domingo, 30 de dezembro de 2012

Dilma fica acuada, e PMDB, revigorado

Dilma Rousseff chega à metade do mandato com popularidade recorde, base partidária intacta, a vitória eleitoral mais crucial de 2012 e um cardápio de medidas para aquecer a economia.
Nada, porém, permite antever um 2013 tranquilo para o governo e para o PT.
O desfecho do mensalão ainda está distante. Haverá o impacto midiático da prisão dos condenados. E, ainda que o STF dê início à apreciação do braço tucano do escândalo, a maior expectativa é se será ou não instalado um outro inquérito-mãe, amparado em novas revelações de Marcos Valério.
Nesse segundo "round", procuradores e policiais investigariam a suposta participação de Lula no esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio parlamentar. Assessores do ex-presidente, como o faz-tudo Freud Godoy e o tesoureiro Paulo Okamotto, teriam as vidas devassadas.
Existem ainda as pendências da Porto Seguro, operação da PF que causará constrangimentos à medida que vazarem e-mails apreendidos no escritório e na casa da ex-assessora íntima de Lula.
No limite, os dois casos poderão manchar o governo Dilma e resultar na interdição eleitoral de Lula, trauma que o Planalto e o PT parecem não descartar. Gilberto Carvalho, ministro e porta-voz lulista, convocou a militância às ruas porque o "ano será brabo". Lula avisou que sairá em caravana pelo país para defender o "legado".
Outro fator de instabilidade é a economia. Até aqui, o hiperativismo da equipe dilmista não engajou o empresariado. Talvez seja impossível tutelá-lo e ao mesmo tempo convencê-lo a investir.
Esse capitalismo de "lucro tabelado" e os resultados anêmicos do PIB levam a iniciativa privada a buscar alternativa na política. O assediado da vez é o governador Eduardo Campos (PSB-PE).
É prematuro apostar em ruptura, mas não em corrosão. O provável é que um núcleo de siglas médias (PSB, PDT, o PSD kassabista) flutue dentro da coalizão, enquanto avalia a conjuntura e recruta apoio e financiamento para voo próprio.
Dilma, assim, aos poucos se vê empurrada para outro aliado, este sem projeto solo.
No governo, o PMDB já faz o papel de ouvidor dos setores insatisfeitos da economia. Tem no vice-presidente Michel Temer o melhor nome para aproximar os três Poderes, atritados em razão da hipertrofia do Executivo e agora também do Judiciário. E deverá tomar o comando do Congresso, com Renan Calheiros (Senado) e Henrique Alves (Câmara). É nessa legenda versada em driblar e fabricar crises que a presidente terá de confiar.
Resumo: o PT estará forte mas na linha de tiro, a oposição ganhará contorno dentro da base, e o PMDB poderá virar o fio-terra da República.

texto de 30.dez.2012

Tempo, mano velho

Embora os políticos repitam o mantra de que a eleição de 2014 já começou, os nomes mais cotados para a próxima corrida presidencial têm freado o ímpeto.
Essa hesitação causa alguma estranheza. Exemplos recentes tinham mostrado a importância de acelerar as campanhas, para aumentar a possibilidade de atrair e comover um eleitor cada vez mais arredio.
A Dilma, porém, ainda interessa o fantasma da volta de Lula. Se o padrinho não frequentasse as especulações, os ataques dos adversários estariam concentrados nela.
A presidente não ignora que seu governo tem pontos vulneráveis. É hora de vender uma agenda positiva, e não de cuidar de rebater críticas. Que dirá de montar chapa.
Apesar do raquitismo que aflige os parceiros restantes e lhes dá um sentimento de urgência, Aécio Neves ainda aposta no ensinamento do avô Tancredo: paciência. O tucano está convencido de que a oposição terá de apresentar um nome em 2014 e que, por gravidade, a candidatura cairá no colo dele. Não há necessidade de se antecipar.
Além disso, acredita que sua chance reside no naufrágio de Dilma e na erosão da coalizão federal. Confirmar já a intenção de concorrer só faria dar visibilidade às pesquisas que ainda mostram a presidente na liderança folgada e o senador mineiro na rabeira, comendo poeira.
A "terceira via" pensa do mesmo modo. Jornalistas e acólitos se afligem com as declarações ambivalentes de Eduardo Campos (PSB). Numa mesma semana, o governador pernambucano dá uma entrevista em que fixa um prazo de 90 dias para Dilma dizer a que veio e outra em que jura fidelidade a ela.
O jogo duplo busca manter aberto o horizonte. Romper tão cedo significaria ser metralhado agora por um governo popular e forte. Abdicar neste momento de 2014 acarretaria ser esquecido pelo noticiário nacional e devolvido à política paroquial.

