sábado, 28 de junho de 2008

Via Crusius

O PT pode não derrubar Yeda Crusius, mas sai reanimado do caso Detran (ou Banrisul ou Projovem... existem tantas frentes de pilantragem que o caso não recebeu "nome fantasia" à altura).
A eleição da governadora tucana tinha significado uma inflexão na política gaúcha. Pela primeira vez na década, houve três nomes competitivos, e o debate não se restringiu ao Gre-Nal entre petistas e antipetistas. Porto Alegre preparou-se para confirmar a tendência neste ano, com cinco candidatos fortes.
Com o escândalo de desvio de verbas e caixa dois eleitoral, porém, a polarização deve ressurgir.
Primeiro, porque o PT capitalizou a indignação do eleitor (mais de 70% dizem seguir o noticiário). Apesar da maioria governista na Assembléia Legislativa, o trabalho da CPI não deixou de avançar.
Segundo, porque a crise abala vários oponentes. Yeda é do PSDB, mas o Detran quem controlava era o PP, o Banrisul estava na mão do PMDB, o vice dedo-duro pertence ao DEM, o secretário grampeado é do PPS (partido que elegeu o prefeito José Fogaça)... Poder botar todos no mesmo balaio será um trunfo petista em outubro e também em 2010 _Yeda se lascou e Germano Rigotto (PMDB), que se insinuava como a "terceira via", sai arranhado, pois o esquema de corrupção é herança de sua gestão.
O PT tinha três problemas para se reerguer no RS: 1) má avaliação de seus governos recentes; 2) falta de idéias (o orçamento participativo não cola mais); 3) racha interno.
Resolveu dois deles com o presente que ganhou dos céus (quer dizer, da PF de Tarso Genro). Poderá dizer: Ruim comigo, pior "semigo".
Quanto ao terceiro, um Detran parece não bastar. A perspectiva de poder acentuou a rixa entre as correntes, como atestam o isolamento da candidata Maria do Rosário em Porto Alegre e as cotoveladas entre petistas gaúchos na Esplanada dos Ministérios. Só por isso Manuela D'Ávila (PC do B) ainda tem chances de surpreender na capital.

coluna de 28.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Bloco da saudade

Salvo surpresa nesta última semana de convenções partidárias, a meses da votação é possível dizer que o "bloquinho" tremeu no primeiro teste eleitoral.
Nascido de circunstâncias da atividade no Congresso, o consórcio formado por PSB, PDT e PC do B iniciou 2008 com três ambições:
1) Arranhar a hegemonia (e a obsessão "hegemonista") do PT e firmar posição na coalizão de Lula;
2) Unir forças nos municípios e, com isso, aumentar a viabilidade de seus candidatos a prefeito;
3) Montar palanques para consolidar o nome de Ciro Gomes à sucessão presidencial de 2010.
Nada disso foi adiante:
1) O "bloquinho" desistiu de incomodar o PT antes de tentar. Toda vez que os petistas pediram socorro, aceitou retirar seus concorrentes (São Paulo, Natal, Salvador, Recife...). A contrapartida ocorreu só uma vez, em Belo Horizonte _e, ainda assim, por interferência de Aécio Neves, um tucano, e não por imposição da "nova esquerda";
2) As peculiaridades da política municipal comprometeram o projeto de replicar a parceria, ao menos no primeiro turno. Nas capitais, o trio hoje faz mais vôos solos do que em conjunto. As relações estremeceram. Abalroado pelo escândalo do BNDES, o PDT virou um tio inconveniente que ninguém quer por perto. PSB e PC do B passaram a se alfinetar no noticiário;
3) A despeito de recaídas beligerantes, Ciro não quis jogar todas as fichas já. Operou para convencer Aldo Rebelo a ser vice de Marta Suplicy, por exemplo. Reduzir a resistência do PT de São Paulo pareceu-lhe mais importante do que divulgar o nome pela TV na cidade.
Tantos recuos não tardaram a repercutir em Brasília. O "bloquinho" não mostra fôlego nem para tentar a presidência da Câmara, a empreitada que lhe deu origem em 2007. Foi procurar a solução noutro partido: o simpaticão Ciro Nogueira (PI), do PP, que de esquerda tem apenas a mão que espeta o bife.

