terça-feira, 29 de maio de 2007

Grampeador

Espécie de resumo e guia de leitura do inquérito da Operação Navalha, o relatório de inteligência não pede providências contra Paulo Magalhães (DEM-BA), sobrinho de ACM. Mas, em um anexo, perdido entre muitos megabytes de dados, estão os grampos e a menção de que o deputado federal recebeu, pessoalmente em seu gabinete, R$ 20 mil de propina.
Belivaldo Chagas (PSB-SE) é outro poupado no texto principal, embora as escutas, transcritas em um link do link do link, tenham flagrado o vice-governador prometendo mundos e fundos à Gautama.
Quanto às fraudes do Luz para Todos, o relatório só centra fogo em assessores de Silas Rondeau. A acusação de corrupção passiva contra o ex-ministro? Está explícita apenas em um apêndice do catatau.
Renan Calheiros (PMDB-AL) nem de relance aparece nas deduções da polícia, ainda que o nome do presidente do Congresso pipoque nos grampos já divulgados _e, segundo arapongas de Brasília, esteja em outros "mais explosivos".
Sobre o jatinho que carregou o senador Delcídio Amaral (PT-MS), produziu-se um capítulo inteiro. Sobre a lancha que serviu a ministra Dilma Rousseff, nem uma linha.
Foram incluídas como relevantes conversas em que homens da Gautama citam os governadores petistas Jaques Wagner (BA), Marcelo Déda (SE) e Wellington Dias (PI). Qual relevância não se sabe. O relatório tampouco diz por que não foram adiante as inquirições sobre o trio. Ou, se foram, a que conclusões teriam chegado.
As omissões em casos gritantes dão margem às suspeitas de que se procurou retardar a ida do pacote para o STF e pegar embalo com a exposição na mídia. As menções sem explicações, às acusações de uso político, de que se tentou alertar ou chantagear envolvidos.
A PF deve respostas menos pelo barulho da operação e mais pelos silêncios, esses e outros, no documento que remeteu à Justiça.


coluna de 29.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O soneto é pior do que a emenda

Na segunda-feira, o ministro da Justiça chamou os repórteres. Disse que não havia dossiês ocultos contra congressistas, mas confirmou a existência de uma lista de centenas de pessoas que receberam mimos e brindes da empreiteira arrombada pela Operação Navalha, "como ocorre em todas as empresas". Engatou comentários sobre a necessidade de uma reforma política. Fez ressalvas sobre as emendas parlamentares. Conhecido pelo esmero na escolha das palavras, associou esse instrumento, de que os deputados e senadores se servem para atender seus redutos eleitorais, a "costumes oligárquicos" e "relação fisiológica".
Não é o caso de discutir aqui a capacidade de operação de Tarso Genro _embora a relação crescente de sucessos daquele que costumava ser chamado com desdém de "Suplicy que Fala Javanês" peça uma análise dessa natureza.
Cabe, por ora, observar que a entrevista do ministro foi um ponto de inflexão. Ele falou, falou e falou... só do Legislativo. Desde então, por ingenuidade ou hábito, só se discute (e se esculacha) a relação entre Congresso e empresários.
Porém a primeira cabeça decepada pela Operação Navalha dirigia o ministério mais vital do PAC.
O lobby da Gautama bateu ao menos duas vezes à porta do próprio presidente. Lula assinou uma medida provisória para garantir uma das mais controvertidas obras.
Quase 70% das verbas públicas repassadas à construtora desde 1998 partiram diretamente do Executivo, sem mediação do Congresso.
Lobistas, padrinhos políticos, partidos implicados, tudo varia nas fraudes apontadas pela PF. A única coincidência é que elas foram alimentadas pelo dinheiro da União.
Mas quais foram as propostas lançadas até aqui? Extinguir, transformar em impositivas ou coletivizar as emendas do Congresso.
A cobertura sobre o Orçamento precisa ouvir o Outro Lado.

