quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Carta sindical

O primeiro escalão estourou champanhe quando a Justiça estendeu aos servidores a lei de greve da iniciativa privada. As paralisações no setor público vêm sendo convocadas a torto e a direito, sem pauta consistente, e quase sempre vitimam os mais pobres, quem de fato depende dos serviços. A festa foi tanta, porém, que talvez não faça sentido analisá-la apenas à luz de razões administrativas.
Primeiro porque, ainda que seja retratado como "decadente", o sindicalismo resta como um dos poucos braços organizados e atuantes da chamada sociedade civil.
Em si, constitui um incômodo para todo tipo de governo _que dirá para um que se preza por harmonizar as estridências e apresentar o silêncio como consenso nacional.
Segundo, e sobretudo, porque o lulo-petismo não coincide com os projetos políticos de fatia significativa (e crescente) dos sindicatos.
As associações que representam o funcionalismo público cada vez mais terminam no colo da ultra-esquerda _do PSOL e do PSTU.
Segunda maior central do Brasil, a Força Sindical cobra caro pelo apoio ao Planalto. Tem uma perna no PDT e uma pinimba (insuperável?) com o PT _décadas atrás, afinal, os petistas repudiavam as heranças do varguismo/brizolismo e denunciavam os hoje-aliados como pelegos.
Mesmo a anestesiada CUT será fraturada no mês que vem, em razão do avanço e da insatisfação dos sindicatos apegados ao PC do B.
Quem "pensa o futuro" do PT _e dos governos do PT_ não erra ao avaliar que essa indústria de piquetes, que tanto estardalhaço produz, hoje se tornou inconveniente.
Não que o partido pretenda abandonar de vez o lastro sindicalista. Não se joga voto fora, claro.
Mas merece registro, e reflexão, o fato de que tenham vindo do alto clero do PT _e do PT no governo_ os discursos mais incisivos em defesa da lei de greve para os servidores, do fim da obrigatoriedade do imposto sindical e da revisão da CLT.

coluna de 31.out.2007

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sábado, 27 de outubro de 2007

Balé municipal

Para o PMDB, a situação é confortável até 2010. Sem aspirações majoritárias colocadas, nada melhor do que se servir dos cargos e photo ops com o presidente popular. Se em dois anos o projeto "viável" pertencer a um partido de oposição, Aécio por exemplo, o bandeamento será tranqüilis.
Para o PT, não. Pela primeira vez terá de testar o poder de fogo sem o nome de Lula na cédula. Precisará de toda ajuda. Que dirá a do parceiro com mais filiados e a maior penetração no território nacional _uma considerável máquina eleitoral.
Amarrar o PMDB e fazer com que a aliança transcenda de algum modo Lula seria, portanto, fundamental para as pretensões petistas.
As eleições municipais do ano que vem, que por enquanto parecem chochas e irrelevantes, se encaixariam nesse xadrez. Elas poderiam ser o momento de renovação do compromisso PT-PMDB. Funcionar como um contrato de gaveta.
O problema é que o petismo não está acostumado a ceder espaço na política. Sua tradição manda despachar os dissidentes e forçar a cabeça de chapa a todo custo.
Sócio bem mais cordato, o PC do B sentiu isso na pele há três anos em Fortaleza. Com o candidato favorito nas pesquisas, viu o PT impor na última hora, e com o apoio do primeiro escalão do governo federal, o nome de Luizianne Lins.
Mais preocupados com as disputas internas, hoje (como sempre) os petistas não parecem dispostos a abdicar do eu-quero-só-pra-mim.
Sem nome competitivo no Rio, por exemplo, rechaçaram nesta semana a idéia de autenticar o candidato do governador peemedebista Sérgio Cabral. Mais: divulgaram o plano de concorrer a quase todas as cem principais prefeituras do país (hoje controlam um quarto delas).
A oposição, tão criticada pela inação, parece ter enxergado adiante. Ampliar o fosso entre PT e PMDB é um objetivo do tucanato quando interfere nas eleições no Congresso e nas labaredas do Renangate.

coluna de 27.out.2007

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quarta-feira, 24 de outubro de 2007

