quarta-feira, 28 de novembro de 2007

PTV

A oposição não vai perder a oportunidade de carimbar a nova rede de televisão como uma emissora a serviço do PT. Antes de tudo, porque as ocasiões para fazer barulho têm rareado _o valerioduto mineiro pôs em xeque o discurso da ética, por exemplo. Mas, principalmente, porque a condução do projeto não tem sido mesmo marcada pelo "espírito público" de que tanto falam seus defensores.
A idéia da TV Brasil, com estréia marcada para domingo, não surgiu de compromissos firmados em campanha nem de antigas convicções. Nasceu de um ataque prosaico de irritação do presidente Lula com a cobertura na grande imprensa do escândalo dos "aloprados" do PT na reta final do primeiro turno.
Tanto que, de tão abrupta, a decisão acabou encaminhada na forma de (mais uma...) medida provisória, sem estender aos parlamentares o debate para qual o governo havia antes convidado somente especialistas e puxa-sacos de plantão.
Pior 1: a relatoria do texto foi entregue a um deputado petista.
Pior 2: na hora em que outros partidos esboçavam colaboração, por meio de emendas, o Planalto travou a tramitação do decreto _e de todo o trabalho legislativo_ até que seja selado o destino da CPMF.
Enquanto isso não acontece, a medida provisória permitiu à Presidência nomear o conselho que deverá zelar pela independência da TV. Não por acaso, a montagem obedeceu ao conceito Ipea de pluralismo: plural só no número de contratados.
Por fim, há o modelo de negócio. Ainda que o governo prometa repasses automáticos, o fato é que a emissora ficará a reboque de verbas controladas pelo presidente (Orçamento e patrocínio de estatais).
Sem ouvir o Congresso, dar assento a não-alinhados e tornar mais evidente a fonte de recursos (taxar o assinante de canais a cabo, por exemplo), fica difícil sustentar essa TV como "produto e instrumento" da construção democrática.

coluna de 28.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 24 de novembro de 2007

Teoria da gravidade

Não faltaram justificativas para o ritmo tedioso com que evoluíram as novelas CPMF e Renan Calheiros. Algumas delas: 1) contemplar os pleitos da base aliada, ou mesmo tomar nota deles, demanda tempo; 2) não se arranja voto entre os adversários da noite para o dia; 3) a oposição aposta que, arrastando as coisas, o PT se desgastará com os parceiros de coalizão; 4) prolongar a negociação é um jeito de arrancar contrapartidas do governo; 5) temas polêmicos rendem aparições nos telejornais.
Uma a uma, porém, essas explicações perderam fôlego ou sentido ao longo desses seis meses de agonia.
O toma-lá-dá-cá avançou, o mapa das dissidências praticamente fechou, os partidos já se (des)entenderam, o Planalto soltou o pacote de "bondades", a TV cansou dos comentários.
Ainda assim, tudo continua engasgado. Os oposicionistas não param de inventar manobras protelatórias. E os governistas reagem com menos apetite do que se podia prever. Já tem gente falando em desfechos só no ano que vem!
O embaço é tanto que provoca desconfiança: talvez seja útil a ambos os lados manter o suspense.
O imposto do cheque e a sucessão no Senado, afinal, têm funcionado como uma espécie de buraco negro do debate político. Da corrida por 2010 ao tombo de Walfrido, Azeredo & Sócios, tudo acaba tragado.
Como ficou claro na convenção do PSDB encerrada ontem, a oposição parece não ter nada melhor para sugerir à pauta. CPMF e Renan são, assim, um passatempo proveitoso.
Para o governo, mais que isso. Um noticiário focado nesses dois temas (importantes, mas chatos) é um noticiário menos focado nos aumentos da comida, do cimento e do gás, no recorde da remessas de divisas, no atraso das usinas do Madeira, na interrupção da queda de juros, na volta do desmatamento da Amazônia, na explosão da dengue, na crise aérea que não termina, no fato de que o primeiro ano de Lula 2 não aproveitou o embalo oferecido pelas urnas em 2006.

coluna de 24.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Velha jovem guarda

