domingo, 30 de março de 2008

Ser mãe é...

A mensagem de Lula quando trocou Dilma Rousseff de ministério, em 2005, foi clara. O momento pedia uma Casa Civil "técnica", menos dedicada ao PT e mais às urgências da máquina administrativa. Um contraponto à gestão de José Dirceu, que caíra por não reconhecer fronteiras entre os interesses do partido e os projetos executivos do governo.
Dilma topou a narrativa e abraçou o papel de gerente. Não fez média nem com a cúpula petista. Dispensou quadros do partido e cercou-se de pessoas de sua confiança.
A meia dúzia de escolhidas haviam-na acompanhado em outras etapas da carreira pública ou eram amigas dos tempos de guerrilha. Mulheres, como ela, dispostas a abdicar da vida "civil" e se entregar ao trabalho todo o dia, todos os dias.
Erenice Guerra havia causado boa impressão em Dilma nas Minas e Energia, não só pela eficiência como consultora jurídica mas porque se parecia com a chefe: pau pra toda obra, discreta e difícil de intimidar.
Não à toa, uma vez nomeada secretária-executiva, logo ficou conhecida como "a Dilma da Dilma". Impessoal e intransigente, replicava a titular nos eventos menos badalados, ao lidar com os pleitos de políticos desimportantes e na condução do que não fosse do PAC (da reforma do Palácio do Planalto ao motim dos controladores aéreos).
Daí o espanto com a revelação de que a "técnica" Erenice encomendou a coleta de dados sigilosos e a edição de um catatau com gastos de FHC e da ex-primeira-dama _leia-se, munição contra a oposição.
Seria precipitado traçar paralelo com Waldomiro Diniz, o assessor de Dirceu acusado de negociar concorrências com bicheiros. Ou com os "aloprados" que contrataram uma denúncia falsa com dinheiro de origem até hoje desconhecida. Ou com o Caseirogate de Palocci.
Mas o núcleo do governo que se dizia "acima da política" no mínimo perde essa marca. A mãe do PAC, e de Erenice, deve explicações.

coluna de 29.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

sexta-feira, 28 de março de 2008

Fita demo

Quase 130 deputados, um quarto da Câmara, já trabalham suas candidaturas a prefeito. O Planalto aproveita a caravana do PAC para introduzir os nomes de Lula. O Judiciário se excita, vide as advertências do TSE sobre o uso abusivo da máquina federal.
Essa movimentação toda, porém, não significa que a eleição vá seguir a lógica da política nacional. À medida que 2008 avança, as circunstâncias paroquiais prevalecem.
São elas que forçam o PT a seguidamente adiar uma decisão "macro" sobre as alianças. Que diretriz poderia justificar ao mesmo tempo o namoro com Aécio Neves, Orestes Quércia e Marcelo Crivella?
São elas, também, que explicam a sutil mudança de perfil do Democratas, partido que, em poucas semanas de campanha, viu evaporar todo seu referencial brasiliense.
A parceria com o PSDB patina. Em Recife, de olho no Senado em 2010, os tucanos deixaram na mão o favorito Mendonça Filho e optaram por fazer um agrado ao PMDB, apoiando o azarão Raul Henry. Em São Paulo, lançaram Geraldo Alckmin, em vez de fortalecer Gilberto Kassab à reeleição. No Rio, preferiram Fernando Gabeira a Solange Amaral, cria do prefeito Cesar Maia. Em Salvador, tomaram a bênção do PT e enfrentarão ACM Neto.
A imagem de genuíno partido de oposição a Lula pode ter garantido aos "demos" espaço no "Jornal Nacional", mas será de pouca valia no corpo-a-corpo deste ano.
As demandas do eleitor municipal são tangíveis e locais. Não dá camisa a ninguém polemizar sobre medidas provisórias, reforma tributária ou CPI da Tapioca. Que dirá evocar durante a campanha um adversário popular como nunca.
Aos poucos, o DEM percebe que precisa modular as críticas, soar "construtivo", recolher seus quadros mais incendiários, acenar com novas alianças. A depender do desenho do segundo turno, não estranhe se Cesar Maia acabar no mesmo palanque de Lula.

coluna de 26.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 22 de março de 2008