A Copa do Mundo é nossa

Na semana que vem, a Fifa deve chancelar o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014. É a senha e a hora de o país evitar que se repitam os erros do Rio-2007.
O Pan foi bem-sucedido em vários aspectos: espetáculo, mídia e instalações. Mas teve problemas importantes devido à tibieza do poder público, que aceitou ficar sempre a reboque dos organizadores.
Não se trata apenas do estouro nas contas _o repasse estatal foi de R$ 400 milhões a R$ 3,7 bilhões. Mas das benfeitorias no Rio, menos numerosas do que o prometido.
Os Mundiais de futebol costumam ser criticados por produzir elefantes brancos: estádios com capacidade acima da demanda local e altíssimo custo de manutenção.
Contudo, ainda que indiretamente, esses edifícios podem ter impacto positivo sobre a economia e a infra-estrutura das cidades-sede.
Um projeto inteligente cuidaria de prever usos colaterais para as arenas, ligados ou não ao esporte (museus, escolas, espaços culturais etc.). E, principalmente, não as desperdiçaria como instrumento de revitalização urbana, uma vez que os entornos e as rotas de acesso exigem novas instalações de água, luz, telefonia, esgoto, segurança e asfalto _melhorias que, de quebra, atiçariam o mercado imobiliário.
O problema é que essa geografia interna da Copa é definida a portas fechadas por Fifa & Sócios. Ao anfitrião dá-se um pacote fechado, com o discurso do pegar-ou-largar.
Posto que bancará todo o custo extra-esportivo, o governo federal não deveria se resignar. Mais que isso, já que o país não tem concorrentes, deveria pensar grande.
Poderia exigir a maioria dos jogos no Nordeste, por exemplo. (O Maracanã evidentemente terá de ser a casa fixa da seleção brasileira.) Além de focar o investimento em áreas mais carentes, essa opção reduziria estorvos logísticos e climáticos e seria um golaço de marketing para o setor do turismo.
A roubalheira? Ignora latitudes.

coluna de 24.out.2007

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sábado, 20 de outubro de 2007

A delicadeza do suflê

A imposição de regras duras para coibir o troca-troca colocou o Partido da República na berlinda. O deputado federal Luciano Castro não sai dos telejornais, transformado em garoto-propaganda da infidelidade. Apanha em nome de todos. "Bem feito", alguém dirá. Quem manda liderar o partido que mais atraiu políticos vira-casacas no segundo mandato?
Não que a sova seja imerecida. Os quadros do PR não se destacam pela vocação programática. Zanzam em torno do que se convencionou chamar de "balcão" no Congresso.
Mas os clichês do toma-lá-dá-cá federal nem de longe explicam o sucesso galopante da agremiação.
Basta notar que seus parlamentares não encabeçam o ranking das emendas liberadas pelo Executivo. Ou que o partido manteve só um ministério _o mesmo do governo Lula 1 (Transportes). Ou que seu lote de cargos não avançou além do segundo escalão do setor (DNIT).
Na verdade, o PR descolou-se dos assemelhados PTB, PRB e PP, tornando-se o principal refúgio dos adesistas, devido a uma avaliação mais realista do quadro partidário.
Percebeu que políticos de pouca expressão, ou de expressão circunscrita a redutos pequenos, andavam insatisfeitos com as regras e pedágios estabelecidos pelos caciques de suas siglas de origem.
Devastado pelos escândalos do mensalão e, sobretudo, dos sanguessugas, o ex-PL-fundido-ao-Prona ousou fazer a esses nanicos a oferta que outros partidos consideravam absurda: a possibilidade de controlar, com total autonomia (e o "amparo" do DNIT), as próprias alianças e bases de atuação.
De um modo torto e viciado, portanto, o partido-suflê não fez senão adiantar uma estratégia distrital _aquela que muita gente de bem recomenda para (re)aproximar os eleitores da política.
A onda repentina em favor da fidelidade partidária deve ser vista também como uma reação a essa perspectiva de descentralização.

coluna de 20.out.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Trava-língua