coluna de 25.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 23 de maio de 2007

A CPI morreu, viva a CPI

O governo já tinha ocupado os principais postos, escalado os deputados mais fiéis e roteirizado todos os trabalhos. Haveria pouca margem para "notícias" _e, quando estas se insinuassem, o rolo compressor nas votações seria implacável. Mas coube à Polícia Federal o golpe de misericórdia.
A CPI do Apagão Aéreo na Câmara não tem como competir. Não só pelo que já revelou, mas pelo que ainda pode revelar, a Operação Navalha se apoderou dos holofotes. Para o telespectador, mais vale um corrupto na mão do que dois voando.
Brasília sabe que, sem a atenção diária das câmeras de TV, as investigações parlamentares murcham. Os interesses corporativos prevalecem. Ninguém estica a corda. Mexer na Infraero? Para quê?
Uma apuração de natureza "técnica" sobre a crise nos aeroportos (e acima deles também) não seria de todo ruim. Os deputados dariam uma importante contribuição ao país se ajudassem a explicar por que os vôos passaram a atrasar tanto, se desvendassem a indústria do overbooking e se esclarecessem, de uma vez por todas, se é seguro ou não entrar em um avião no Brasil.
Mas o mais provável, dadas as circunstâncias políticas e midiáticas, é que nem isso aconteça.
Os que têm o rabo preso, já dá para imaginar, partirão com as garras mais afiadas do que nunca. "Foi um circo! Como previsto, não deu em nada!", gritarão em julho, agosto.
Bobagem. Não importa o desfecho, a história mostrará que esta foi uma CPI muito importante.
Seu sucesso não será o de nomear pilantras nem o de escancarar outro esquema de propina, caixa 2 e desvio de verbas públicas. Seu sucesso foi o de ter assegurado o direito de a minoria ser ouvida no Legislativo, o de ter barrado uma tentativa de fraude à Constituição, o de ter arrancado um definitivo parecer do STF em defesa da democracia.
O inestimável legado desta CPI foi ter garantido que haverá outras.

coluna de 22.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Minas e energia

É uma ironia que neste momento de distensão, de poucos confrontos e mínimas estridências, o político que parece menos confortável seja justamente o histórico boa praça, que pintava como um grande agregador.
O sucesso da montagem da coalizão e a estratégia divisada por Lula para interferir na sucessão fizeram murchar o balão de Aécio Neves. Como ninguém foi alijado do páreo para 2010 e ninguém pôde disparar na frente, todos por ora são parceiros, mesmo os adversários.
Na oposição, a troca de afagos com o presidente deixou de ser exclusividade do neto de Tancredo. José Arruda, governador do DF e primeiro nome lançado pelo neocarbonário Democratas, não só poupa o Planalto como faz de tudo para deixar as instalações do Alvorada do jeito que Lula pediu.
Enquanto José Serra aperta as mãos de Dilma, Mantega, Chinaglia e quem mais chegar, a tropa do governador paulista cimenta posições na estrutura tucana e cuida para que o debate (sic) se restrinja a temas em que os concorrentes assumam posições idênticas.
Aécio viu o amigo Sérgio Cabral roubar o papel de jovem político predileto de Lula. Viu o ministro Walfrido dos Mares Guia dividir uma função que ele antes desempenhava sozinho: a ponte entre grandes empresas de Minas e o governo federal. E viu Eduardo Campos (PSB-PE), mais conhecido como Dudu Beleza, montar na fatia mais gorducha do PAC e se apoderar do cetro de galã da vez em 2014.
Daí a urgência do governador tucano nos últimos dias: o jantar com o PMDB, o vazamento do convite para trocar de partido, as visitas a São Paulo, os comentários um tico menos gentis sobre o governo Lula.
São gritos de "eu existo", de alguém consciente de que 2010 não vai rolar apenas com o legado do avô, as namoradas de telenovela, os choques de gestão do vice tecnocrata e a boa vontade habitual da imprensa.

