sábado, 9 de junho de 2007

Juros por Deus

Por muito tempo, o pequeno e o médio empreendedores evitaram tomar dinheiro emprestado. O risco de cair refém da ciranda de juros era alto demais. Para viabilizar os investimentos e suportar os trancos, fazia-se caixa.
Essa situação começa a mudar.
Primeiro, devido a uma pressão externa. A abertura das fronteiras, não só do Brasil, expõe a empresa a uma competição feroz. O dono é forçado a apostar no negócio. E, como inovação e produtividade não vêm de graça, ele gasta o que tem e sai em busca de capital.
Segundo, por causa da estabilidade da economia e da queda contínua dos juros, ainda que no ritmo paquidérmico imprimido pelo BC.
O BNDES registrou no primeiro quadrimestre uma explosão nas linhas de crédito destinadas às pequenas e médias empresas. Numa delas, a oscilação, ante o mesmo período de 2006, bateu em 140%.
Em muitos bancos privados, os empréstimos para essa faixa já crescem mais do que os para grandes empresas e pessoas físicas.
Os efeitos dessa corrida por financiamento deverão ir além do despertar de "animais capitalistas".
Os bancos se modernizaram. Não existe mais o gerente que autoriza o empréstimo só por conhecer o tomador. As precondições estão planilhadas. Dificilmente terá acesso a crédito barato a empresa que subestima o faturamento, maquia o balanço descaradamente ou cuja receita contradiz as despesas.
Haverá, portanto, um enorme incentivo à regularização dos pequenos e médios negócios e, de certo modo, da mão-de-obra também. Aliado ao impacto da Lei Geral, que facilitará o recolhimento de impostos a partir de julho, isso provavelmente resultará em novos recordes de arrecadação pelo Tesouro.
O governo conta com isso para pagar os planos para educação, segurança e saúde, levianamente anunciados sem lastro da Fazenda.
A queda dos juros virou a grande arma política do segundo mandato.

coluna de 08.jun.2007

mfilho@folhasp.com.br

terça-feira, 5 de junho de 2007

O reino Tão, Tão Distante

Sátiras políticas, referências a questões globais, menções a celebridades, metalinguagem. A indústria do desenho animado pega pesado para entreter o pai que é arrastado ao cinema.
Veja, por exemplo, uma rápida cena de "Madagascar" (2005), sobre a viagem de animais do zôo de Nova York à África. O chefe dos pingüins que tomaram o comando de um navio se vira para um subalterno e ordena: "Assuma, Kowalski!".
O que, para a criança, não passa de um punhado de consoantes, para o adulto criado defronte à TV, é gatilho de gargalhadas. A menção ao marujo coadjuvante de "Viagem ao Fundo do Mar" faz esquecer a tola meia hora anterior. "Ah, esse filme foi feito pra mim!", o sujeito vibra.
O estúdio vibra mais. É crucial estabelecer contato com aquele que pagará, além do ingresso e da pipoca em volume bestial, os brinquedos, o DVD e demais derivados.
Por isso o enredo é cada vez mais relegado ao segundo plano, como em "Shrek 3", que estréia na semana que vem e será programa obrigatório de férias do pai que puder encarar a bilheteria dos multiplexes.
Na penúltima edição da revista "New Yorker", David Denby lamenta a opção pela colagem de sarcasmos e reclama a volta das borboletas, anõezinhos e fadas bondosas.
O novo milênio é mais cruel que as madrastas tirânicas e as bruxas traiçoeiras da era de ouro da Disney, conclui o crítico, pois sonega o faz-de-conta. Meninos de sete anos são tratados como adultos.
Algo similar ocorre na política no Brasil. As questões de fundo, institucionais, o debate do bem público, o resguardo da lei e a defesa da democracia estão hoje fora do roteiro. O jovem eleitor é apresentado ao escracho antes do sonho, à paródia antes da informação.
E lá vem piada pronta, tosca. Taras de senador, cervejinhas de governador, picanha no pescoço, ponto G... Um filme cujo final só é feliz para grosseirões como Shrek.

coluna de 05.jun.2007

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Amizade colorida

À base da simples camaradagem, da troca de favores e da fama de não descumprir acordos, Renan Calheiros construiu uma rede de alianças tão extensa que, para o governo de plantão, é mais fácil tomá-la emprestada do que construir outra do zero.
Como mostrou a maciça vitória na reeleição à presidência, o alagoano tem poucos adversários e nenhum inimigo declarado. É um Marco Maciel sem inibidor de apetites.
O Senado nada tem a ver com a Câmara. Não costuma abraçar estridências, sobretudo em razão do currículo de seus integrantes. Ex-governadores, ex-ministros e até ex-presidente levam à mesa de negociação a expertise de décadas no Executivo _o lado que importa do balcão. Ninguém ali gasta saliva à toa.
Não é da natureza de uma Casa com esse perfil lançar aos leões um dos seus. Corporativismo, complacência e fidalguia se misturam e se impõem nas situações de crise.
Além disso, como ingrediente extra, mas não menos relevante, há o dedo em riste do Planalto.
Foi Renan quem escreveu o primeiro capítulo da parceria com o PMDB. E foi Renan quem montou o bunker pró-governo no Senado.
Não que Lula se sinta impelido a retribuir os favores, como podem atestar Nélson Jobim e Aldo Rebelo. Mas é importante para ele não desmanchar por completo a tenda armada no primeiro mandato e não correr o risco de um novo Severino.
Ademais, não é nada mau negociar com um presidente do Senado pouco arisco, fraco, incapaz de cobrar alto pelos serviços prestados.
Não há desejo declarado de sangue, em resumo. Mas nada que permita ao alagoano dormir tranqüilo.
A política é uma disputa, muitas vezes violenta, por espaços. Nesse sentido, a ascendência de Renan já é, em si, um incômodo. A rigor, todos, os mais e os menos próximos, torcem pela manchete-guilhotina.
O senador fez bons amigos, mas os negócios, por aqui, são à parte.

coluna de 01.jun.2007

mfilho@folhasp.com.br