coluna de 24.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

À moda do chefe

Dilma exaltava em Paris seu plano de reestruturar o setor aeroportuário por meio de concessões à iniciativa privada quando cometeu a gafe: prometeu construir 800 terminais, um para cada cidade com mais de 100 mil habitantes.
O número passou batido na hora, mas está errado. Há no Brasil apenas 283 municípios desse porte _e quase a metade já tem aeroporto.
Na verdade, o projeto em formulação no governo federal contempla 200 terminais regionais. Algo ambicioso, mas muito aquém do que foi anunciado pela presidente.
Bastava alguém da Secretaria de Aviação Civil, da Infraero ou da Casa Civil pôr as coisas no devido lugar. Mas isso não aconteceu. Todo mundo fugiu da imprensa.
Uns, com pavor de levar a culpa, correram para descobrir de onde Dilma teria tirado o número irreal.
Outros deram de ombros. Afinal, é a presidente quem decide tudo mesmo _do conteúdo do PowerPoint introdutor das novidades à posição de estacionamento das aeronaves. Por que ela não poderia inventar uma meta estratosférica?
O caso, aparentemente menor, ilustra deficiência crônica deste governo. Muitas repartições estão paradas ou desmotivadas. Seja porque se pelam de medo da presidente. Seja porque, certas do atropelo do Planalto, deixaram de se importar.
Há algo de errado num negócio em que o subalterno jamais questiona o chefe. Qualquer especialista em gestão ou recursos humanos, desses que emplacam best-sellers em livrarias de... aeroportos, sabe que bons resultados aparecem quando há espaço e estímulo à crítica.
Dilma contribui muito para a agenda pública ao se dedicar à microgerência. Sinaliza cuidado com o patrimônio que pertence a todos.
Porém, ao desperdiçar energia em todo tipo de miudeza, a presidente aliena quem poderia ajudá-la no essencial. E, ao intimidar a equipe, só reforça nela a saudade de Lula.

coluna de 17.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Mas, porém, contudo...

O governo derrubou os juros ao menor patamar da história, enfrentando o tabu da remuneração da poupança, mas a economia não reagiu como o esperado e crescerá apenas 1% neste ano _se tanto.
Dilma enquadrou os bancos públicos e forçou a queda do spread e tarifas em geral, mas viu o setor financeiro encolher e a inadimplência do consumidor bater recordes.
Lançou linhas de financiamento e desonerou a folha de pagamentos, mas não tirou a iniciativa privada da letargia _os investimentos caíram pelo quinto trimestre seguido.
O Planalto concluiu que o Estado não dará conta das reformas e ampliações e optou pela privatização dos principais aeroportos, mas cometeu equívocos nos editais que levaram a atrasos e à escolha de operadores sem a expertise desejada.
Abriu o setor portuário, desburocratizando a movimentação de cargas, mas alterou tantas regras que a judicialização hoje parece inevitável.
Constatou a alta margem de lucratividade dos concessionários e determinou a redução de 20% na tarifa de energia, mas errou nos cálculos e subestimou o impacto no orçamento dos governos estaduais.
A presidente anunciou novo regime automotivo, com estímulos tributários para o uso de tecnologia nacional, mas as montadoras vivem a primeira retração desde 2002.
Dilma levou a gestão ao centro do debate público, mas os tropeços consecutivos colocam em xeque sua reputação de boa gestora.
Agora releia cada parágrafo acima invertendo o lugar das orações separadas pela conjunção adversativa. "A economia não reagiu como o esperado, mas o governo derrubou os juros ao menor patamar..." e assim por diante. Neste caso, a ordem dos fatores altera o produto.
Por um prisma, vê-se que o governo federal, de modo contínuo e consistente, assenta terreno para a retomada da economia e abre janelas para novos negócios.