coluna de 18.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

Brasília teimosa

José Genoino tem saudades dos debates interpartidários em torno de grandes temas. Carlos Wilson, da cidade em que "todos se freqüentavam". José Sarney, dos discursos inspirados.
Veteranos de Brasília como eles gostam de lembrar a época em que, segundo dizem, o parlamentar não fazia sua reputação à custa da do outro, em que o vedetismo não era midiático, em que a república acatava os acordos de cavalheiros.
Se por um lado eles reconhecem que houve avanços institucionais no Congresso, por outro afirmam que a isso correspondeu uma queda de densidade política na capital.
Censuram a atuação cada vez mais intensa dos lobbies (regionais, temáticos, corporativos ou econômicos). A transformação do Legislativo no "paraíso das minorias". A sujeição do governo à barganha no varejo. A obsessão de trabalhar pela reeleição já no dia seguinte à posse. O televisionamento das sessões das duas Casas.
Não à toa, partem deles os apelos mais fervorosos pela reforma política. Querem um sistema que reconheça sua fidalguia, que livre o Congresso dos "despachantes de prefeitos", que revigore os antigos partidos e que, se possível, dedetize o Piantella dos lobistas vulgares.
A fórmula? Voto em lista fechada, fidelidade, financiamento público, fim da reeleição para cargos majoritários e outras invenções tão caras às burocracias partidárias.
O sistema político brasileiro não está à beira da perfeição. Mas a redemocratização é relativamente recente. Pede tempo, até para que seus defeitos fiquem mais cristalinos. Quem garante que o "vereador federal" não é um representante tão bom/ruim quanto o chamado deputado do voto de opinião?
A velha Brasília, porém, se recusa a entender e atender os novos desafios, tangíveis, da micropolítica. Prefere maquinar o contragolpe centralista, à espera do cálice de poire, do brinde de outros tempos.

coluna de 15.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

Ilariê

A Patrus Ananias o Planalto encomendou o PAC social, com anúncio previsto para as próximas semanas. Em junho, ou julho, ou antes, ou quando e se a CPI do Apagão Aéreo fugir do controle, Tarso Genro divulgará o PAC da segurança. Fernando Haddad já cravou o PAC da educação. O PAC da saúde ainda não tem data. Reinhold Stephanes tenta a todo custo agendar o PAC da agricultura.
De certo modo, dá para entender a decisão de Lula de emprestar as três letras a toda sorte de projeto.
O PAC original, mesmo sem contornos delineados e o reconhecimento da maioria da população, foi um sucesso midiático. Os telejornais caíram pela sigla ("funciona" na TV). A imprensa aceitou o debate sobre crescimento econômico. Todo mundo fez trocadilho, e, até por isso, a coisa parecia séria.
O balanço dos primeiros cem dias, porém, quebrou o encantamento.
Os adiamentos da apresentação dos dados já haviam indicado uma Casa Civil em apuros, e a aceleração na liberação de verbas nos dias que antecederam o datashow, sugerido corre-corre de última hora.
A cerimônia despejou a pá de cal. O governo reconheceu que metade das obras largou em ritmo insatisfatório e não soube explicar convincentemente o resto que teria caminhado conforme o planejado.
O PAC, ficou bem claro, não é o indutor de crescimento que havia sido anunciado. Isso não quer dizer que deva ser descartado. Por exigir do Executivo prestações de contas regulares, o catálogo de projetos pode ser uma ferramenta de gestão e de pressão política, valiosa em uma coalizão tão heterogênea.
Mas, para confirmar essa vocação do pacote, o governo precisa abandonar o esconde-esconde. Tem de escancarar a lista das obras, abrir todas as planilhas, tornar públicos os critérios de aprovação e avisar já o que é prioritário. Para desautorizar os que só vêem um golpe de marketing, seria bom, também, parar de inventar tantos paquitos.

