segunda-feira, 28 de março de 2011

Obra em progresso

A rebelião de trabalhadores não revelou apenas que empresas, sindicatos e governo estavam despreparados para cuidar de muitas obras de infraestrutura. Expôs também o "lado B" do PAC.
Ficou claro que o programa querido da presidente Dilma, concebido para gerar riqueza e energia, não levou em consideração aspectos trabalhistas nem o impacto social da inauguração de canteiros gigantes em locais remotos do país.
Tome-se o caso da hidrelétrica de Jirau, em construção numa região isolada de Rondônia. Não seria mesmo simples acomodar e administrar os 22 mil contratados da obra. Mas os relatos dão conta de total omissão do poder público.
Episódios recorrentes de castigos físicos, falta de comida, desvio de salários e livre comércio de armas e drogas culminaram em quebra-quebra. Alojamentos e várias instalações acabaram incendiados.
Os esforços para caracterizar o ocorrido como incidente pontual de vandalismo duraram pouco. Dias depois, houve outra depredação bem longe dali, na usina de São Domingos, em Mato Grosso do Sul.
Mais: 80 mil operários do PAC anunciaram greve por salários e condições de trabalho melhores.
Foram afetados justamente os projetos mais vistosos do portfólio dilmista: as usinas do rio Madeira (Rondônia), a refinaria e a petroquímica de Suape (Pernambuco) e a termelétrica de Pecém (Ceará).
Tímida, a reação do Planalto só fez confirmar a falta de "protocolo" para lidar com tantos imprevistos.
O governo pediu a amigos das centrais sindicais que domassem os motins, reforçou o policiamento nas obras (em Jirau, nos escombros) e prometeu que amanhã vai traçar "regras mínimas" de trabalho no PAC _como se já não existisse legislação a respeito no país.
Dilma ganhou elogios por se recolher, em contraste com a hiperexposição de Lula. Mas, ironia, operários mostram à presidente o limite de governar só do gabinete.

coluna de 28.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dieta dos pontos

Além de confortar a presidente, o ótimo resultado no primeiro Datafolha terá imediato impacto político no governo Dilma.
A aprovação recorde em início de mandato (47% de ótimo/bom; 7% de ruim/péssimo) dá ao Planalto força e tranquilidade para completar o segundo e o terceiro escalões.
Peemedebistas e outros aliados insatisfeitos com a distribuição de cargos e verbas terão de adiar o bote. Não há clima para insurreição.
Acostumado a replicar a temperatura do jogo da fisiologia, o Congresso deve atravessar um período pouco turbulento. Isso não é trivial.
Dilma já tinha o comando da Câmara e do Senado e, em tese, maioria suficiente para aprovar mudanças constitucionais. Adicione o cenário de baixa temperatura e uma oposição estilhaçada e/ou "disposta a colaborar". Subitamente, trambolhos que serviam como terapia ocupacional para o Legislativo ganham perspectiva de votação.
Reforma tributária, reforma política, reforma previdenciária, nunca o ambiente político foi tão favorável para que esses assuntos sejam finalmente tratados em plenário. Em bloco ou, como o Planalto prefere, para não abusar da sorte, em pílulas _uma medida para coibir a guerra fiscal nos Estados e a farra de benefícios nos portos, outra para substituir o fator previdenciário na aposentadoria, outra para permitir as trocas partidárias úteis ao desenho dos palanques de 2012 etc.
*
Há um aspecto lateral, mas significativo na pesquisa do Datafolha: o brasileiro não se mostra até aqui disposto a endeusar Dilma.
No comparativo de imagem com o Lula de 2003, ela perde em quase tudo: é vista como menos simpática, humilde, sincera, respeitosa com os pobres e, até, menos trabalhadora do que o antecessor.
Dilma ganha apenas em dois atributos. É mais inteligente e... mais autoritária. Uma presidente intransigente e, também por causa disso, popular? Nunca antes na...

coluna de 21.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 14 de março de 2011