coluna de 10.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A PPP de Lula

É ao mesmo tempo irônico e acintoso que a Agência Nacional de Águas seja colhida por um escândalo de distribuição de propinas enquanto o Nordeste enfrenta a pior seca em 50 anos.
Ou que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários vire alvo de ridicularias justamente quando o Planalto retoca licitações e metas de desempenho para o setor portuário, um dos mais dramáticos gargalos de infraestrutura do país.
Ou que a Agência Nacional de Aviação Civil seja exposta como um cabidão de empregos no momento em que as companhias aéreas catapultam tarifas, extinguem linhas populares e demitem centenas de funcionários _e o governo redige os termos da concessão de dois aeroportos e completa a migração para a iniciativa privada de outros três.
Ou que fique patente a vulnerabilidade do MEC em pleno processo de aperfeiçoamento de cadastros e regulação universitária.
Ou, ainda, que a cúpula da Advocacia-Geral da União enfrente denúncias de corrupção logo quando era requisitada para sanar impasses de enorme impacto nacional, como a divisão dos royalties do petróleo.
A quadrilha desbaratada pela Polícia Federal impressiona, primeiro, pelos danos que causou e/ou pretendia causar ao erário. Uma única negociata no porto de Santos envolvia R$ 2 bilhões.
Impressiona, também, pelo apetite: além dos órgãos já citados, o grupo conseguiu se intrometer no Tribunal de Contas da União, na Secretaria do Patrimônio, no Banco do Brasil, na Brasilprev, nos Correios...
Mas impressiona, sobretudo, que toda essa rapinagem só tenha prosperado porque o governo se pôs de joelhos para atender o desejo de Lula. Rosemary Noronha virou chefe de gabinete apenas por (e para) privar da intimidade do presidente. É errado culpá-la sozinha pela mistura de agendas nessa lamentável parceria público-privada.

coluna de 03.dez.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Tão longe e tão perto

É digna de nota a reação do governo à operação policial que desbaratou uma rede de corrupção em órgãos federais e identificou a chefe de gabinete de Dilma Rousseff em São Paulo como facilitadora e beneficiária das fraudes.
O Planalto rapidamente cuidou de espalhar que a presidente ficou aborrecida com as irregularidades e especialmente com o comportamento de Rosemary Noronha. Que a
chefe de gabinete tinha relações próximas com Lula e José Dirceu, mas não com Dilma e assessores, que a consideravam "problemática". Que Dilma quase nunca utiliza o escritório da Presidência em São Paulo.
Não se explicou, claro, por que então a presidente manteve Rosemary no cargo por dois anos e permitiu que os cúmplices dela dirigissem e dilapidassem as agências reguladoras. Nada se falou, também, sobre Dilma ter transformado o gabinete paulistano no bunker de onde avaliou as eleições municipais na companhia de Lula e de cardeais do PT.
A verdade é que a presidente opera, ao sabor das conveniências do momento, os botões da semelhança e da diferença com Lula.
Quando pinta no noticiário algo desabonador que remeta à gestão anterior, como o mensalão, ela faz questão de guardar distância. Quando a ocasião permite ou exige, ela não hesita em festejar o padrinho e se associar às conquistas sociais do período dele.
Assim, para toda crise há uma saída: na saúde, Dilma exalta o legado lulista; na doença, avisa estar indignada e mete bronca na faxina.
Essa estratégia de ação e comunicação tem funcionado. Quem gosta de Lula se sente representado. Quem não gosta, idem.
Por isso não surpreende que, pela primeira vez, o brasileiro se lembre mais de Dilma do que de Lula para a sucessão de 2014. Ela foi mencionada espontaneamente por 26% dos entrevistados pelo Ibope. Ele ficou com 19% das preferências.