coluna de 11.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

Toda mídia

O Planalto aumenta o status do secretário de imprensa. Nomeia para o posto o jornalista que tinha sido dispensado, poucos meses antes, pelo maior grupo de comunicação. Entrega a ele não só as responsabilidades editoriais, mas o comando das verbas da publicidade estatal, nunca na história deste país tão volumosas.
O escolhido avisa, já na primeira entrevista, que não abortará a batalha judicial contra o mais conhecido colunista da principal revista. Afirma que a condição de ministro não afetará o processo, pois os tribunais daqui seriam lentos demais. Semanas depois, festeja em público a vitória na primeira instância.
A secretaria lamenta que TVs regionais, comunitárias e educativas zerem no Ibope. Em nome do "fortalecimento democrático", diz que sairá à procura de uma ferramenta de aferição de audiência que justifique anunciar nesses veículos.
O governo tira da gaveta o projeto da rede nacional de TV pública.
O principal dirigente do partido de Lula defende limitar a atuação da mídia em período eleitoral e fala que a liberdade de imprensa precisa ser "combinada com mecanismos que evitem favorecimentos".
O presidente da Câmara, também do PT, anuncia que processará o comentarista que espinafrou as mordomias dos deputados. Incentiva os colegas a fazerem o mesmo.
A base aliada pega carona em projeto de lei do PAC e aprova a eliminação da obrigatoriedade de veiculação de editais de licitações públicas nos jornais de grande circulação. Prepara-se para fazer o mesmo com balanços de companhias abertas. Surge na Comissão de Tributação e Finanças a idéia de cobrar imposto do papel usado pela imprensa para estampar publicidade.
Lula evita ao máximo os jornalistas. Fala só o conveniente para bater cartão no "JN". A coletiva? Deixa para a semana que vem. Mas, para bom entendedor, as meias palavras de seu governo bastam.

coluna de 08.mai.2007

mfilho@folhasp.com.br

Acabou o telecurso

Televisão e computador não convergem do jeito previsto pela indústria eletroeletrônica e de comunicação. Imaginava-se que a primeira seria a âncora, que serviria de base para operações de internet e "quetais". Mas a sanha dos consumidores e a demência dos softwares inverteram a equação. Aos poucos a TV é engolida pela plataforma mais jovem.
Quem tem micro decente e conexão veloz não precisa mais esperar meses para ver Rodrigo Santoro em "Lost" nem pagar os tubos para vibrar com Ronaldinho. Baixa o seriado (e legendas em português) e assiste ao jogo ao vivo por meio de programas de compartilhamento.
Esse "telespectador" está livre da grade das emissoras. Descarta as propagandas. Antecipa os conteúdos dos canais por assinatura. Ri do pay-per-view. Edita, mixa e repassa o resultado. Torna-se dono da programação, se não do programa.
O governo ignora essa nova realidade quando define como prioridade uma rede pública de TV. Um diagnóstico secular _o de que a cidadania só se confirma pelo acesso pleno à informação_ não requer tratamento do século passado.
O descompasso fica claro nas poucas menções ao projeto feitas pelo Executivo até aqui: "mostrar o Brasil inteiro e suas riquezas regionais", "botar Telecurso o dia todo", "falar da África no jornalismo".
Esse modelo National Geographic + TV educativa + BBC pode até render bons frutos. Mas é coisa dos "antenados" dos anos 70, e não de quem encara a revolução digital.
Os colegas de gabinete deviam pedir a Gilberto Gil que narre o que ocorre(u) com a indústria fonográfica _gravadoras, rádios e lojas de disco, todas desconstruídas pela internet. Ou perguntar quanto o ministro da Cultura fatura com temas para celulares _e se ele trocaria o valor pela receita de seus CDs.
O terreno para a inclusão digital ainda não foi loteado. A hora de negociar com a iniciativa privada é já.
Os R$ 500 milhões necessários para pôr de pé a TV pública fariam mais efeito se erguessem infocentros em locais carentes, cabeassem escolas públicas ou, num desvario, comprassem laptops populares com cartão wi-fi para os aprovados em cada ciclo do ensino fundamental e os matriculados no ProUni.
Nos cafés de gabinete, o Planalto se diz intrigado com a reação apática da sociedade à nova rede de TV.
Pergunta-se por que não surgiu a fila de câmeras na mão e idéias na cabeça, por que falta entusiasmo até aos responsáveis pelo projeto.
Estranha, também, o desdém das empresas de comunicação. Supõe que estejam armando bote, que o silêncio de hoje é "só estratégia".
Está na hora de perceber que a idéia não mobiliza uns nem incomoda outros porque é datada, um espasmo do que há de mais conservador no governo Lula.