coluna de 25.jun.2008

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domingo, 22 de junho de 2008

Sentença de morte

A punição à imprensa por entrevistar pré-candidatos a prefeito é tão absurda que, cedo ou tarde, deverá ser revista. Por isso são mais preocupantes os comentários de nomes ilustres do Judiciário, inclusive de alguns que se opõem à sentença do juiz auxiliar.
Em vez de defender a liberdade de imprensa fixada pela Constituição ou alertar para a distinção na lei eleitoral entre mídia escrita e TVs/ rádios (concessões públicas que têm de ser reguladas), muitos decidiram opinar sobre aspectos jornalísticos: "as perguntas foram críticas", "não dá para trazer entrevistas com todos os candidatos no mesmo dia", "não houve promoção excessiva no texto" etc.
Há algo de estranho e perigoso quando a análise de conteúdo se sobrepõe à leitura constitucional.
Foi este o equívoco das promotoras que abriram o caso. "Há uma diferença entre o espírito da lei e o texto da lei", uma delas quis se explicar, sem esclarecer como se faz essa interpretação "mediúnica".
A lei é clara. O jornal/revista tem o direito de estampar uma reportagem laudatória e baba-ovo tanto quanto o de publicar uma peça ponderada e inquisitiva _e o leitor tem o direito de ler aquela(s) que quiser.
O ativismo do Judiciário não nasceu por acaso. O poder é cobrado (e é bom que seja) a atualizar a jurisprudência. Não faz sentido que feche os olhos ao mundo a seu redor.
Mas isso não desculpa os atropelos cometidos pelos juízes eleitorais: o cria-e-depois-anula a verticalização; a pretensão de arbitrar o conteúdo da internet; o decreto da fidelidade partidária, inconstitucional segundo o MP; e agora essa.
Em muitos países, são os partidos que zelam pela integridade das votações _eles fiscalizam uns aos outros. A Justiça Eleitoral, portanto, é uma de nossas jabuticabas. Surgiu para coibir desmandos, cabrestos e fraudes. Na ânsia de ser protagonista e provocar a opinião pública, porém, aos poucos dá razão àqueles que propõem sua extinção.

coluna de 21.jun.2008

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quarta-feira, 18 de junho de 2008

A malícia da ausência

Se Lula e outros figurões guardam distância das campanhas municipais (ou procuram parecer distantes), é por cálculo político, e não por falta de apetite.
O presidente prefere preservar a base no Congresso a multiplicar o número de prefeitos de sua preferência. Sabe que terá de conviver por dois anos com os (muitos) deputados que perderão em outubro _e que "voltarão azedos" a Brasília. Seu apelo ao PC do B em favor de Marta Suplicy é uma exceção, e não a regra. O mergulho do Planalto, se preciso, será no segundo turno.
A mesma razão mantém recolhida uma boa parte dos governadores. É o caso de Paulo Hartung. Um envolvimento mais explícito do peemedebista colocaria em risco anos de coalizão no Espírito Santo. Quase dois terços da Assembléia Legislativa planejam se candidatar.
Roberto Requião foi além. Decidido a contratar apoio ao Senado em 2010 (e a garantir o irmão no Tribunal de Contas), recuou e obrigou o partido a recuar: o PMDB está fora do páreo em todas as grandes cidades do Paraná. Em Curitiba, o governador lançou um desconhecido, só para constar. Dessa forma, não se indispõe com o PSDB e o PT, as forças que hoje duelam pela capital e tendem a dominar o Estado.
Com a avaliação em baixa, Cesar Maia pouco poderia fazer. Mas restringir a campanha ao gabinete e aceitar o isolamento da candidata do DEM? Só se estiver mesmo jogando: 1) por Marcelo Crivella para a prefeitura; 2) pela vaga no Senado que esse resultado abriria; 3) para no futuro desempenhar um papel importante no Rio, justamente o de antagonista do representante dos bispos (e da TV dos bispos).
José Serra foge para Tóquio e autoriza o híbrido Geraldo Kassab (Gilberto Alckmin?), Aécio Neves assiste aos pleitos do PT em Belo Horizonte, Jaques Wagner assopra-depois-de-morder os aliados em Salvador... Não é por generosidade, claro. Por que logo a política haveria de servir almoços grátis?

