quarta-feira, 30 de julho de 2008

Curva de indiferença

É cedo para desacreditar o candidato "flex" forjado em Belo Horizonte, anunciar a redenção do carlismo em Salvador ou decretar em Recife a derrota da chapa que conta com o apoio do presidente, do governador e do prefeito.
As mesmas pesquisas que suscitam o "já ganhou/perdeu" mostram que nas capitais o eleitor ainda não se interessou pela eleição.
Quando o Datafolha aplicou a questão "Em quem você vai votar para prefeito" sem apresentar os nomes dos postulantes, ouviu "não sei" de 79% dos entrevistados em Belo Horizonte, 56% em Salvador e 58% em Recife. A maioria também não definiu o candidato em Porto Alegre (61%) e Rio (66%). Só em Curitiba (46% de indecisos) e São Paulo (43%) as campanhas mobilizam espontaneamente metade do eleitorado. (Nesse aspecto, dá para entender a "afoiteza" de Kassab, hoje distante de Marta x Alckmin.)
São as perguntas estimuladas que colocam Jô Moraes (PC do B), ACM Neto (DEM) e Mendonça Filho (DEM) na dianteira nas capitais de Minas, Bahia e Pernambuco. O que não surpreende. Os três largam com "recall" de eleições passadas.
Mas o céu é o limite em BH para Márcio Lacerda (PSB), com o respaldo do governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito Fernando Pimentel (PT) _e mais TV, dinheiro, militância atrelada à máquina etc. Em Salvador, a corrida ainda traz quatro nomes competitivos. Em Recife, como ignorar o chapa-branca João da Costa (PT) se ele já lidera na resposta espontânea?
Erra, por outro lado, quem superestima a "alienação" ou tenta vendê-la como novidade _e sai dizendo que o brasileiro se fartou de votações, se desencantou de vez etc.
Nas capitais monitoradas pelo Datafolha, a média aritmética do "não tem candidato" nessa época do ano foi de 62% em 2004 e de 58% em 2000. Agora? 58% também.
A campanha nem esquentou. Quem está aflito por notícias, precisa esperar um pouquinho mais.

coluna de 30.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 26 de julho de 2008

Piá curitibano

"Alô, dona Maria, aqui é da prefeitura. A senhora ficou satisfeita com a poda da árvore em frente à sua casa? E seu marido? Recebeu o remédio? Por favor, em nome do prefeito, dê parabéns à sua filha por ter passado de ano."
Numa era em que política, administração pública e atendimento ao consumidor dividem o pódio do descrédito, é difícil reagir com indiferença a um telefonema desse.
A Prefeitura de Curitiba tem à sua disposição um arquivo digitalizado com as queixas da população, fichas do serviço de saúde, ocorrências policiais, matrículas na rede de ensino e toda ação social e obra municipal, do tapamento de um buraco à troca de lâmpada de um poste.
Desenvolvido por uma empresa-ONG chamada ICI, o programa faz dez anos na semana que vem.
Mas foi na gestão do tucano Beto Richa, em 2005, que surgiu a maior novidade: uma sala de situação, com telões e computadores. Nela, pode-se estudar as demandas declaradas (reclamações) e consumadas (atendimentos) dos curitibanos, recortá-las por região e até mesmo individualizá-las. Em tese, basta clicar em um endereço para descobrir a relação de seus moradores com o poder público. Imagine só o potencial de telemarketing.
Os números incríveis de Richa no último Datafolha (72% de intenção de voto) no mínimo guardam relação com esse jeito "online" de governar _que, ressalte-se, dá ao Executivo a possibilidade de prescindir de um meio-campo (imprensa, associações de bairro, vereadores) e fazer ligação direta com o eleitor.
Por isso o cadastro eletrônico é uma ferramenta formidável de campanha também. Permite mapear carências e adequar promessas. Saber que ruas tomar ou evitar.
(Nas outras duas capitais que usam o software do ICI, Vitória e Teresina, os prefeitos igualmente são favoritos a um novo mandato.)
Alheia a isso tudo, a Justiça Eleitoral se preocupa em proibir vídeos de candidatos no Youtube...