coluna de 24.abr.2007

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 20 de maio de 2007

Vitamina C

Graças à inflação baixa e controlada, o brasileiro que havia sido apresentado pelo Real aos iogurtes hoje assina sem embaraço prestações nas Casas Bahia e leva celular, computador e videogame.
O PIBinho de 2006 (2,9%) só não foi mais "inho" porque as famílias saíram às compras (3,8%). Os contratos de crédito consignado batem recordes nos bancos. Os planos de saúde que mais crescem? O setor do turismo mais aquecido? Os produtos de higiene/beleza que mais vendem? São aqueles que miram na baixa classe média.
Mas, se o mercado reagiu com rapidez, os políticos seguem alheios ao alargamento do "miolo" da pirâmide social (talvez já seja incorreto representá-la com uma pirâmide).
A oposição nem se aproxima. Por distração ou porque não sabe o que dizer a esse eleitor da classe C (e ao das outras letras, também).
Constrangido pelos escândalos de corrupção, o PT igualmente hesita. Além disso, o partido sempre priorizou os extremos da pirâmide _as "massas" e os "formadores de opinião" (quando os reconhecia). Foi o erro que custou a reeleição de Marta Suplicy à prefeitura.
O Planalto por ora nada oferece de iniciativas públicas para esses "emergentes". A questão da segurança não comove Lula. A saúde foi só moeda de troca. Na educação, o ProUni não bastou nem para desarrumar o penteado do ministro.
Quem já estava no "andar de baixo" da classe média reage com revolta. E quem ascendeu logo encampa o discurso de "motorista de táxi" _é duro não se desiludir com a conta do celular, o asfalto que arrebenta o novo carro usado, a burocracia do serviço do plano de saúde, a qualidade da escola particular mixuruca em que matriculou o filho para protegê-lo dos traficantes.
Lula, tão intuitivo, ainda não percebeu que a inclusão social por meio do consumo, principal fortaleza do primeiro mandato, pode ser um obstáculo para o terceiro.

coluna de 05.mar.2007

mfilho@folhasp.com.br

Divisão intermediária

Falam que o presidente se regozija da ligação direta que estabeleceu com os eleitores, que se julga maior do que o PT, que não aceita os partidos como legítimos representantes da população, que a esse menosprezo se deve o embaço da reforma ministerial.
Dizem que ele nunca deixou de ver o Congresso como "os 300 picaretas", que por isso não se engajou em grandes projetos legislativos, recorreu à avalanche de medidas provisórias e mensalões e instituiu com o Parlamento uma relação tão unilateral que até a bancada de seu partido acabou se amotinando.
Afirmam que Lula não reconhece o papel mediador da imprensa, que ele, dependendo da conveniência, ora a rebaixa ("foi ignorada pelas urnas"), ora a mitifica ("manipulou o país" com a foto do dinheiro-não-se-sabe-de-onde-veio), daí continuar negando entrevistas.
Alarmam-se com o governo que se diz democrata, mas que não titubeia antes de rejeitar os clamores públicos cheios de emoção (só valem se interessarem a seu plano de poder) ou de apontar os limites da "representação política tradicional".
Alertam para a idéia de "radicalização democrática" que nasce com fronteira definida: os que exercem a "cidadania ativa" (?).
Reclamam que o Bolsa Família é dinheiro na veia do eleitorado, para usar a metáfora da Casa Civil.
Mas ainda não repararam na arapuca armada pelo PAC, o pacote que carimba toda obra com o selo federal, que acaba com o reparte de dividendos políticos, que enterra o costume do brasileiro de achar bom o prefeito (governador) que arranca verbas e traz o governador (presidente) para a inauguração.
Talvez por isso o Planalto não tenha esquentado a cabeça com a largada lenta do pacote de aceleração. Meia dúzia ou uma dúzia de obras, tanto faz. O presidente cortará a fita de cada uma delas e poderá dizer que o governo dele é bom _com ênfase no "dele", como de hábito.

