quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Barra transversal

Aos aliados que ficaram insatisfeitos com a distribuição dos ministérios do futuro governo, um alerta: não convém esperar nomeações no atacado agora.
Dilma Rousseff vai se aproveitar do fato de que se trata de uma administração de continuidade para abrir as "torneiras" do segundo escalão com parcimônia.
Primeiro, porque isso tende a diminuir/diluir as pressões dos partidos. No varejo, a barganha fisiológica geralmente fica circunscrita a quem ocupa o posto e a quem a Presidência deseja nele instalar. Daí, por exemplo, o adiamento da troca na cúpula do Banco do Brasil.
Essa blindagem se dará sobretudo nas áreas que a presidente considera mais estratégicas. A pasta dos Aeroportos ainda não foi criada por essa razão _e não pelo receio de caos aéreo nestas férias, como o Planalto espalha. Dilma não quis correr o risco de ter de entregar o projeto de privatização do setor, ao qual ela se dedicou durante anos, a um político desconhecido e, principalmente, de fora do PT.
O segundo motivo para não fazer mudanças rápido é o paradoxo do primeiro: esses cargos poderão ser úteis ao Planalto para corrigir desequilíbrios na coalizão e garantir apoio em votações polêmicas no Congresso. O prometido Ministério da Microempresa sairá do papel quando conveniente a esse xadrez.
Terceiro, Dilma é fervorosa defensora de modelos transversais de gestão. Acha que as repartições costumam olhar o próprio umbigo e ignorar as prioridades do governo. Na Casa Civil, ela montou uma rede de "informantes" nas estatais mais nevrálgicas. Por que na Presidência fará diferente?
Por fim, há o diagnóstico de que cautela não faz mal. Muitos escândalos da era Lula eclodiram no segundo escalão _Erenice Guerra (tráfico de influência), Silas Rondeau (Navalha), Waldomiro Diniz (bingos) etc. Quanto menos nomeações agora, menores as chances de denúncias na largada do governo.

coluna de 23.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Muito agradecida

É cedo para fazer um prognóstico do time de ministros de Dilma Rousseff. O sucesso do primeiro escalão depende dos planos da Presidência, e, por ora, pouco ou nada se sabe deles. Já dá, no entanto, para arriscar uma leitura política da montagem do governo. Maldosa ou não, Dilma asfixiou os principais aliados eleitorais, PMDB e PSB, e optou pelo próprio partido.
O PT emplacou:
* Todo o núcleo-duro político do Planalto (Casa Civil, Secretaria-Geral e Relações Institucionais);
* O comando da área econômica, com Fazenda e Planejamento;
* Os ministérios "cartões de visita", que concentram programas de muito apelo popular _Educação, Saúde e Desenvolvimento Social;
* O controle hierárquico sobre os órgãos "policiais" (PF e Receita);
* Secretários-executivos de confiança em pastas sob direção de outras siglas, como Minas e Energia;
* O maior volume de recursos sobre os quais os ministros terão poder de decisão em 2011 -R$ 56 bilhões, 34% a mais que em 2010.
Já o PMDB, que no governo Lula dispunha de fatia equivalente à do PT, perderá 35% de verbas. O PT tomou-lhe a Saúde e as Comunicações, repartições de importância política e orçamentária. Deu em troca a Previdência e o Turismo. Ai.
Ao PSB Dilma reservou o mesmo tratamento de PR, PDT, PC do B e até de uma legenda que nem integrou a chapa dela na eleição, o PP: todos ficarão com o número de ministérios que tinham sob Lula.
Além disso, os ministros extra-PT são discretos ou desconhecidos _a exceção é o peemedebista Nelson Jobim (Defesa). A tropa petista, por sua vez, traz vários nomes com trânsito na imprensa: Antonio Palocci, Zé Eduardo Cardozo, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante...
A presidente "gestora", como se vê, fez, na largada, uma aposta política. O senão é que a equação não fecha. Privilegiar o PT num Congresso com 22 partidos? Talvez a reforma política venha pra valer.

coluna de 22.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

A batalha do mensalão

Não foi casual o aviso de Lula de que, fora da Presidência, vai se dedicar a desmontar a "farsa do mensalão". Nem a omissão do escândalo (e da grave crise política que ele causou) nas 2.200 páginas dos seis volumes que fazem o balanço oficial dos oito anos de seu governo. Tampouco o doce regresso de José Dirceu ao Planalto, para o ato festivo que lançou os livros.
Lula sabe que o PT terá pela frente um ano decisivo. E não só porque precisará lidar com Dilma Rousseff, uma presidente ausente da história e alheia ao cotidiano do partido.
Em 2011, enfim, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar 38 denunciados pelo esquema de compra de apoio político no Congresso.
Mas não é só a "pessoa física" de José Dirceu que estará no banco dos réus. Ou de Paulo Rocha, João Paulo Cunha e dos demais petistas que respondem a acusações como formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas.
O julgamento do mensalão no STF reabrirá as feridas que o segundo mandato de Lula conseguiu fechar. O noticiário voltará a tratar do caso. Adversários e falsos aliados, hoje intimidados, não deixarão de tirar casquinha _e não de Lula, que sairá com taxas recordes de prestígio e popularidade, mas do PT.
Além disso, é improvável que o tribunal, em plena era do "Ficha Limpa", encerre os trabalhos sem produzir nenhuma condenação.
O PT será a bola da vez, e daí a recaída de Lula _ele, que já se disse "traído pelas práticas inaceitáveis" e "indignado pelas revelações".
Como não pode partir para cima dos ministros do STF, resta agora ao presidente (e ao PT) negar de todo modo os crimes, ressuscitar a tese do "golpismo", reabilitar envolvidos e, sobretudo, desqualificar a imprensa: é urgente, ao menos, influir na narrativa do julgamento.
Se a descoberta do mensalão foi o divisor da era Lula, o desfecho do escândalo tem tudo para ser um marco na trajetória do PT e também no debate do "controle da mídia".

coluna de 21.dez.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br