coluna de 26.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Não anda

Dilma deixou o Congresso soltinho para discutir a distribuição dos royalties do petróleo e aprovar uma lei com dispositivos claramente inconstitucionais, que projeta longas batalhas na Justiça e ameaça o cronograma de leilões. Isso quando a Petrobras já tinha problemas mais que suficientes.
No setor elétrico, a opção foi pela truculência. Medida provisória mudou as regras radicalmente e exigiu adesão dos concessionários antes de definidos os critérios de remuneração. Nem todos, óbvio, toleraram a pancada. O impasse deverá forçar a reabertura de prazos e a revisão de termos. Dificilmente a presidente cumprirá a promessa de baixar em 20% a tarifa de luz em fevereiro.
A frustração com a licitação dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília nem o Planalto disfarça. Já no dia seguinte começou a estudar como reestruturar os consórcios que ganharam o direito de operar esses terminais. O plano de privatização de Galeão e Confins teve de ser colocado em banho-maria.
O governo reavalia seu modelo de concessão de rodovias. A cada semestre, ajusta o edital do trem-bala. Do pacote de mobilidade da Copa-2014, nem 10% saiu do papel.
Não espanta, daí, a baixa expectativa em torno do plano logístico para os portos, que em princípio seria anunciado amanhã. O mercado antecipa os embaços, as fragilidades técnicas, as incertezas jurídicas.
Dilma partiu de diagnósticos certos: os gargalos de infraestrutura precisam ser enfrentados e o quadro de depressão econômica reduz a resistência a mexidas regulatórias. Mas, não tendo até agora encaixado uma bola, ela corre risco de ficar carimbada como a presidente que não produz e não deixa produzir.
Não à toa, empresários fazem fila para conversar com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), num ensaio precipitado, antes de perspectivas eleitorais mais definidas, da busca de "alternativa de poder".

coluna de 12.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Vide bula

O PT tomará um banho de loja em São Paulo e lançará projetos dirigidos à nova classe média, impulsionado pela vitória de Fernando Haddad na capital e pelo diagnóstico de que, para conquistar o governo do Estado, é preciso ir além do discurso contra a pobreza.
De olho nessa fatia emergente do eleitorado, quatro petistas de São Paulo estão instalados em ministérios de projeção: Aloizio Mercadante (Educação), José Eduardo Cardozo (Justiça), Marta Suplicy (Cultura) e Alexandre Padilha (Saúde).
A disputa entre eles será _já é_ sangrenta. Mas a política vive fase curiosa, em que ser desconhecido virou vantagem. Lula animou-se com os "postes" que escolheu e elegeu. A bola "nova" da vez é Padilha, 41, e não os outros, veteranos.
O titular da Saúde, ao contrário de Dilma e Haddad, é petista de raiz. Milita desde adolescente e conhece bem o partido. No governo Lula, cuidou do mapa federativo, encarregado de ouvir e atender prefeitos. Imagine quantos galhos quebrou.
Outro trunfo dele é a hiperatividade. A Folha detalhou ontem o giro paulista do ministro nos finais de semana anteriores às eleições municipais. Em um só sábado, ele correu mil quilômetros e seis cidades. Não está a passeio.
No ministério, Padilha tem lançado programas em profusão: Rede Cegonha, SOS Emergência, Academias da Saúde, Melhor em Casa, Mamografia Móvel, IDSUS...
Trata-se de um portfólio de respeito, mas ainda de pouca visibilidade: a Saúde segue a área mais crítica e criticada do governo federal.
A verdade é que, enquanto Dilma não abraçar essa agenda e colocar a Presidência a serviço dela, a percepção popular não mudará _e a corrida de 2014 continuará aberta. Para lembrar: o PAC e sua "mãe" foram inventados três anos antes da eleição de Dilma e o "mauricinho" do ProUni foi avisado em 2009 que um dia seria candidato.