Aviso prévio

Por que José Serra se submeteria a um duelo acirrado à Hillary x Obama? O governador aprendeu com a experiência. Na derrota para Lula, em 2002, foi sabotado pelo próprio partido. A encarar um tira-teima, há de preferir buscar outro mandato em São Paulo _com a perspectiva de, reeleito, reduzir a pó os alckmistas que insistem em lhe atrapalhar a vida.
Embora plante por aí o desejo de uma prévia, Aécio Neves não deve pensar diferente. Expor o PSDB ao risco de uma fratura seria uma mancha no currículo "sem arestas" de um político que oferece acordos até ao mais ambicioso oponente.
Para vencer em 2010, a oposição precisa encontrar um discurso otimista verossímil _o pós-Lula, como diz Aécio. Seria difícil, porém, parecer construtivo durante um processo que inevitavelmente força a destruição do adversário interno.
Serra e Aécio sabem, portanto, que precisam um do outro para emplacar a chapa tucana. E Aécio sabe que sua única opção a isso seria sair aclamado pela base lulista _algo tão ou mais difícil de conseguir.
Até o PT deve deixar as prévias de lado. Na cúpula, só se fala em "não desperdiçar energias" e "construir consensos". Porto Alegre provou nesta semana que nem sempre a fila anda como desejam os caciques _preteriu o favorito do Planalto na escolha do candidato à prefeitura. O ministro Tarso Genro não demorou a passar recibo. Vitorioso na prévia em 2002, avisou que só tentará de novo o governo gaúcho se tiver o apoio de todo o partido.
Engajar a base nas escolhas majoritárias pode ser muito útil para um partido. Vitamina a militância, assegura espaços na mídia, oxigena a plataforma dos competidores etc.
No Brasil, porém, circunstâncias e casuísmos costumam prevalecer sobre a construção democrática. Brasília chegou a se empolgar com as prévias do Partido Democrata, com a arrancada de Obama, com o detalhamento dos debates nos EUA. Mas a febre já passou.

coluna de 22.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 19 de março de 2008

Marta, my dear

Ela será cobrada pelo relaxa-e-goza, não terá desta vez o respaldo da máquina municipal e pegará, ao que tudo indica, dois rivais fortes, em vez de um. Mas, na comparação com 2004, nem tudo joga contra Marta Suplicy.
Primeiro: o PT está mais coeso. Quando Marta tentou sem sucesso a reeleição, os caciques se acotovelavam por cargos no governo Lula e, sobretudo, para se cacifar à sucessão. José Dirceu, então superministro, por exemplo, ajudou a implodir a aliança com o PMDB em São Paulo, que daria mais tempo de TV. Tudo para enfraquecer a potencial concorrente em 2010.
Dirceu, Palocci, Mercadante & Cia. não têm mais essa perspectiva, como se sabe. Hoje lutam para recuperar credibilidade e influência. Os petistas paulistas precisam de uma vitória do PT em São Paulo.
Segundo: vitaminado, Lula pode contribuir mais agora. A rejeição a um candidato dele na cidade (24%) não é diferente da de Belo Horizonte (22%), Rio (23%), Porto Alegre (22%) e Curitiba (24%). O presidente fala muito da prefeitura carioca, mas a prioridade, claro, é vencer o adversário José Serra na casa dele. E tome PAC na periferia.
Terceiro: a chapa martista pode acabar reeditando a coalizão federal. O PMDB de Quércia está próximo. E, embora Paulinho afirme que será candidato, há no PDT quem diga que, se Carlos Lupi for deixado em paz no Ministério do Trabalho, o partido também irá de Marta.
Quarto: o discurso de oposição serve melhor a Marta. O morno "fiz-muito-mas-posso-fazer-mais" de quatro anos atrás soou estranho à personalidade e à trajetória dela.
Por fim, os oponentes partem da mesma base política, têm a mesma plataforma e competem pelo mesmo eleitorado. As fissuras entre Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM) só tendem a aumentar, assim como as chances de que o menos afortunado deles venha a ajudar veladamente a ex-prefeita num provável segundo turno.

coluna de 19.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 16 de março de 2008