coluna de 18.jun.2008

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segunda-feira, 16 de junho de 2008

O tempo e o vento

É enorme a tentação de estabelecer um link entre 2008 e 2010, achar que os próximos dois anos estão amarrados de ponta a ponta e antecipar já o desenho do pós-Lula. Estas eleições municipais de fato têm um peso estratégico maior do que o habitual, e os atores teimam eles próprios em adiantar os bois _sem falar que gostamos todos de palpitar. Mas seria bom lembrar que o Imponderável de Almeida também joga na política.
Em boa medida, foi o acaso que fez de Dilma Rousseff a favorita de Lula à sucessão. No fim de 2002, o Ministério de Minas e Energia estava reservado ao PMDB. Em cima da hora, porém, o presidente rasgou o acordo costurado por Zé Dirceu e, sem nomes à mão, escolheu a neopetista que havia se destacado na equipe de transição. Os peemedebistas só obteriam o cargo dali a três anos, quando a dama de ferro já distribuía ordens na Casa Civil.
Outro exemplo aconteceu em Belo Horizonte. Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel apostavam em Walfrido dos Mares Guia. O ministro do Turismo era amigo de todos (de Lula, principalmente), tinha respaldo do grande capital e não estava nem no PSDB nem no PT. Mas em setembro veio o inquérito do valerioduto mineiro _e o petebista estava entre os acusados. Márcio Lacerda, obscuro secretário estadual, foi filiado às pressas ao PSB para ser o candidato e inaugurar "uma nova era" na política.
Tome-se também o caso de Fernando Haddad, o ministro mais bem avaliado do governo. Várias vezes ele avisou o PT de que gostaria de ser secretário da Educação em São Paulo. Em todas, foi rechaçado pelos martistas. Decidiu se mudar para Brasília e acabou no MEC.
Ainda assim, poucos resistem ao impulso dos prognósticos precipitados. São os mais escolados. Lula fala que Dilma é o nome para 2010, mas repare como ele mantém por perto e trata a pão-de-ló todo líder jovem e emergente _Haddad, Pimentel, Eduardo Campos (PE) etc.

coluna de 14.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Agências de emprego

As suspeitas em torno da compra-e-venda da Varig (e a chance de bater em Dilma Rousseff) ressuscitaram um discurso equivocado e pouco sincero. Voltou à moda pedir que as agências reguladoras sejam dirigidas apenas por pessoas alheias à política e que tenham total autonomia para administrar contratos, estabelecer normas e fiscalizar/punir empresas que prestam serviços públicos.
Nem o mais fanático neoliberal sabe dizer onde achar "técnicos" sem opiniões, interesses e referências políticas. Nada garante, também, que um colegiado com esse perfil seja imune a lobbies.
Afastar a política não deixa de ser uma decisão... política. Afrouxar a marcação do Estado e permitir que a iniciativa privada palpite sozinha sobre os rumos de negócios em setores estratégicos não parece sensato, sobretudo em ciclos de concentração de capital, como o atual.
Quanto à emancipação completa das agências, por que a voz de um burocrata deveria necessariamente prevalecer sobre a de uma autoridade democraticamente eleita?
O governo tem não só o direito, mas a obrigação de agir. Não podem depender da boa vontade de estranhos as pendências na área da infra-estrutura, como as hidrelétricas do Madeira e o pedágio nas rodovias (a BrOi é outra história).
As críticas à Casa Civil, portanto, estão fora de foco. O problema não são as pressões sobre a Anac em si, mas o que pode ter sido acertado em troca da sobrevida da Varig.
Quem abraça a causa das agências reguladoras só para tirar lasca da "mãe do PAC" devia saber, além disso, que erra totalmente o alvo.
O debate "conceitual" convém ao Planalto. Desvia a atenção do que de fato importa nessas grandes intervenções no mercado: o desrespeito às leis, a intimidação de rivais, os negócios colaterais (alguns em curso), o caixa dois e o favorecimento a amigos. Foi-se, parece, além do limite da irresponsabilidade e vamos chorar pela Anac?