Os pré-candidatos tucanos fecham o primeiro ano de governo sem ter o que celebrar em público. José Serra não imprimiu uma marca a sua administração, e Aécio Neves contentou-se em requentar o discurso do choque de gestão do primeiro mandato.
No cenário nacional, os dois só não repetem por falta porque deixaram digitais em algumas operações subterrâneas, como a sucessão da Câmara, a CPMF e o lamentável trator contra a CPI do Corinthians.
É pouco, frustrante até, podia-se dizer, não fosse o fato de que essa cautela toda era mais que previsível. A expectativa em torno do nome do PSDB na cédula é tão grande, e a disputa interna tão acirrada, que Aécio e Serra são como elefantes em uma loja de cristais. Não arriscam o movimento em falso.
A surpresa de 2007 é que governadores da nova safra também tenham optado pelo recolhimento.
Jaques Wagner (PT-BA) alega que atolou na tarefa de desmontar a máquina carlista. Mais provável é que não saiba o que fazer para evitar que o PMDB assuma a melhor parte do espólio.
Montado em naco gordo do PAC, Eduardo Campos atua de olho em 2014/18. Será que sonha ser colega de chapa e sucessor de Lula 3º? Ele só se ausentou de Pernambuco para cimentar o controle sobre o PSB e monitorar as ações do correligionário-e-futuro-rival Ciro Gomes.
Aliás, o ano mostrou que, sem antes considerar o impacto sobre os projetos do irmão, Cid Gomes nada falará _dentro ou fora do Ceará.
Teotônio Vilela Filho (PSDB) deve demorar mais um tanto para transpor as ruínas de Alagoas e do "embaixador" Renan Calheiros.
E Marcelo Déda pareceu satisfeito em representar Sergipe nos fóruns sempre inconclusos do PT.
O carioca Sérgio Cabral (PMDB) foi o único que abriu o bico e lançou debates, ainda que por vezes tenha enfiado o pé na jaca. O resto da jovem guarda passou a vez. Seu silêncio pode ser tático, circunstancial ou sinal de pura inexpressão.

coluna de 21.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Bongue-bongue

Até agora, a CPI das ONGs apenas requentou denúncias e açoitou cachorro morto _caso da Funasa, ex-zona de influência de Renan Calheiros. Mas é enorme o seu potencial de dano.
As irregularidades no Terceiro Setor são tantas que não é difícil pinçar uma que sirva a propósitos eleitorais. Recente blitz do TCU só aprovou dois de 28 convênios.
Além disso, o Planalto não está parado, à espera das pedradas. Os contratos de 1999 a 2006 foram varridos para reunir exemplos que constranjam também os inimigos.
Vai ser interessante acompanhar essa dança de golpes e blefes.
Melhor ainda se, além do tiro ao alvo no campo das reputações, a CPI aceitar debater os rumos que a administração pública vem tomando.
A participação das ONGs não pára de crescer. O governo federal calcula ter repassado R$ 20 bilhões entre 2002 e 2006 (o equivalente a dois anos de Bolsa Família).
Um problema é que essas relações estão pouco normatizadas. Não existe em lei uma definição clara de ONG. Não há critérios para a escolha de contratos nem protocolos de fiscalização.
Diante dessa ausência de regras, os convênios viraram um "fast track" para obras sociais importantes. Mas, ao mesmo tempo, acolheram toda sorte de picaretagem _para burlar licitações, concursos e auditorias e para acolher a militância que não se empregou no governo.
Há outro aspecto, mais de fundo, que a CPI também podia discutir. Ao privilegiar os "ongueiros", o governo terceiriza seus deveres, dilui as responsabilidades e abdica da interlocução com a sociedade.
O país tem, ao mesmo tempo, 9 milhões de desempregados e escassez de mão-de-obra qualificada. Culpa de sindicatos e entidades associadas a quem são repassados zilhões para treinar trabalhadores?
Quando o convênio fracassa, nos métodos ou resultados, o eleitor não tem a quem reclamar. O Estado ausente é também conveniente.

coluna de 14.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 10 de novembro de 2007

O desafio supremo

O protagonismo político do Judiciário não é artificial nem foi construído em 2007. É um erro, portanto, atribuí-lo somente à vaidade de ministros e juízes ou ao ano lamentável do Congresso.
Foi a redemocratização do país que apresentou ao brasileiro aquele que costumava ser chamado de Terceiro Poder _hoje, "vice-líder".
Divórcios, direitos do consumidor, lei do inquilinato, ações trabalhistas, aos poucos os tribunais passaram a fazer parte do exercício da cidadania. Entre o caminho judicial e o lobby parlamentar, os principais atores da economia não hesitam em apostar no primeiro.
Não à toa, explodiram os números de varas e processos. A aceleração das curvas de gastos, obras e pessoal do Judiciário deixa no chinelo as do Executivo e do Legislativo.
Se a vida cotidiana foi "judicializada" a tal ponto, nada mais natural que a política também fosse.
Com efeito, o Supremo só veio a arbitrar questões nevrálgicas para partidos e governo (imposição da fidelidade e a extensão para o funcionalismo da lei de greve da iniciativa privada) porque foi acionado.
Há, claro, o risco do encanto com os holofotes. Tome-se o caso da ministra do STJ que, atipicamente, fez questão de ouvir todos os depoimentos do escândalo da Navalha _rigor não observado quando ela assinou as prisões, que policiais e procuradores se esforçam até hoje para validar. Ou o da indignação-para-a-TV-registrar no STF sobre o ex-governador da Paraíba.
Mas estrelismos como esses não são suficientes para condenar o Judiciário por buscar sintonia com a sociedade. A abertura é boa, inclusive para atualizar a jurisprudência.
Resta saber se as cortes superiores estão de fato dispostas a levar essa guinada adiante. Em algum momento, ela deverá impor um paradoxo. Faz sentido praticar o "Direito das ruas" e manter resguardos pré-republicanos, como a vitaliciedade dos cargos? Os ministros vão aceitar mandatos fixos?