coluna de 05.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Velhos hábitos

Lula saiu inteiro, se não fortalecido, da eleição que procurou, achou e consagrou o novo.
A humilhação sofrida em Recife, a falta de pernas em Salvador, o vexame em Teresina, a anemia em Porto Alegre, o despejo em Fortaleza e Diadema, a pulverização recorde do voto entre partidos: o ex-presidente recebeu múltiplos recados de que o eleitor não tem dono e de que nem todo "poste" ilumina.
Mas Lula viu e ajudou o PT a consolidar sua cobertura nacional. A sigla foi a única que cresceu em todas as regiões, nos pequenos e grandes municípios. Não deixou de colher vitórias em capitais também, casos de Goiânia, João Pessoa e Rio Branco, além da "barriga de aluguel" em Curitiba. E houve o extraordinário triunfo em São Paulo, desde sempre a prioridade zero.
A eleição de Fernando Haddad, aliada ao triunfo petista em outras prefeituras paulistas importantes, não apenas tira Lula da sombra de Dilma, mas o garante no comando, de fato, do partido no pós-eleição.
É Lula quem vai definir se o Planalto repactuará de imediato ou deixará em modo de espera as relações com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), outro vencedor de 2012. Se Dilma montará um cerco a Aécio Neves, agora o tucano a ser abatido. Se o senador Lindbergh Farias romperá o pacto com o PMDB fluminense e se lançará num voo solo em 2014. Qual será o quinhão do neoparceiro Gilberto Kassab (PSD). E quem será o candidato do PT ao governo de São Paulo, fronteira final do projeto hegemonista do partido _um calouro como Dilma e Haddad (Alexandre Padilha), um sobrevivente (Aloizio Mercadante) ou o veterano supremo (ele próprio, Lula).
É para proteger esse líder redivivo da mácula e dos desdobramentos do mensalão que o PT começa hoje mesmo a tentar empastelar as condenações, com atos de rua, abaixo-assinados e ataques coordenados à imprensa e ao Judiciário.

coluna de 29.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Medo da morte

Vinte anos atrás, "matamos" Caetano Veloso e Gilberto Gil várias vezes. Eu trabalhava na equipe que desenhava e escrevia a primeira página da Folha. Um de nossos passatempos era imaginar notícias _e o destaque que receberiam na principal vitrine do jornal.
O desaparecimento de personalidades fazia parte daquele exercício de hierarquização: qual ganharia menção na capa, qual ficaria "acima da dobra" e qual, desbancando os demais assuntos, viraria manchete.
Em alguns casos, o debate esquentava. Mas, até onde me lembro, havia consenso de que tanto Caetano como Gil emplacariam a manchete.
Não sou crítico de música. Nunca fui tiete dos tropicalistas. Cresci com Baby e Pepeu. Mas o show de Caetano e Gil na semana passada, o primeiro que fizeram juntos em quase 20 anos, me pegou em cheio. Reavivou a brincadeira inconsequente do passado e me mostrou como o sentido dela se perdeu.
A voz de Caetano, que aveluda o que alcança; o repertório de clássicos; o violão percussivo de Gil; os arranjos acústicos belíssimos; a elegância discreta dos dois senhores de 70 anos, Caetano de sapatênis, Gil de chinelinho. Como "matar" aquilo que o tempo provou imortal? Essa foi minha primeira lição.
A outra doeu mais: realizar que a morte chegou, antes, para o jornalismo que se dedicava a enquadrar o presente _e até o futuro.
A internet não multiplicou apenas as informações e as plataformas de acesso a elas. Multiplicou as vozes também. Hoje, cada um escolhe sua manchete. Faz sua hierarquia.
O jornalismo vive, mas quando provoca reflexão, cobra o poder público, defende a cidadania. O simples ordenamento do noticiário é incapaz de se sobrepor à cacofonia.
Que Caetano e Gil tenham se reunido em Brasília num tributo a Ulysses Guimarães _símbolo de uma gravidade que deixou de existir_ foi só mais uma ironia implacável.