Porta de fábrica

Dilma nunca teve forte ligação com os sindicatos, mesmo quando o então marido advogava para o setor. A presidente considera obsoleta a legislação trabalhista, reclama de "pelegos" acolhidos por Lula no governo e desdenha da pauta das centrais, a começar pela proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Por isso nem piscou ao mandar achatar o salário mínimo.
Mas daí a largar ao relento os sindicalistas? Nem a pau, Paulinho.
Num cenário de contração econômica, é impensável o Planalto permitir que as centrais se desgarrem. Até porque a oposição, em fase de reciclagem, cuida de cortejar os descontentes. Vide a foto de Aécio Neves com a Força Sindical, no auge da novela do mínimo.
Tampouco interessa a Dilma insinuar ruptura com o legado do "presidente dos trabalhadores". Em palavras e gestos, ela faz charme para as elites, mas não a ponto de alienar a maioria dos eleitores.
Há ainda outra razão para manter a Presidência próxima do movimento sindical: a disputa no PT.
O partido, que um dia esteve dividido em muitas correntes, hoje tem, de fato, apenas duas: os pró-Dilma "pragmáticos", que topam tudo pela "governabilidade", e os pró-Dilma "indóceis", que batem lata por uma agenda de esquerda.
Embora em declínio, os sindicalistas ainda têm peso (e dossiês) para definir qual lado sai vencedor.
A bancada ligada à CUT, por exemplo, emplacou o novo presidente da Câmara dos Deputados, o ex-metalúrgico Marco Maia _sindicalistas "pragmáticos" formaram aliança com a porção "indócil".
O mesmo se deu na eleição da CCJ, principal comissão da Casa. Ricardo Berzoini, ligado aos bancários, perdeu agora, mas garantiu o comando no ano eleitoral de 2012.
Dilma havia tirado sindicalistas de vários de seus espaços de atuação política (Previ, Banco do Brasil, Petros). Mas a tendência é de repactuação. Nomeações vêm aí.

coluna de 14.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quarta-feira, 9 de março de 2011

Bolo de cenoura

A temporada de reorganização partidária não se resume ao encolhimento da oposição, vítima do adesismo de uns e do personalismo de outros. Movimento importante ocorre também na base do governo: o PSB tenta ganhar musculatura para reivindicar o papel de parceiro preferencial do PT.
O PSB colheu boas votações em 2010, tem líderes com índices lulistas de popularidade e está empenhado em crescer _leia-se, em acomodar todo mundo e qualquer um.
A Dilma interessa uma força que rivalize com o PMDB. Lula falava numa frente ampla de esquerda. A sucessora, prática, optou por engordar o PSB. Daí a bênção à incorporação do prefeito de São Paulo, o serrista Gilberto Kassab (DEM).
Para manter os dois aliados sob controle, o Planalto balança a mesma cenoura: a posição de vice na chapa presidencial de 2014.
Como deseja reeditar a dobradinha de 2010, Michel Temer, presidente do PMDB, pacientemente tolera rasteiras em antigos redutos do partido (Funasa, Correios, Furnas).
Como sonha em substituir Temer daqui a quatro anos, Eduardo Campos, presidente do PSB, começa a fechar portas a amigos da oposição.
O mapeamento do segundo escalão feito pela Folha, no entanto, escancara a essência do jogo.
A presidente nomeou 124 filiados do PT. Do PMDB e do PSB? Só 13 e 10. "Critério técnico" é isso aí.
A mesma lógica prevaleceu nos cortes do Orçamento. Ministérios do PT levaram um talho de menos de 10%. Saúde e Desenvolvimento Social passaram quase batidos.
Repartições dos aliados, por sua vez, sofreram brutalmente. Nas mãos do PT, o Turismo era a pasta mais beneficiada pelas emendas parlamentares. Entregue agora ao PMDB, perdeu 84% das verbas.
Dilma cuida de seus correligionários. Modula e ao mesmo tempo contém o poder de fogo dos aliados. PSB, PMDB e "traíras" da oposição se acotovelam hoje pelo direito de serem estrangulados amanhã.

coluna de 07.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br