Boi na linha

A CPI dos Grampos ainda não achou sua vocação. É compreensível. Ela tem um DNA diferente. Nasceu da paranóia e da indignação dos parlamentares, e não do interesse da oposição em fustigar o governo. Falta-lhe, portanto, a estridência que os interesses partidários costumam prover.
Houve também dura e inesperada concorrência nesses dois meses de trabalho. Como sobressair diante da CPMF e da Tapioca?
Além disso, nem todos se movem por disposição republicana. Uns querem aproveitar a comissão para passar uma lei que cerceie investigações e a divulgação de conteúdos comprometedores. Outros babam ante a possibilidade de descobrir segredos de alcova _e as conseqüentes oportunidades de achaque.
Mas há ainda outra razão a conspirar contra o triunfo da CPI.
Violar uma linha telefônica é fácil. Livros e sites ensinam a fazer e a instalar a escuta. Basta escolher o ponto na linha e, como num exame de sangue, puxar o êmbolo.
Na telefonia pela internet (VoIP), porém, a voz não viaja em bloco. Como os fragmentos não seguem uma única rota nem trafegam necessariamente em ordem, é quase impossível fisgar e remontar a conversa. Para piorar, alguns sistemas criptografam as mensagens. A polícia da Alemanha, por exemplo, já admitiu que não sabe o que fazer.
A CPI pode dar valiosas contribuições. Dimensionar a indústria da arapongagem _410 mil escutas foram legalmente instaladas no Brasil em 2007. Obrigar juízes a monitorar o andamento das interceptações depois de autorizadas. Impedir o "bacalhau" (grampo de telefone que não é alvo da investigação). Garantir fidelidade na transcrição e edição dos diálogos. Cobrar das telefônicas que protejam melhor a rede e combatam a escuta ilegal.
Mas a verdade é que ela delibera sobre uma realidade que a tecnologia vai deixando para trás. O colarinho branco, em Brasília e fora daqui, aprende a discar pelo Skype.

coluna de 15.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 12 de março de 2008

Mamãe, eu quero

Ao puxar Dilma Rousseff para o palanque, Lula finca pé no debate da sucessão. Impede que a oposição monopolize as especulações, defina o cenário e estrangule a decolagem do nome que o governo vier a escolher.
A ministra da Casa Civil é dos (poucos) assessores que nutrem carinho sincero pelo presidente e devotam obediência absoluta a ele. Não chiará, nem teria como, se lhe pedirem a "candidatura" de volta.
Além disso, oferece o álibi perfeito: gerencia o principal programa do segundo mandato. Lula sempre poderá citar o PAC para rebater acusações de uso eleitoreiro da máquina. Seria difícil sustentar a máscara se optasse por Tarso Genro ou Marta Suplicy ou referendasse já um não-petista como Ciro Gomes.
A Dilma não custa nada o teatro pré-eleitoral. Rodando o país, no mínimo garante visibilidade ao pacote de obras. Rodando o país ao lado de Lula, ganha cacife político para enquadrar aliados menos submissos e fazer o PAC andar melhor.
O PT enfrenta neste ano duras eleições municipais. Precisa tirar o máximo da popularidade de Lula e ampliar a aderência às realizações dele. Por isso também aplaudiu a novidade. Na semana passada, a bancada jurou fidelidade ao PAC e destacou um grupo para defender os pleitos de Dilma na Câmara. Nenhuma das alas que se digladiam no partido, cada uma com seu próprio nome para 2010, deu um pio.
Dilma é bem capaz de ir longe. Construiu imagem, justa ou não, de boa administradora. Tem repertório para encarar uma campanha que exigirá conteúdo técnico. Não assusta o grande capital nacional _pelo contrário, na Casa Civil foi ouvinte atenta e aliada valiosa dele. E seu ponto fraco, a cintura dura, vira ponto forte na propaganda: "a candidata que não transige com a incompetência e o fisiologismo".
Mas pouco disso, se é que algo disso, importou até aqui.
Por ora, a "mãe do PAC" é um projeto de curto prazo, para ocupar espaços.

coluna de 12.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 8 de março de 2008

Poder da fé

Nos EUA, os evangélicos formam uma comunidade política poderosa e sem rival em um aspecto: a atuação quase sempre homogênea de seus integrantes nas urnas. Na corrida à Casa Branca de 2004, por exemplo, 78% optaram pelo Partido Republicano.
No Brasil, o comportamento de manada não é algo dado. Pesquisa da York University (Canadá) com base em dados do instituto Ipsos mostra que nem Lula, sabidamente um fenômeno eleitoral polarizador, conseguiu esse feito. Em 2002, o petista foi o destinatário da maioria dos votos evangélicos no segundo turno. Em 2006, porém, não obteve entre esses fiéis margens de apoio estatisticamente diferentes.
Simone R. Bohn, autora do estudo, acha que, ao menos por ora, o impacto eleitoral dos pentecostais no Brasil pode ser uniforme somente na presença de candidaturas explicitamente identificadas com essas igrejas. A comunidade, segundo ela, ainda não consolidou no país um "grupo de interesse" capaz de concretizar um projeto político.
Há obstáculos. O grande número de legendas, em contraste com o bipartidarismo dos EUA. O receio dos caciques de lançar muitos candidatos evangélicos e perder espaço para esses puxadores de voto. A competição entre as próprias igrejas. E a lamentável atuação, entre o folclore e o escândalo, de vários de seus representantes na política.
Mas a multiplicação dos fiéis (25 milhões), sua capacidade crescente de mobilização e o sonho de contar com esse eleitorado deixam ouriçada muita gente em Brasília.
O governo Lula associa os evangélicos à "nova cidadania" nas grandes cidades, dada a penetração da religião entre os milhões que ascenderam das classes D e C.
Com a encomendada desistência de Wagner Montes (PDT) nesta semana, o bispo Marcelo Crivella confirmou-se, ao mesmo tempo, como a ponta-de-lança do Planalto à Prefeitura do Rio e um novo ensaio do voto evangélico no Brasil.

