto do Legislativo, e isso é um avanço.

coluna de 26.mai.2008

melchiades.filho@grupofolha.com.br

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Efeito colateral

Enfrentar o câncer com determinação e naturalidade pode servir de inspiração a muita gente. Mas o Planalto comete um erro quando, também para aquietar aliados e adversários, martela que a workaholic Dilma Rousseff irá manter intacta a pesada agenda de trabalho durante o tratamento.
Melhor seria deixar em aberto a possibilidade de a ministra se afastar eventual ou mesmo temporariamente da Casa Civil e da campanha para encarar a quimioterapia.
A insistência no mito da mulher-de-ferro tem um efeito colateral: qualquer mudança no visual de Dilma, alteração de última hora em sua programação ou mal-estar devido aos remédios causa uma comoção maior do que a razoável e precipita rumores de que a candidatura está comprometida.
Reservadamente, até governistas que fazem o discurso do otimismo já se agitam em torno do "Plano B".
Sabem que Dilma terá de enfrentar mais dois meses de sessões _mais dois meses de indisposições, de ausência nos palanques e de especulações em torno de sua saúde.
E sabem que, dado o estilo de comunicação adotado até aqui, será mais difícil convencer eleitores e principalmente políticos da viabilidade da candidatura quando a ministra encerrar o tratamento. Os marqueteiros terão de lidar com a desconfiança de que estão escondendo algo. Ou subestimando as chances de uma recidiva do câncer.
Por enquanto, Lula não só matou no peito a inquietação dos aliados como manifestou disposição de dobrar a aposta. "Quanto [ela] mais trabalhar, melhor", disse ontem.
A bem da verdade, seria estúpido autorizar uma operação de desembarque neste momento. Não há um "B" para o "Plano B". E o "Plano A" não parou de subir nas pesquisas.
Em meio a tantas dúvidas, resta só uma certeza: a candidatura de Dilma foi invenção de Lula; sua eventual substituição será outra.

coluna de 22.mai.2009

melchiades.filho@grupofolha.com.br

terça-feira, 19 de maio de 2009

O drible do elástico

O potencial de estrago de uma CPI da Petrobras não depende fundamentalmente dos esforços da oposição nem das suspeitas que pairam sobre a empresa, mas, sim, da decisão do Planalto de continuar ou não a testar a paciência do PMDB, motivo de luta fratricida na base governista no Senado.
Depois de ter acomodado todas as lideranças peemedebistas na máquina federal, Lula sentiu-se à vontade para dispor do aliado como há tempos dispõe de seu próprio partido: sem pedir licença.
Veio de Lula o sinal verde para a candidatura dos petistas Tião Viana à presidência do Senado e Ideli Salvatti à Comissão de Infraestrutura.O Planalto julgava que Renan Calheiros estava morto _ou que não reagiria, agradecido pela operação que lhe salvou o mandato.
Lula não fez restrição, muito pelo contrário, quando o funcionalismo ligado ao PT respondeu à demonstração de força de Renan (o triunfo de José Sarney e Fernando Collor nas votações acima citadas) com denúncias de mau uso das verbas de apoio ao trabalho parlamentar.
O rapa de comissionados na Infraero, que vitimou parentes e amigos de senadores do PMDB, recebeu o endosso prévio do Planalto.
Assim como têm a bênção de Lula as manobras em curso nos Estados para ampliar a presença petista no Senado na próxima legislatura (a linha de frente de defesa de Dilma ou de combate a Serra). Mesmo que à custa de peemedebistas: Fernando Pimentel ou Patrus Ananias para a vaga de Minas hoje com Wellington Salgado; Benedita da Silva ou Lindberg Farias para a cadeira do Rio hoje com Paulo Duque etc.
O presidente sabe que, caso não eleja o sucessor, restará o PT para fazer a defesa irrestrita de seus oito anos de governo _e atazanar a vida do vitorioso. Por isso, aliás, não descarta escalar seu assessor mais próximo para o comando da legenda.Por isso, em resumo, põe à prova a elasticidade do PMDB. A CPI dirá se o elástico estourou.

coluna de 19.mai.2009

melchiades.filho@grupofolha.com.br