O presidente estava confiante e espirituoso e se deparou com perguntas que não têm freqüentado as coletivas. O saldo foi um depoimento menos contido do que a relação atritada entre Planalto e imprensa permitia antever.
Lula abandonou o discurso cauteloso sobre o mensalão. Não há nada provado, insistiu, ao contrário do que sustentam o procurador-geral e alguns ministros do Supremo. É "acreditar em Papai Noel", rebateu, quanto ao envolvimento de parte do PT.
O presidente desfez as declarações ambíguas (e mais convenientes do ponto de vista político) sobre Zé Dirceu. "Não acho que ele seja um traidor."
Afirmou que "ministro forte cai" e mandou recado ao BC: não considera correto interromper a queda dos juros, e, se isso ocorrer, Henrique Meirelles terá que "explicar".
Não calou quando indagado sobre o negócio do filho com a Telemar.
Revelou que prefere programas "quanto mais avacalhados, melhor" na TV, justo quando o governo prepara o lançamento de uma custosa emissora pública em nome de "conteúdo mais aprofundado".
Pela primeira vez aceitou tratar do incidente com o "New York Times". Não poupou palavrões. Afirmou que não fica "travado" de bebida há mais de 30 anos e desafiou o jornalismo a provar o contrário (algo sempre arriscado).
Teceu comentários sobre três ex-presidentes (o "FHC vacilou" ja´é candidato a clássico).
Discorreu com paciência sobre dez presidenciáveis, um a um.
Não titubeou em piscar na direção de Aécio Neves, apesar da onda no país pela fidelidade partidária.
Teve a gentileza até de, no dia seguinte, acrescentar uma resposta sobre a saída de Renan Calheiros.
Provocado ou espontaneamente, falou de todos na entrevista de domingo na Folha. Com uma única e intrigante exceção. "Não comento", repetiu às três perguntas do insistente repórter Kennedy Alencar sobre o ex-deputado Roberto Jefferson.
Se o PTB não faz cócegas no governo, por que tanto prurido? É digno de nota que Lula ainda se abstenha de retrucar o algoz do mensalão.

coluna de 17.out.2007

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domingo, 14 de outubro de 2007

O leopardo

O escândalo da Gautama ameaçou dois senadores, mas só um acabou arrastado, graças à já famosa tatuagem da borboleta. Pouco importa que o dono da empreiteira tenha catapultado a folha corrida de obras no Maranhão, com o apoio da família do outro.
O único ministro vitimado pela Operação Navalha foi um anônimo que construiu a trajetória na tecnocracia e ascendeu na política pelas mãos de José Sarney. Tão logo as acusações emergiram, Silas Rondeau entregou o posto. Quebrou a tradição lulista, que prevê meses de afagos antes da degola. O que convenientemente manteve os holofotes afastados do padrinho.
A petista Ideli Salvati subiu à tribuna e deu shows de contorcionismo em defesa de Renan Calheiros e da coalizão. Roseana Sarney nem na platéia foi vista. A líder do governo, de tão entocada, levou o apelido de Hello Kitty _a gatinha sem boca.
Foi o pai quem operou as defecções na oposição que ajudaram a absolver Renan no plenário _algumas depois convertidas em adesão a partidos da base. Quem pagou o pato foi Aloizio Mercadante, que tocou a flauta do PT no espetáculo.
Os "franciscanos", tidos como renanzistas, jogaram a toalha no momento em que notaram o sumiço de cena do ex-presidente e da filha.
Francisco Escórcio, acusado de espionar a mando de Renan, era assessor especial da presidência do Senado. Mas foi indicado para o cargo por Sarney _assim como, por indicação de Sarney, virou conselheiro de estatal do setor elétrico.
A CPMF era o alvo, e o Planalto negociou pau a pau com a oposição a saída de Renan. Mas não se deve subestimar o papel do ex-presidente.
Sarney esteve em todos os lances da crise, ainda que nas sombras. Saiu inteiro até dos mais perigosos. Não foi ao jantar que liqüidou o colega só para dar o abraço solidário.
O PMDB, o Planalto e o próprio Renan já têm um nome para "pacificar" o Senado mais adiante.

coluna de 13.out.2007

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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O prêmio jabuti

É fato que Lula bateu o recorde de medidas provisórias e que estas entulham a pauta e travam as votações. Mas o Congresso está longe de se rebelar. Na verdade, deseja ardentemente os decretos _e não só para fechar o toma-lá-dá-cá, como se poderia imaginar.
Para emplacar uma nova lei, o parlamentar tem de encarar uma via-crúcis. Precisa submeter o texto a pelo menos duas comissões antes de tentar construir uma maioria que resista à seqüência de votações nas Casas e à caneta do presidente.
A medida provisória não. Ela pula comissões, fura a fila do plenário e vem com prazo para ser apreciada, além de ter validade imediata.
Ao optar pela avalanche de MPs, Lula acirrou a dor-de-cotovelo. Não podia ser outro o desfecho quando o Congresso descobriu que é possível grudar um projeto de lei no decreto do Planalto _e que a aprovação deste arrasta a daquele.
Uniu-se o útil ao agradável: um despachante poderoso como o presidente e a conveniência política de legislar no contrabando, longe do escrutínio e do debate públicos.
Desse modo, uma MP sobre casa própria acabou versando também sobre embalagens de leite. Uma sobre IR rebocou regras para motoristas de vans. E por aí foi-e-vai.
Para quem havia estranhado a gritaria geral na Câmara quando o Executivo cancelou três MPs para acelerar a tramitação da CPMF, um esclarecimento: ninguém dava pelota para o conteúdo das medidas. Os apêndices é que interessavam.
Resultado: além de batalhar para aprovar a MP, os coordenadores da base aliada agora têm de administrar a sanha anexadora das minibancadas regionais ou setoriais e o assédio dos lobbies privados. Relatar MP virou tarefa cobiçadíssima.
Nesse mundo de sujeitos ocultos, a ordem é antecipar a próxima fornada de decretos e engatar o que por aqui ganhou o apelido de jabuti.
Para essa turma, CPMF é assunto vencido. As reais oportunidades de negócio estão na MP da TV Pública.


coluna de 10.out.2007

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 7 de outubro de 2007

Meninos perdidos

Eduardo Paes é peixe pequeno, um político sem projeção nacional e de escassa força eleitoral em seu Estado. Mas sua decisão de se atirar nos braços de Lula tem importância simbólica _e não só porque foi tomada na semana em que o Supremo se manifestou em favor da fidelidade partidária.
O carioca Paes saiu do anonimato na comissão parlamentar que fez tremer o governo com a investigação do mensalão. Essa CPI trouxe uma novidade. Em vez de figuras enrugadas de Brasília, reunia rostos jovens, capazes de formular declarações curtas, ao mesmo tempo carbonárias e bem-humoradas, e de encher a tela sem assustar a audiência. Também por isso eles cavaram espaço fixo nos telejornais.
A oposição naturalmente se animou. A Paes, um deputado de apenas 37 anos, foi confiada a secretaria-geral do PSDB, o segundo principal cargo do partido _no papel, o encarregado de engrossar e mobilizar a militância. A ele, também, foi entregue a chapa a governador no ano passado, um treino para a eleição à Prefeitura do Rio em 2008.
O boa pinta que fustigava Lula e que tinha sido promovido a engenheiro do futuro tucano, porém, não resistiu às piscadelas. Ladeou-se a Sérgio Cabral no cordão que cada vez aumenta mais. Fechou com o PMDB lulista.
Quase o acompanhou outro astro da jovem guarda do "JN". O deputado ACM Neto (DEM) só não aderiu formalmente à base aliada porque uma facção do carlismo rival à dele chegou primeiro. Pré-candidato em Salvador, o antes inclemente hoje endossa o em-Lula-eu-não-relo.
É claro que nem todos cederam. Há Gustavo Fruet (PSDB-PR), por exemplo. E a tropa de choque de técnicos a serviço dos "demos" continua atuante no Congresso.
Mas a debandada de Paes é um elemento a mais a esvaziar as CPIs como plataforma de construção partidária. A estridência da ação parlamentar, que parecia tão sólida, desmanchou nos ares do paroquialismo e do proveito imediato.