coluna de 26.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Polícia desmontada

A Operação Satiagraha pilhou Daniel Dantas, atingiu a ante-sala de Lula, pôs em risco o maior negócio em gestação pelo governo no segundo mandato e identificou um esquema de leva-e-traz de divisas que remonta sabe-se lá a quando (e a quanto). Mas, por enquanto, o golpe mais incisivo da Polícia Federal foi contra si própria.
Ao revelar que sonegou informações da chefia, que gravou conversas com os superiores para se proteger, que foi espionado por colegas e que achou melhor formar um grupo de apoio com gente da Abin, Protógenes Queiroz não só expôs de maneira inédita as divisões internas da corporação como arranhou a imagem "republicana" que o órgão construiu meticulosamente nos quatro anos iniciais de Lula.
Justa ou não, a mensagem do delegado foi clara: não se deve confiar no primeiro escalão da polícia.
É um erro atribuir à varredura contra Daniel Dantas & Associados a origem da luta entre facções na PF. E reducionismo dizer que a corporação está dividida em duas alas, tentando dar contornos partidários ou ideológicos à fratura.
Basta lembrar a sucessão do diretor-geral Paulo Lacerda, em 2007. Três grupos sentiram-se fortes no governo petista para pleitear o cargo _nenhum deles associado a quem mandava na era tucana. Tão sangrenta foi a disputa que a Operação Octopus só decolou (e, com ela, o escândalo Gautama) porque ajudou a incinerar um dos candidatos.
Se o caldo entornou na PF neste ano, não foi só por causa de Dantas, mas da incapacidade (ou do desinteresse) de Tarso Genro de manter intramuros essa guerra. Não por outro motivo, o antecessor foi chamado a Brasília para palpitar.
Márcio Thomaz Bastos, porém, está ocupado com outro cliente encrencado (Eike Batista) e pouco poderá fazer desta vez. Para desmentir Protógenes e remendar a reputação, a cúpula da PF terá de abraçar e aprofundar o trabalho do delegado que a denunciou.

coluna de 23.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Haverá sangue

Enquanto a imprensa leva o assunto em banho-maria, escaldada pelo fiasco de comunicados festivos anteriores, outros personagens se movem nervosamente desde o anúncio de que há uma reserva gigante de petróleo e gás na camada pré-sal da bacia de Santos.
O Planalto informa que a Lei do Petróleo pode mudar e que a receita das novas perfurações financiará a criação de um fundo soberano.
O governo resolve reescrever a Lei dos Portos e facilitar a construção de terminais privados.
A oferta pública de ações de uma petroleira bate recorde histórico na Bovespa. O dono, Eike Batista, promete abrir o capital de uma empresa de logística portuária.
A disputa pela diretoria internacional na Petrobras vira o maior foco de atrito dentro da base lulista.
Voltam à tona denúncias antigas de ilegalidades por trás da cessão de terrenos no porto de Santos.
O Ministério de Minas e Energia, ocupado pelo PMDB, propõe que a Petrobras, comandada pelo PT, fique longe da nova reserva e sugere a formação de uma nova estatal.
O Brasil desengaveta o projeto do submarino nuclear (e das usinas também) e estabelece um leilão entre Rússia, França e EUA para definir seu novo irmão em armas.
Os EUA recriam a Quarta Frota para zelar pelo Atlântico Sul. Ainda que considerem a África ao mesmo tempo a "fronteira final" para investimentos e a "última barreira" à ameaça islâmica, avisam que o primeiro exercício do porta-aviões será próximo a águas brasileiras.
Governos, mercado, políticos, militares. Será tudo coincidência?
Há uma cena em "Sangue Negro" ("There Will Be Blood", 2007) em que o protagonista, um milionário do petróleo, celebra ter secado o campo do vizinho sem que este tivesse notado: "Enfiei meu canudinho e bebi todo o milk-shake dele".
A imagem talvez se aplique à descoberta de Tupi. Quem só acredita vendo pode ser surpreendido pelos que acreditaram antes de ver.

coluna de 09.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 5 de julho de 2008