coluna de 08.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 5 de março de 2008

Nova fronteira

O cálculo político de Álvaro Uribe é tão preciso quanto a trajetória dos projéteis que cruzaram a fronteira para explodir os terroristas que se escondiam (hospedavam?) no Equador. Sua figura e seu discurso só fazem sentido em uma Colômbia dividida. Com o ataque, o presidente virou protagonista da novela então estrelada por Hugo Chávez. Garante mais verbas e armas dos EUA. Quem sabe, um apelo para prolongar o mandato.
Por sua vez, as Farc, se estivessem de fato interessadas em uma distensão, não soltariam os reféns em um conta-gotas teatral e sádico. Nem exigiriam, como precondição, a total desmilitarização da região da Colômbia onde hoje tocam seus negócios. Não são ingênuas a ponto de acreditar que o adversário aceitaria criar o Farquistão. Seu objetivo sempre foi um só: arrastar apoio para sufocar o governo eleito.
Chávez busca um alvo. Perdeu a condição de mirar a elite de seu país desde que antigos aliados se juntaram a ela para impedir que ele ampliasse os poderes por meio de referendo. Como a Guiana não oferece resistência à hegemonia venezuelana _e o Brasil é poderoso e ao mesmo tempo ausente demais_, restou ao coronel olhar para o oeste.
A violação à soberania nacional não fez senão legitimar a pregação de Rafael Correa, de que o Equador deve se unir e mobilizar os vizinhos contra a hostilidade imperialista.
E os EUA, que enfrentavam duras críticas devido ao acúmulo de fracassos no combate ao narcotráfico, têm uma nova desculpa para manter a base na Colômbia: protegê-la de bolivarianos ensandecidos.
Há outras razões e rancores em jogo. Mas, grosso modo, a escalada de ânimos hoje serve circunstancialmente a todos os atores da região.
O Brasil é o país certo para abrir a mediação e aquietar as "trombetas da guerra". E Lula, com suas hesitações, ambivalências e outras táticas anestesiantes, talvez seja o político certo no lugar certo.

coluna de 05.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 1 de março de 2008

Boca de Lupi

O Planalto alega que não pode demitir um ministro "a cada denúncia" da imprensa. Certo. Mas não é isso o que segura Carlos Lupi (Trabalho), censurado pela Comissão de Ética por conciliar o cargo com a presidência do PDT e investigado pela Controladoria Geral por assinar convênios supostamente em benefício do partido.
Ao governo não interessa que o PDT saia da coalizão e caia no colo oposicionista em 2010.
Muito menos que a ruptura ocorra na largada das eleições municipais. É um pedetista, por exemplo, quem lidera as pesquisas no Rio, alvo cobiçado pelo lulismo.
Seria um perigo, também, abrir precedente e dispensar um ministro por causa de parcerias estranhas com ONGs. É evidente que outros partidos da base bebem dessa torneira. Note o empenho dos governistas para bloquear a CPI que pretendia investigar os convênios.
Mas Lupi sobrevive, mais do que tudo, porque representa a Força Sindical no primeiro escalão.
Sem o apoio da central, o presidente teria (mais) problemas para resolver as muitas pendências na área do Trabalho: imposto sindical, direito de greve no setor público, convenções da OIT, reajustes do funcionalismo (congelados pós-CPMF) etc.
Lula, PT e CUT surgiram em protesto contra o sindicalismo "pelego" e a legislação trabalhista que este avalizou (algo que o distanciou do brizolismo, herdeiro do varguismo e escola política de Lupi).
Mas o mundo girou, o trabalhismo perdeu relevância, o discurso murchou. Com a informalização e a volatilidade do mercado, o operário não chama mais a CLT de fascista. Pelo contrário, aferra-se a ela.
Lula não é míope como os aliados que plantam denúncias contra Lupi. Ao acalentar o ministro da Força, ele mantém não só um equilíbrio entre as centrais como o direito de discursar em nome de todas.
O legado varguista virou pop. Lula vai abraçá-lo até que o eleitor se esqueça de Getúlio Vargas também.

coluna de 01.mar.2008

mfilho@folhasp.com.br