quarta-feira, 23 de julho de 2008

Polícia desmontada

A Operação Satiagraha pilhou Daniel Dantas, atingiu a ante-sala de Lula, pôs em risco o maior negócio em gestação pelo governo no segundo mandato e identificou um esquema de leva-e-traz de divisas que remonta sabe-se lá a quando (e a quanto). Mas, por enquanto, o golpe mais incisivo da Polícia Federal foi contra si própria.
Ao revelar que sonegou informações da chefia, que gravou conversas com os superiores para se proteger, que foi espionado por colegas e que achou melhor formar um grupo de apoio com gente da Abin, Protógenes Queiroz não só expôs de maneira inédita as divisões internas da corporação como arranhou a imagem "republicana" que o órgão construiu meticulosamente nos quatro anos iniciais de Lula.
Justa ou não, a mensagem do delegado foi clara: não se deve confiar no primeiro escalão da polícia.
É um erro atribuir à varredura contra Daniel Dantas & Associados a origem da luta entre facções na PF. E reducionismo dizer que a corporação está dividida em duas alas, tentando dar contornos partidários ou ideológicos à fratura.
Basta lembrar a sucessão do diretor-geral Paulo Lacerda, em 2007. Três grupos sentiram-se fortes no governo petista para pleitear o cargo _nenhum deles associado a quem mandava na era tucana. Tão sangrenta foi a disputa que a Operação Octopus só decolou (e, com ela, o escândalo Gautama) porque ajudou a incinerar um dos candidatos.
Se o caldo entornou na PF neste ano, não foi só por causa de Dantas, mas da incapacidade (ou do desinteresse) de Tarso Genro de manter intramuros essa guerra. Não por outro motivo, o antecessor foi chamado a Brasília para palpitar.
Márcio Thomaz Bastos, porém, está ocupado com outro cliente encrencado (Eike Batista) e pouco poderá fazer desta vez. Para desmentir Protógenes e remendar a reputação, a cúpula da PF terá de abraçar e aprofundar o trabalho do delegado que a denunciou.

coluna de 23.jul.2008

mfilho@folhasp.com.br

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