Feitiço mineiro

Já existe faz tempo em Minas Gerais o consenso político que Aécio Neves e Fernando Pimentel tentam vender como novidade. Lamentavelmente, na forma de uma máquina suprapartidária de fraudes com dinheiro público.
Das 119 prefeituras investigadas no caso João de Barro, 114 são do Estado. Assim como os cinco deputados federais suspeitos de irrigar o esquema de superfaturamento.
As irregularidades começaram a ser apuradas depois que um relatório do TCU rejeitou as contas de 23 municípios no interior de Minas.
Várias cidades mineiras aparecem com destaque, também, nos três relatórios mais recentes da CGU sobre desvios em licitações.
Algumas delas foram o principal alvo da outra "maior operação do ano" da PF: a Pasárgada. Só dois dos 17 prefeitos detidos por suspeita de sumiço de recursos são de outros Estados.
Na casa de Carlos Alberto Bejani (Juiz de Fora), os policiais acharam R$ 1 milhão e gravações em que ele admite negociar propinas. Soube-se depois que o prefeito foi o beneficiário de R$ 750 mil dos R$ 4 milhões que Roberto Jefferson recebeu do caixa dois do PT para financiar candidatos do PTB em 2004.
A consultoria que, descobriu-se, corrompia tribunais de contas? Mineira. O braço da máfia dos sanguessugas ajuizado nesta semana pelo Ministério Público? Mineiro. Alguém aí falou em valerioduto?
Além da assiduidade no noticiário, dois detalhes chamam a atenção para Minas: 1) Em todas ilegalidades, há um condomínio de partidos (PSDB, PMDB, PT, PTB, PDT, PR, PHS...), nunca uma sigla isolada; 2) Não importa o escândalo, todos optam pelo silêncio conivente.
O entendimento é bom; a unanimidade, perigosa _ela anestesia o debate, a pressão, a fiscalização.
A Executiva Nacional do PT pode ter agido por outros motivos. Mas, ao impor limites ao acordão em Belo Horizonte e garantir um mínimo de fricção na política local, acabou fazendo um favor aos mineiros.

coluna de 05.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O sono dos gigantes

O balanço das convenções partidárias revela um PMDB apático, contente em encabeçar chapa à prefeitura em metade das capitais e com chances remotas em quase todas elas.
Em Belo Horizonte e Curitiba, não se pode dizer nem que quis marcar posição. Fosse essa a intenção, teria escolhido nomes com mais densidade eleitoral do que Leonardo Quintão (deputado federal de primeiro mandato) e Carlos Moreira (ex-reitor da UFPR).
José Priante, em Belém, e Raul Henry, em Recife, por enquanto não passam de limpa-trilhos de lideranças políticas em xeque (Jader Barbalho e Jarbas Vasconcelos).
Eduardo Paes e Gastão Vieira têm um alento. No Rio e em São Luís, a tela está em branco: eles não empolgam, e os outros tampouco.
Situação diferente de três peemedebistas que tentam um novo mandato. José Fogaça (Porto Alegre), João Henrique (Salvador) e Dário Berger (Florianópolis) têm rivais mais poderosos do que em 2004.
As únicas barbadas do PMDB são outros dois candidatos à reeleição: Nelson Trad, em Campo Grande, onde o partido costuma dar de lavada, e Íris Rezende, que convenceu o PT de Goiânia a entrar na chapa.
Alguém dirá, e com razão, que o PMDB sempre se deu bem ao priorizar cidades menores (o ministro Geddel Vieira Lima prepara-se para recolher a rede no interior baiano neste ano). Que, em 2004, disputou duas capitais a menos (11). Ou que foi desse modo que bateu o recorde de filiados e se estruturou em 80% dos 5,5 mil municípios.
No passado, porém, havia um modo fácil de, além disso tudo, compensar a falta de arrojo nas votações majoritárias e garantir projeção nacional: arrastar eleitos por outras agremiações (Fogaça, Berger e Henrique vieram do PPS, PSDB e PDT, respectivamente).
Hoje, com a imposição da fidelidade partidária, reduziu-se a possibilidade de ir ao mercado. Como o PMDB vai gastar o seu "dinheiro"?

coluna de 02.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br