segunda-feira, 21 de maio de 2007

Acabou o telecurso

Televisão e computador não convergem do jeito previsto pela indústria eletroeletrônica e de comunicação. Imaginava-se que a primeira seria a âncora, que serviria de base para operações de internet e "quetais". Mas a sanha dos consumidores e a demência dos softwares inverteram a equação. Aos poucos a TV é engolida pela plataforma mais jovem.
Quem tem micro decente e conexão veloz não precisa mais esperar meses para ver Rodrigo Santoro em "Lost" nem pagar os tubos para vibrar com Ronaldinho. Baixa o seriado (e legendas em português) e assiste ao jogo ao vivo por meio de programas de compartilhamento.
Esse "telespectador" está livre da grade das emissoras. Descarta as propagandas. Antecipa os conteúdos dos canais por assinatura. Ri do pay-per-view. Edita, mixa e repassa o resultado. Torna-se dono da programação, se não do programa.
O governo ignora essa nova realidade quando define como prioridade uma rede pública de TV. Um diagnóstico secular _o de que a cidadania só se confirma pelo acesso pleno à informação_ não requer tratamento do século passado.
O descompasso fica claro nas poucas menções ao projeto feitas pelo Executivo até aqui: "mostrar o Brasil inteiro e suas riquezas regionais", "botar Telecurso o dia todo", "falar da África no jornalismo".
Esse modelo National Geographic + TV educativa + BBC pode até render bons frutos. Mas é coisa dos "antenados" dos anos 70, e não de quem encara a revolução digital.
Os colegas de gabinete deviam pedir a Gilberto Gil que narre o que ocorre(u) com a indústria fonográfica _gravadoras, rádios e lojas de disco, todas desconstruídas pela internet. Ou perguntar quanto o ministro da Cultura fatura com temas para celulares _e se ele trocaria o valor pela receita de seus CDs.
O terreno para a inclusão digital ainda não foi loteado. A hora de negociar com a iniciativa privada é já.
Os R$ 500 milhões necessários para pôr de pé a TV pública fariam mais efeito se erguessem infocentros em locais carentes, cabeassem escolas públicas ou, num desvario, comprassem laptops populares com cartão wi-fi para os aprovados em cada ciclo do ensino fundamental e os matriculados no ProUni.
Nos cafés de gabinete, o Planalto se diz intrigado com a reação apática da sociedade à nova rede de TV.
Pergunta-se por que não surgiu a fila de câmeras na mão e idéias na cabeça, por que falta entusiasmo até aos responsáveis pelo projeto.
Estranha, também, o desdém das empresas de comunicação. Supõe que estejam armando bote, que o silêncio de hoje é "só estratégia".
Está na hora de perceber que a idéia não mobiliza uns nem incomoda outros porque é datada, um espasmo do que há de mais conservador no governo Lula.

coluna de 24.abr.2007

mfilho@folhasp.com.br

Nenhum comentário: