segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O capital

É exagero dizer que Lula traiu os palanques. A ocupação sindicalista da máquina federal e a reinclusão dos pobres na propaganda e nas medidas de governo indicam o oposto. Mas, aqui e ali, o presidente encampa discursos e idéias que em outros tempos levariam a militância a rasgar os pulsos.
Por exemplo, quando afirmou que greve no serviço público é férias e mandou cortar o ponto _rompante compreensível, dado que as paralisações punem a baixa renda.
Ou quando apontou Henrique Meirelles e a política econômica de juros e superávits pouco modestos como os fiadores da reeleição.
Pois acaba de partir outro tirambaço "on the record" contra o palavrório dos idos do Lulalá. "É importante uma relação íntima entre setor público e setor privado. Você precisa do capitalista, (...) fortalecer grandes empresas", falou ao "Valor" a ministra Dilma Rousseff.
Usar o capital privado como ferramenta de governo não é invenção do ano. O namoro com Gerdau, Agnelli & S.A. já tinha engatado no escurinho do primeiro mandato. Há, também, risco de o Estado ficar à mercê do interesse dos sócios. Não é difícil, por fim, listar argumentos de que a gestão da Casa Civil é menos dinâmica do que parece.
Isso tudo, porém, não desqualifica a decisão de sair do armário.
O convite aos grandes "players" faz sentido nessa hora de enfrentar gargalos (menos interlocutores significa mais agilidade), resulta de uma leitura madura do contexto global (vide o protagonismo da Telefónica na vitalização econômica da Espanha) e, de quebra, dissolve um tabu das esquerdas (quem lembra os ataques ao candidato ao governo paulista Antônio Ermírio de Moraes em 1986?).
Diz-se na política que, na negociação, os lados sacrificam logo as convicções mais agudas. Daí que as coisas costumem rumar a um centro pantanoso, a um zero imobilista. Às vezes, porém, elas desenham novos consensos _eventualmente, como agora, bons sensos.

coluna de 29.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

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