coluna de 12.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Horário de Brasília

O procurador-geral deve ter razão quando frisa que o "tempo das investigações" não é o mesmo do da imprensa, para justificar a demora das denúncias que dizem respeito ao ministro Walfrido dos Mares Guia (valerioduto mineiro) e ao ex-e-talvez-futuro-ministro Silas Rondeau (Navalha).
Seria interessante se ele pudesse comentar também a coincidência entre o "tempo das investigações" e o da tramitação da CPMF.
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O Planalto não queria nada com a emenda 29, que normatiza repasses ao setor da saúde. Mas ficou tão satisfeito com o projeto que passou na Câmara, "equilibrado do ponto de vista fiscal" (leia-se, barato), que agora pede pressa ao Senado.
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Ainda não está claro por que o governo fechou tão rapidamente um pacote para oferecer ao PSDB. A votação da CPMF, afinal, não deverá ocorrer em menos de um mês.
Uns acreditam que o Planalto, ao estender o prazo para que a oposição encaminhe mais pleitos, não fez senão revelar seu desespero.
Outros dizem que o objetivo foi, uma vez costurado o acordo, dar tempo para que os tucanos inventem um discurso desaforado para embromar a arquibancada.
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No momento em que a CPMF entrou na reta final, e a grande indústria lança as últimas cartas para tentar implodir o imposto, o governo sacou do nada a idéia de desonerar a arrecadação do Sistema S, tão caro aos sindicatos patronais.
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Já se passaram dois meses desde que a denúncia do mensalão virou ação criminal. Mas o STF, que não hesita em puxar a orelha alheia, não moveu uma palha desde então. Nem a publicação do acórdão saiu.
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À medida que as investigações da crise aérea escarafuncham as contas-que-não-fecham da Infraero, ganha fôlego e apoio dentro do Planalto a idéia de privatizar a estatal.

coluna de 07.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 3 de novembro de 2007

Concorrência brutal

O relatório da CPI do Apagão Aéreo traçou o roteiro do crime: 1) quadrilha com influência e/ou ramificação no governo inclui obras na lista de projetos do Executivo ou toma conhecimento prévio deles; 2) dá um jeito de ampliar as exigências técnicas da licitação com o objetivo de alijar a maioria dos concorrentes potenciais (no caso da Infraero, o número caía de milhares para uma dúzia); 3) negocia o preço (superfaturado) da obra com os escolhidos em troca de comissão; 4) usa a propina supostamente em campanhas eleitorais.
Não é coincidência que um projeto de lei legitimador desse mecanismo tenha chegado ao plenário simultaneamente ao texto da CPI. O objetivo foi reunir no mesmo time os que tentam poupar Carlos Wilson & Cia. das investigações da Infraero _sobretudo impedindo que eles esclareçam se havia ou não um braço mensaleiro na estatal_ e os que simplesmente buscam perpetuar os vícios nas concorrências.
O projeto em discussão no Senado estabelece justamente o contrário do que pretendia o relator, Eduardo Suplicy (PT-SP). A idéia original previa, primeiro, selecionar o vencedor pelo orçamento mais baixo e, depois, conferir se ele teria condições técnicas para tocar a obra.
A fim de peneirar aventureiros e antecipar batalhas judiciais entre candidatos (tentariam desqualificar uns aos outros antes da licitação, e não durante ou depois), poderia ser criado um cadastro prévio de fornecedores aos governos.
Além de eliminar gargalos, esse pacote fortaleceria a disputa de preço nas concorrências e coibiria acertos de contas antecipados.
Tudo isso, porém, acabou desvirtuado ao longo da tramitação.
O relatório da CPI sucumbiu ao trator do Planalto (houvesse mirado também em gestões anteriores à de Wilson, o desfecho poderia ter sido outro). Cabe agora ao Senado, que só faz adiar a prometida volta por cima pós-Renan, resgatar e garantir os avanços do projeto de lei.

coluna de 03.nov.2007

mfilho@folhasp.com.br