domingo, 20 de maio de 2007

Lula e o jogo da lealdade

O FIRST BANK tinha em 1995 o maior número de agências e comandava a maior fatia do mercado de Chicago. Mas a margem de lucro era modesta (5%), aquém da média do setor e insuficiente para encarar os grandes bancos nacionais, assanhados por conta de uma mudança na legislação interestadual.
Um novo presidente foi contratado para enfrentar a situação. Ao analisar a base de receitas, ele descobriu que somente um terço dos clientes gerava retornos acima dos satisfatórios _os que utilizavam os canais de auto-atendimento. Ao estudar a planilha de custos, concluiu que os caixas oneravam demais a empresa.
O executivo ligou os pontos e não hesitou. Mandou cobrar três dólares toda vez que o consumidor buscasse atendimento na agência.
A gritaria foi geral. "Obrigado pelo seu depósito; custou US$ 3", manchetou a revista "Business Week". Deputados propuseram boicote. A concorrência pegou o bonde _o Harris Bancorp, por exemplo, passou a dar US$ 1 aos clientes que entrassem na fila do caixa. Pesquisas apostaram que o First perderia metade da carteira. Papas do marketing, advogados do segure-o-cliente-a-qualquer-preço, previram uma crise de imagem irreversível.
A catástrofe não veio. Pelo contrário, o banco "desumano" se salvou. Os lucros subiram 28% em menos de um ano, graças à fuga dos clientes deficitários e à adesão maciça dos remanescentes às transações eletrônicas (80% do total).
Os programas de fidelização nunca mais foram os mesmos.
Lula livrou-se dos intelectuais que tinham co-fundado o PT e daquelas idéias que o aborreciam, impedindo-o de abraçar ídolos populares, Getúlios e JKs.
Abriu mão da classe média urbana que por anos carregou o partido. Achatou-a sem dó para surfar a onda de consumo das classes C e D, que o Plano Real tirou da clandestinidade com frango e iogurte.
Expulsou os insolentes para o PSOL, diminuindo-lhes as oportunidades de constranger o governo petista na "imprensa burguesa".
Renegou os paulistas e, até para não perder de vez o eleitorado de São Paulo, reinventou-se como o nordestino que, adulto, nunca foi.
Contra os "gargalos" da economia, prepara-se agora para meter o trator nos ambientalistas, seus primeiros propagandistas no exterior.
Os adversários continuam a subestimar Lula. Apesar dos seguidos reveses políticos, eles no máximo tratam o presidente como um "intuitivo". Gostam tanto do discurso do "choque de gestão", mas ainda não reconheceram o executivo impiedoso que entendeu, antes de muitos, que cliente morto também pode pagar.

coluna de 02.dez.2006

mfilho@folhasp.com.br

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