coluna de 11.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A favorita

É curioso que uma novela menos explícita que "Duas Caras" diga mais sobre a política.
Não se sabe até quando João Emanuel Carneiro conseguirá tocar "A Favorita" sem exagerar na simplificação ou na caricatura. A primeira semana foi um tratado sutil sobre a mentira, tal e qual ela se manifesta na capital da República.
Há o truque barato do deputado que embroma descaradamente o eleitorado _que, espero, reserve alguma nuance para fazer justiça ao talento de Milton Gonçalves.
Mas o resto da trama foi pouco além da sugestão. Suspeita-se da vigarice por trás de tudo, com a certeza de que há vigarice em tudo. O executivo com pinta de traficante; o pai que delata a filha; a encarcerada que se esconde do filho; o repórter que se apaixona a cada capítulo para, no seguinte, avançar sobre um rabo de saia diferente...
E há, sobretudo, o par central: as mulheres interpretadas por Denise Abreu e Dilma Rousseff _quer dizer, Patrícia Pillar e Cláudia Raia. As duas estão ligadas por um crime terrível. Uma pagou com a prisão e vive o desprezo da sociedade. A outra ostenta a fartura do poder, cercada de regalias e serviçais. Uma delas, diz a sinopse, falta com a verdade. Talvez as duas faltem. Provavelmente as duas, atiça o autor.
"A Favorita" é uma história de versões diferentes e conflitantes. Todos dissimulam. Uma traição parece espreitar cada cena. Por isso foi inteligente a escolha, para música-tema, de um tango _ao mesmo tempo enfático e misterioso.
Nada a ver com a novelização escandalosa e o pagode de Aguinaldo Silva. Não cheguei ao epílogo, mas aposto que o neocoronel Juvenal Antena partiu sem nenhuma ambigüidade além das que foram didaticamente encenadas no início.
Claro, havia um pedaço de Brasil na Portelinha. Mas, no olhar de cachorrinho triste, faminto e ao mesmo tempo perverso de Patrícia Pillar, cabe Brasília inteira.

coluna de 07.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Leis do mínimo esforço

Acostumado a legislar por decreto, o Planalto se enrosca toda vez que remete, ou planeja remeter, uma idéia ao Congresso.
Tome-se o caso do Sistema S. O Ministério da Educação reclamou da falta de transparência e critério dos contratos de qualificação de mão-de-obra e se propôs a abrir e refazer as contas da contribuição que as empresas recolhem e administram. Lula deu trela. Encomendou um projeto de lei. Que, depois de pronto e causar rebuliço, repousa no gaveteiro da Casa Civil.
Existe, do mesmo modo, sempre uma desculpa à mão para adiar o envio ao Congresso de medidas para sobretaxar e conter o consumo de cigarros e bebidas alcóolicas.
Nada garante, também, que, uma vez enviadas, as propostas do Executivo sejam aprovadas a toque de caixa pela base que ele comanda.
Está parado há um ano, por exemplo, o projeto que coíbe a ação de "anfíbios", concebido depois que se revelou que auditores da Receita tiravam licença para ajudar empresas a pagar menos tributos.
Mesma sorte teve o texto que fixa a aposentadoria dos funcionários públicos com base no teto do INSS.
Nem o programa mais caro à agenda eleitoral do governo é exceção. As alterações de lei previstas pelo PAC se arrastam há 15 meses.
Não há novidade, portanto, na atitude vacilante do Planalto sobre a recriação da CPMF (também porque a urgência de Lula, neste caso, é desidratar o projeto de regulamentação da emenda 29 e impedir o aumento dos repasses obrigatórios do Orçamento para a Saúde, e não ampliar a arrecadação federal).
Quando não apela a medidas provisórias, Lula toca sua pauta legislativa no ritmo "devagar e sempre".
Esse prolongamento dos debates pode ser ser visto como uma opção democrática, um jeito de melhorar os projetos. Ou, se você preferir, como um descompromisso com as mudanças de fundo e/ou uma simples ausência de convicções.

coluna de 04.jun.2008

mfilho@folhasp.com.br