segunda-feira, 8 de março de 2010

Reação em cadeia

A votação do STF que manteve na prisão o governador José Roberto Arruda e a sessão do STJ que reabriu os processos contra o empresário Daniel Dantas ofuscaram outra decisão (esta decepcionante) da Justiça federal.
O STJ negou a retomada da ação penal que corre em São Paulo contra executivos da construtora Camargo Corrêa, um dos três processos gerados pela Operação Castelo de Areia, deflagrada no ano passado pela Polícia Federal a fim de investigar o superfaturamento de obras públicas e o desvio desse dinheiro para políticos e partidos.
Os réus pediram a suspensão do processo sob a alegação de que o inquérito se baseou numa "denúncia anônima", o que o Ministério Público contesta _e o que uma leitura atenta da papelada desmente.
Em janeiro, porém, sem nem entrar no mérito da questão, o STJ concedeu liminar em favor dos acusados. Anteontem, renovou-a, ao ignorar o apelo da procuradoria.
Até que o tribunal marque nova sessão e se disponha a discutir o cerne do pedido da empreiteira, tudo ficará parado: perícias, coleta de testemunhos, análise de provas.
Esperava-se que a prisão de Arruda tivesse efeito pedagógico devido não só à indignação popular que o escândalo provocou mas também à qualidade e ao cuidado do trabalho dos policiais e procuradores.
O inquérito da Caixa de Pandora tem a solidez que faltou, por exemplo, à primeira fase da Satiagraha, arranhada por erros e abusos do delegado responsável. Por isso o STF pôde rejeitar com ênfase o habeas corpus ao governador.
Ao mostrar que nem todos os processos de colarinho branco acabam em pizza, a operação da PF em Brasília de fato renovou o ânimo de outras frentes de investigação, mas, infelizmente, ainda não refreou o ímpeto dos que se empenham tanto em mantê-las engavetadas.
A Castelo de Areia prossegue trancada justamente por causa da consistência do seu inquérito.

coluna de 06.mar.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fundos rasgados

Os negócios acertados na reta final pelo governo Lula não parecem se distinguir dos "consórcios borocoxôs" que marcaram o desfecho da era FHC.
A expressão, vale lembrar, foi cunhada pelo ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros num diálogo grampeado em 1998. Sintetizava o "modus operandi" da privatização do sistema Telebrás: o governo escolhia uma empresa privada para gerir o negócio e, cirurgicamente, financiava a operação por meio do BNDES e de um catado de fundos de pensão ligados às estatais.
Pois não é justamente esse o modelo que Lula adotará para a criação de uma "superelétrica"? O governo ainda nem veio a público justificar o projeto, mas, como noticiou a Folha, Previ (fundo dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa) já foram devidamente convocados para a engenharia financeira e societária que entregará o setor à empreiteira-amiga Camargo Corrêa.
Os argumentos do Planalto serão tão genéricos quanto antigos: 1) há gargalos de infraestrutura que precisam ser resolvidos com urgência; 2) a poupança interna é baixa no Brasil e, portanto, insuficiente para alavancar esses investimentos; 3) os fundos de pensão precisam diversificar sua carteira, uma vez que, com a estabilidade do real, a renda fixa não é mais tão atraente.
Dez anos atrás, o PT exigia uma CPI sobre os "consórcios borocoxôs", sob a alegação de que a União concedia empréstimos baratos às empresas e forçava os fundos de pensão a se associar a elas. Hoje, aplaude as manobras que promovem a concentração de mercado.
Para entender a mudança de opinião, e também a reticência da Casa Civil _que não registra na agenda oficial as visitas das empresas envolvidas_, vale atentar para o calendário. Por que guinadas e negócios de vulto na área da infraestrutura são sempre anunciados em ano de sucessão presidencial? Falta só aparecer o Daniel Dantas de 2010.

coluna de 03.mar.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Registro sindical

Afirmar que Lula anestesiou o sindicalismo no país talvez seja precipitado. Mas no PT certamente isso aconteceu. É notável que as questões do emprego tenham ficado em segundo plano, quando não de fora, do discurso de Dilma Rousseff e do documento final do congresso do partido.
A palavra sindicato (ou suas variantes) não aparece entre as quase 7.500 do texto que apresenta as diretrizes do PT para o próximo quadriênio. No relatório do congresso de 2007, havia 50 menções.
A agenda trabalhista do PT pós-Lula resume-se ao "compromisso com a defesa da jornada de 40 horas semanais, sem redução de salários".
Proposta, sabe-se, que não recebe o endosso do presidente, de sua candidata e da cúpula partidária. Foi incluída "só para constar".
(Como também é insincera a defesa da diminuição da jornada de trabalho que governistas têm feito no Congresso, manobra que visa tirar o foco dos projetos de lei que atrelam a remuneração das aposentadorias ao salário mínimo.)
Lula domesticou as centrais, e sobretudo a petista CUT, com a distribuição de dinheiro público. Desfalcou-as, nomeando seus líderes para cargos no governo. E tirou-lhes as principais bandeiras (garantiu ganhos reais para o mínimo, valorizou o funcionalismo, engavetou a reforma trabalhista etc.).
Daí que no partido só vozes isoladas hoje puxem o samba trabalhista _como Paulo Paim (RS), que do Senado berra reivindicações no passado vindas dos sindicatos.
Até esses espasmos, porém, têm prazo de validade. A geração sindicalista de Paim _e de Lula, Olívio Dutra, Luís Gushiken, Luiz Dulci, Jacó Bittar etc._ aos poucos deixa a cena. Mesmo nas regiões industriais que os petistas controlam politicamente, como o Vale dos Sinos (RS), não têm surgido substitutos à altura. O PT do futuro parece pertencer à burocracia formada dentro do governo e fundos de pensão.

coluna de 27.fev.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br