coluna de 28.fev.2007

mfilho@folhasp.com.br

Sossega-leão

Jefferson Péres (PDT-AM), o senador que alertava para a "putrefação moral" do Planalto e colocava em dúvida a "sobriedade" de Lula, avisou que agora se "curva" ao partido. Identifica "muitas concordâncias" com o presidente e promete "apoio crítico".
Arthur Virgílio (PSDB-AM), que do Senado acusava Lula de "trafegar a sua mediocridade" pelo mundo, pegou carona no Aerolula e aterrissou defendendo a criação de um conselho de ex-presidentes.
Cristovam Buarque (PDT-DF) nem esperou esfriar o cadáver de Alckmin, seu candidato no segundo turno. Tão logo encerraram a cerimônia de posse, o senador pôs de lado os meses de ressentimento devido à abrupta demissão no Ministério da Educação e correu para o abraço do presidente reeleito.
O PFL renovou as promessas de se firmar como o grande antagonista do PT no Congresso. Mas, na primeira semana da legislatura, o gaúcho Onix Lorenzoni, o novo líder do partido na Câmara, se esbaforia todo para clonar um projeto de lei do... petista Aloizio Mercadante.
Outro deputado do PFL de dentes afiados, José Aleluia cuida de preservar espaços em seu partido.
A Raul Jungmann (PPS-PE), padrinho da Terceira Via na Câmara, restou submergir para se defender da acusação de irregularidades em sua passagem como ministro do Desenvolvimento Agrário.
Carlos Sampaio (PSDB-SP), também voz influente desse bloco interpartidário e independente, saiu de cena desde que foi escolhido para ocupar a ouvidoria da Câmara.
Nem todos deram uma guinada tão radical quanto a de Geddel Vieira Lima (PMDB), o pitbull de FHC que "firmou novo contrato" com o eleitorado da Bahia para se aliar àqueles que chamava de "ratos".
Mas o presidente da República não deixa barato. "Vocês são da situação", disse durante encontro com oposicionistas. "Só que um pouquinho mais intransigentes."

coluna de 24.fev.2007

mfilho@folhasp.com.br

Esquerda festiva

O mensalão ainda causa embaraços entre o eleitorado da classe média e nas grandes cidades. Lideranças do PT concluem que, para crescer, é preciso tirar o pó da cartilha dos anos 80 e centrar fogo na mobilização das "massas desorganizadas" contempladas pelo Bolsa Família. A palavra "socialismo" reaparece no documento de todas as correntes e vira título do vídeo de aniversário do partido.
Novidade da legislatura, o bloquinho (PSB, PCdoB e quetais) tenta se estabelecer como trampolim de um candidato à Presidência. Dele partem os alertas mais estridentes sobre os "riscos à população" embutidos no PAC. Ciro Gomes, o principal nome, manteve-se de fora dos ministérios para ficar de prontidão na Câmara para criticar os "refluxos conservadores" do governo.
Já se falou do governador pragmático, a quem interessaria abafar as investigações do caso sanguessuga/dossiê, amestrar a Assembléia Legislativa e azeitar o convívio com o Planalto. Mas outra teoria na praça diz que Serra se aproximou do PT como uma estratégia de "posicionamento de mercado". Se não dá para convencer o público de que ele é e sempre foi menos conservador do que Lula, ao menos fixa distância do "privatista" FHC.
O PSDB, subitamente envergonhado, começa a se afastar do PFL. Este abandona o "liberal" e adota o nome do partido "menos de direita" dos EUA. O PDT vira braço político das centrais sindicais que ainda não baixaram os megafones. O PTB retoma causas dos celetistas.
Um a um, os partidos deslocam os palanques para a esquerda. Traumatizados pelo segundo turno de 2006 e/ou atordoados pela popularidade recorde (e ainda ascendente) do presidente, eles se acotovelam para radicalizar ou no mínimo mimetizar o discurso de Lula.
Não espanta que o Planalto tenha avisado que não precisa mais da reforma política. Agora são todos pelo social e ninguém pelo debate.

