segunda-feira, 25 de abril de 2011

Além das coincidências

No início do ano, Aécio Neves despontava como o líder da oposição. Tinha o comando de seu partido, o PSDB, e do principal aliado, o DEM. Preparava a estreia no Senado e o anúncio do novo estilo de atuação do consórcio demotucano: crítico, mas disposto a colaborar com o Planalto. O tal pós-Lula.
No início do ano, Geraldo Alckmin dizia-se "reserva" no xadrez nacional _um jeito de se incluir no tabuleiro. Revigorado pela vitória no primeiro turno, assumia o governo do maior colégio eleitoral do país decidido a repaginar o PSDB paulista e a resgatar projetos e políticos escanteados pelo antecessor.
José Serra, por sua vez, estava liquidado. Pagava pelos erros da campanha presidencial _e pelos erros cometidos antes dela. Era descartado até para a direção do PSDB, um cargo praticamente decorativo.
Deu-se, então, a criação do PSD e a debandada de muitos democratas e alguns tucanos para essa sigla.
Agora, Aécio é líder de uma oposição reduzida e de um DEM em ruínas, na melhor hipótese com 50% da bancada que elegeu. A nova legenda roubou-lhe o discurso furta-cor: não é de esquerda, de direita nem de centro, muito pelo contrário.
Alckmin agora se desdobra para remendar a base de apoio. Foi abandonado pelo vice-governador e por metade de seus vereadores paulistanos. Não tem candidato forte à prefeitura da capital e vê-se pressionado a defender a fusão PSDB-DEM para que o PT não dispare como o maior partido do Estado.
E Serra? Embora alquebrado, ressurge como o nome em tese capaz de reaglutinar a oposição em São Paulo em 2012 e o único tucano ao qual o PSD declara voto em 2014.
Talvez seja exagero atribuir a ele tanta reviravolta. Talvez seja só coincidência, também, o novo partido nascer da ala serrista do DEM (Kassab, Kátia Abreu, Afif, Indio).
Mas alguém ainda acredita que Serra aceitará docilmente o ocaso que lhe impingiram e se recolherá às madrugadas no Twitter?

coluna de 25.abr.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Abuso de poder

A política escreve por linhas tortas. O Congresso poderá ganhar alguma relevância graças ao desprezo de Dilma pela atividade parlamentar e ao fato de que, na ponta do lápis, ela dispõe de maioria para aprovar o que quiser.
Há tempos o Senado e a Câmara têm papel cartorial. Só carimbam aquilo que o Executivo embala. Os lobbies migraram para a Casa Civil.
Por 16 anos, porém, os congressistas tiveram uma missão que lhes tomava tempo e energia: um lado cuidava de defender o governo; o outro, de fustigá-lo sem clemência.
Ainda que FHC e Lula se esforcem em manter vivo esse dualismo, ele já não mobiliza as duas Casas.
Primeiro, porque a oposição saiu numericamente reduzida da eleição de 2010 _e continua diminuindo, no rastro de Kassab & cia.
Segundo, porque Dilma se apropriou de bandeiras dos adversários (rigor fiscal, privatização), diluindo as diferenças programáticas.
Terceiro, porque o perfil dos líderes tucanos mudou. Aécio Neves não crê na eficácia do enfrentamento nem tem vocação para a tribuna.
E, quarto, porque o Planalto não traçou uma pauta legislativa. Confia em poder governar por meio de decretos e medidas provisórias.
Por isso tudo _e por achar que os congressistas são, em regra, picaretas_, Dilma desencanou de vez.
Nomeou um ministro sem projeção para tratar com o Congresso. Bloqueou as emendas parlamentares. Não abriu interlocução com os caciques da base (PT incluído).
A tática do desdém pode eventualmente dar certo. Em Brasília, não há força maior que a da inércia.
Mas, aos poucos, os governistas se incomodam. Percebem que não há mais um Artur Virgílio para rebater. Que nem veteranos como José Sarney e Renan Calheiros têm acesso ao Planalto. Que o presidente do PT caiu em crise depressiva.
Nada apavora mais o político do que um horizonte de irrelevância. Um jeito de o Congresso aparecer? Reaprender a legislar e a fiscalizar.