coluna de 06.out.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

"We Are the World"

Em tese, a maioria parlamentar ajuda o governo a rebater ataques e a garantir a aprovação de matérias de seu interesse.
Não para Lula. Desde a ressaca do desmonte do mensalão, o Planalto nem se importa em desenhar projetos que requeiram o Legislativo.
A coordenação política chegou à conclusão de que dá para tocar a vida à base de medidas provisórias.
(Tanto que fazer contrabandos no texto das MPs foi o jeito que o Congresso encontrou para legislar.)
Essa opção pelo desdém, no entanto, tem efeitos colaterais sobre a base governista _de tamanho e heterogeneidade sem precedentes.
Ela explica por que muitos aliados não dão a cara a bater. Não se vê Roseana Sarney, líder do bloco no Congresso, na tribuna.
Explica por que os engajados estão tão desnorteados, em busca de um discurso para chamar de seu. Os petistas? Fazem figuração, como os colegas do PR ao PRB, no coro do "We Are the World" pelo "social".
E explica por que alguns se sentem à vontade para se levantar. Como sabem que a CPMF é vital para o segundo mandato, e que não há agenda legislativa além dela, sobem o preço e exigem o pagamento antecipado, o chinelinho que seja.
O resultado é bizarro: já não se percebe quem constrange mais o Planalto, se a base ou se a oposição.
No Senado, por exemplo, ficou difícil decifrar quem (não) trabalha pela cabeça de Renan Calheiros.
A grande coalizão lulista cumpriu até aqui o objetivo de garantir a governabilidade _leia-se, manter recolhidos todos os atores de 2010.
Mas ajudou a rebaixar o Congresso a essa geléia geral. Borrou as fronteiras entre aliados e adversários. Deu a todos a cara do fisiologismo, do reboque, da irrelevância.
Por isso o julgamento de hoje no Supremo tem um quê de nonsense.
Faz sentido debater a fidelidade partidária se cada aprovação no plenário, na definição do próprio líder no Senado, Romero Jucá, exige uma "construção específica"?

coluna de 03.out.2007

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O capital

É exagero dizer que Lula traiu os palanques. A ocupação sindicalista da máquina federal e a reinclusão dos pobres na propaganda e nas medidas de governo indicam o oposto. Mas, aqui e ali, o presidente encampa discursos e idéias que em outros tempos levariam a militância a rasgar os pulsos.
Por exemplo, quando afirmou que greve no serviço público é férias e mandou cortar o ponto _rompante compreensível, dado que as paralisações punem a baixa renda.
Ou quando apontou Henrique Meirelles e a política econômica de juros e superávits pouco modestos como os fiadores da reeleição.
Pois acaba de partir outro tirambaço "on the record" contra o palavrório dos idos do Lulalá. "É importante uma relação íntima entre setor público e setor privado. Você precisa do capitalista, (...) fortalecer grandes empresas", falou ao "Valor" a ministra Dilma Rousseff.
Usar o capital privado como ferramenta de governo não é invenção do ano. O namoro com Gerdau, Agnelli & S.A. já tinha engatado no escurinho do primeiro mandato. Há, também, risco de o Estado ficar à mercê do interesse dos sócios. Não é difícil, por fim, listar argumentos de que a gestão da Casa Civil é menos dinâmica do que parece.
Isso tudo, porém, não desqualifica a decisão de sair do armário.
O convite aos grandes "players" faz sentido nessa hora de enfrentar gargalos (menos interlocutores significa mais agilidade), resulta de uma leitura madura do contexto global (vide o protagonismo da Telefónica na vitalização econômica da Espanha) e, de quebra, dissolve um tabu das esquerdas (quem lembra os ataques ao candidato ao governo paulista Antônio Ermírio de Moraes em 1986?).
Diz-se na política que, na negociação, os lados sacrificam logo as convicções mais agudas. Daí que as coisas costumem rumar a um centro pantanoso, a um zero imobilista. Às vezes, porém, elas desenham novos consensos _eventualmente, como agora, bons sensos.

coluna de 29.set.2007

mfilho@folhasp.com.br