coluna de 19.fev.2007

mfilho@folhasp.com.br

Emendas parlamentares

Nunca se falou tanto dos deveres e dos vícios da Câmara. Os candidatos à presidência participaram de debates, responderam a sabatinas, escreveram artigos. Da boca pra fora ou não, os três assumiram compromissos contrários aos interesses da corporação. Rejeitaram o aumento estapafúrdio de 91%. Prometeram divulgar os gastos de cada parlamentar. Declararam apoio ao voto aberto.
A base do governo no Congresso acabou redesenhada _não se sabe até que ponto à revelia do governo. O "Centrão" ressurgiu, dessa vez em órbita da aliança PT-PMDB.
O núcleo duro do PT agarrou a oportunidade de ganhar autonomia e ampliar a interlocução com Lula. A bancada do PMDB, a de impor aos caciques do partido no Senado um pacto "bom pra todos".
A eleição acelerou, de um lado, a criação de uma frente do "voto de opinião". Reabilitou, de outro, partidos e deputados mensaleiros.
Ela consolidou o desenganado PL (agora PR) como endereço favorito do troca-troca do fisiologismo. Acentuou a cisão entre a cúpula e os deputados do PTB. Expôs as feridas e angústias do PSDB e, em seguida, atirou aos tucanos um salva-vidas.
De certo modo, embaralhou também a reforma ministerial. Forçou o Planalto a repensar em que medida contemplará a chapa que emergirá vitoriosa na quinta-feira.
Com isso, pôs em banho-maria a idéia de só nomear "técnicos políticos" para o gabinete do segundo mandato. Restaurou, por exemplo, as chances de Marta Suplicy (a ex-prefeita agora joga por 2010, no vácuo de Serra, e não mais por 2008).
A eleição, por fim, embicou a corrida à sucessão de Lula. Satélites no "Centrão", PSB e PC do B já matracam sobre uma "terceira via" (Ciro Gomes) para competir com o petista e com o tucano que sobreviverem à carnificina de seus partidos.
Não é nada, não é nada, não é... nada do que dizem cínicos, nostálgicos, os que odeiam a política.