coluna de 18.abr.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vale compras

Dilma carrega a fama de estatista, mas completa cem dias na Presidência empenhada em dar ao governo a agilidade da iniciativa privada e em escapar, como puder, dos incômodos do direito público.
Há no Planalto convicção de que o atual regramento das concorrências reduz o ritmo dos investimentos e engessa a administração de contratos e obras. Sem falar na exposição ao exame dos órgãos fiscalizadores e às críticas da imprensa.
Nesse sentido, interessa uma Vale que colabore com os planos nacionais de infraestrutura e aja como instrumento da política industrial.
A empresa hoje controla, por exemplo, quase metade da malha ferroviária do país e investe sozinha em portos o mesmo que o PAC todo.
Imagine que um dia Dilma deseje mudar o marco regulatório desses dois setores _e esse dia chegou. Imagine então como a Vale, que não precisa licitar as compras, poderá ser útil. Um tapinha não dói.
Mais do que a ideia de transformar a empresa em um bunker petista (só os muito paranoicos creem que 120 mil funcionários aceitariam docilmente ser conduzidos em tal direção), é essa "sintonia logística" o motivo da cruzada governamental para defenestrar Roger Agnelli.
A linha de ação já tinha aparecido com o pré-sal, na definição de que uma nova estatal irá cuidar só de tarefas burocráticas, de gestão. Por que abrir mão da capacidade elástica de compras da Petrobras?
E deverá reaparecer nesta semana, com o envio ao Congresso da proposta do Orçamento de 2012.
O Planalto cogita anexar um projeto que diminui as exigências para as obras relacionadas à Copa-2014 e à Olimpíada-2016. O "relacionadas", claro, ficará por conta do governo. Aeroportos, energia, transportes, saneamento, segurança, tudo será executado mais livremente.
Elaborada em 1993 como resposta aos desmandos do governo Collor, a Lei das Licitações pode até merecer revisão (o Brasil de fato mudou), mas não a aposentadoria.

coluna de 11.abr.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Aperte os cintos

Ciosa da imagem de boa gestora, Dilma poderia explicar por que há duas semanas assinou a criação de um ministério para cuidar da aviação civil e até hoje não se importou em nomear o ministro.
Há um descompasso de velocidades em tudo o que diz respeito à reformulação do setor aéreo. A urgência no discurso do Planalto contrasta com a lentidão das ações.
Sabe-se desde janeiro, por exemplo, que a presidente decidiu transferir à iniciativa privada o direito de explorar os aeroportos _inequívoca guinada em relação à política de Lula. Mas nada de definir e divulgar os detalhes do novo modelo.
Assim como nada acontece na Anac. O órgão regulador, deslocado para o guarda-chuva do novo ministério, está acéfalo desde fevereiro. Sem interesse de permanecer, a presidente Solange Vieira saiu de férias e não voltou a Brasília.
Responsável pela administração dos aeroportos, a Infraero vive dias de impasse também. Não se falou mais no plano de abrir o capital da estatal. Nem no destino dos terminais de menor porte, deficitários.
Enquanto isso, os principais aeroportos continuam saturados. Resultado de anos de negligência nos serviços, da decadência da infraestrutura e do fato de que, pela primeira vez, mais brasileiros viajam de avião do que de ônibus _o número de passageiros de avião cresceu 115% de 2002 a 2010.
Ou o governo Dilma hesita em enfrentar essa situação porque sofre dos mesmos males dos anteriores: a dificuldade paquidérmica de se mexer e a incompetência para lidar com problemas complexos.
Ou hesita porque lhe falta sinceridade. Anuncia agora "forte intervenção" no setor apenas para justificar a criação de cargos (já são 130 novos), o aparelhamento do Estado e a possibilidade de fazer negócios com a iniciativa privada no futuro.
A primeira declaração do novo presidente da Infraero, Gustavo Vale, dá uma pista: "Se a Copa fosse hoje, não teria problema". Não?!

coluna de 04.abr.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br