coluna de 30.jan.2007

mfilho@folhasp.com.br

To PIB or not to PIB

Para a economia, o PAC pode não passar de peça de retórica. O governo promete fazer o que já é feito, investir o que não tem e renunciar àquilo que não arrecada. Daí a reação morna dos mercados. Mas, do ponto de vista da política, o pacote nada tem de tímido.
Até prova ao contrário, Lula fixou uma marca para o primeiro (e talvez o segundo) ano do novo mandato. Vem aí o show de trocadilhos. EmPACado, PACman, PACtóide, PACderme, TuPAC... Isso não é pouco, sabem os marqueteiros.
Ao catalogar em detalhes as obras, o governo não só pauta as reivindicações da oposição como procura delimitar a atuação dos aliados. O partido fará o ministro, não as prioridades do ministério. "Porteira fechada" agora é assim.
Ao menos até a primeira votação ir para o brejo, pleitos e emendas parlamentares ficarão a reboque. Tarso Genro já avisou que o PAC será o "grande teste da coalizão".
No reparte de verbas, as bases eleitorais parecem ter sido todas contempladas. O Brasil pode não crescer 4,5%, mas a Bahia de Jaques (metrô, São Francisco, BRs 101/ 116/324 etc.) na marra vai. Se alguém estrilar? O "dado concreto" é que Salvador registra a maior desigualdade de renda do país.
Por fim, o dinheiro novo do PAC _R$ 48 bi (2007-10) transferidos do pagamento de juros para a infra-estrutura_ estará livre de cortes orçamentários e poderá ser rolado de um ano para o outro, de acordo com os interesses do Executivo.
Enquanto a crônica pára para ver o PIB passar, a Casa Civil pensa o biênio seguinte. Não há, afinal, garantias de que o PAC encherá as urnas. No cenário otimista, o crescimento será um fiador invisível do voto _como a inflação em baixa e o consumo em alta no ano passado.
As apostas para 2010 (ou 2014) são o Luz para Todos e computador e banda larga nas escolas públicas.
Esses mapas Dilma Rousseff não mostrou no telão na segunda-feira.

coluna de 25.jan.2007

mfilho@folhasp.com.br

Lula e o jogo da lealdade

O FIRST BANK tinha em 1995 o maior número de agências e comandava a maior fatia do mercado de Chicago. Mas a margem de lucro era modesta (5%), aquém da média do setor e insuficiente para encarar os grandes bancos nacionais, assanhados por conta de uma mudança na legislação interestadual.
Um novo presidente foi contratado para enfrentar a situação. Ao analisar a base de receitas, ele descobriu que somente um terço dos clientes gerava retornos acima dos satisfatórios _os que utilizavam os canais de auto-atendimento. Ao estudar a planilha de custos, concluiu que os caixas oneravam demais a empresa.
O executivo ligou os pontos e não hesitou. Mandou cobrar três dólares toda vez que o consumidor buscasse atendimento na agência.
A gritaria foi geral. "Obrigado pelo seu depósito; custou US$ 3", manchetou a revista "Business Week". Deputados propuseram boicote. A concorrência pegou o bonde _o Harris Bancorp, por exemplo, passou a dar US$ 1 aos clientes que entrassem na fila do caixa. Pesquisas apostaram que o First perderia metade da carteira. Papas do marketing, advogados do segure-o-cliente-a-qualquer-preço, previram uma crise de imagem irreversível.
A catástrofe não veio. Pelo contrário, o banco "desumano" se salvou. Os lucros subiram 28% em menos de um ano, graças à fuga dos clientes deficitários e à adesão maciça dos remanescentes às transações eletrônicas (80% do total).
Os programas de fidelização nunca mais foram os mesmos.
Lula livrou-se dos intelectuais que tinham co-fundado o PT e daquelas idéias que o aborreciam, impedindo-o de abraçar ídolos populares, Getúlios e JKs.
Abriu mão da classe média urbana que por anos carregou o partido. Achatou-a sem dó para surfar a onda de consumo das classes C e D, que o Plano Real tirou da clandestinidade com frango e iogurte.
Expulsou os insolentes para o PSOL, diminuindo-lhes as oportunidades de constranger o governo petista na "imprensa burguesa".
Renegou os paulistas e, até para não perder de vez o eleitorado de São Paulo, reinventou-se como o nordestino que, adulto, nunca foi.
Contra os "gargalos" da economia, prepara-se agora para meter o trator nos ambientalistas, seus primeiros propagandistas no exterior.
Os adversários continuam a subestimar Lula. Apesar dos seguidos reveses políticos, eles no máximo tratam o presidente como um "intuitivo". Gostam tanto do discurso do "choque de gestão", mas ainda não reconheceram o executivo impiedoso que entendeu, antes de muitos, que cliente morto também pode pagar.

coluna de 02.dez.2006

mfilho@folhasp.com.br