coluna de 22.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Taxa de insucesso

A taxa de reeleição de prefeitos caiu de 66%, em 2008, para 55%, neste ano. Menos prefeitos aptos quiseram se lançar (75%, contra 79%), o que elevou a renovação política de 60% para 72%.
Captada pela Confederação Nacional de Municípios, a tendência mudancista deve se acentuar uma vez resolvidas todas as pendências da Lei da Ficha Limpa e computados os votos do segundo turno.
Nas capitais ainda em disputa, por exemplo, o clima é de troca de guarda também. São Paulo é o caso mais conhecido, mas não o único. Em Salvador, Curitiba, Natal, Belém e Vitória, ambos os candidatos remanescentes significam ruptura.
Essa onda do "novo" merece estudo aprofundado. Mas é evidente que a economia ajuda a explicá-la.
Os prefeitos do quadriênio 2005-2008 tiraram proveito da alta alucinante de receitas. Em 2008, quando as reeleições bateram no pico, o caixa dos municípios engordou em média 15,2%. E já tinha engordado 11,2% em 2007 e 10,1% em 2006.
Logo no primeiro ano da gestão 2009-2012, porém, veio o tombo: taxa negativa de 1,4%, segundo a Frente Nacional de Prefeitos. Ou seja, com despesas contratadas na esteira de curvas ascendentes de arrecadação, as cidades se viram subitamente com menos dinheiro. Para agravar, houve o impacto do novo salário mínimo e de novas leis nacionais, caso do piso do magistério.
A maioria das prefeituras teve de suspender pagamentos, frear obras em execução e, pior, largar projetos que exigem custeio permanente (como creches e postos de saúde). Ainda assim, quase metade delas chegou ao dia da eleição com as contas atrasadas, afirma a CNM.
Devido às oscilações nas pesquisas, à pulverização dos votos entre partidos e ao surgimento, "do nada", de nomes competitivos em várias praças, falou-se muito do eleitor volátil. Mas o eleitor insatisfeito não pode ser esquecido.

coluna de 15.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os incomodados que mudam

Pesquisas nos grandes municípios apontam que os eleitores nunca estiveram tão voláteis, trocando de candidato durante a campanha sem a menor cerimônia _para entusiasmo e, ao mesmo tempo, muita aflição dos institutos.
A tendência foi instantaneamente interpretada como um sinal de desalento do brasileiro e, até mesmo, de fadiga do sistema representativo. O cidadão, por essa leitura, se cansou de tudo e de todos na política. Daí a atração por nomes que desconhecia antes da propaganda.
Tudo isso pode ser verdade. Mas é verdade, também, que desqualificar o eleitor é a saída mais confortável sempre que as preferências contrariam prognósticos e interesses.
Se o eleitor estivesse tão indiferente, contudo, ele não faria o mais simples, apenas referendando ou rejeitando nomes que lhe são familiares? E, se de fato desiludido, não haveria voto nulo em larga escala?
Talvez o ato de pular de galho em galho, de aderir e abandonar, signifique outra coisa: a disposição de experimentar. Se não há "coerência", é porque não houve sucesso na procura de quem honre compromissos assumidos. Emendar Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab sugere inquietude, e não acomodação.
Certa vez um réu petista do mensalão, num desabafo que infelizmente preferiu não tornar público, me disse acreditar que a política está hoje em todo lugar, exceto nos partidos, cada vez mais ensimesmados e atolados em intrigas palacianas e desde sempre avessos à autocrítica.
O desempenho surpreendente de "anticandidatos" como Celso Russomanno (PRB, São Paulo), Ratinho Júnior (PSC, Curitiba), Daniel Coelho (PSDB, Recife), Carlos Amastha (PP, Palmas), Edivaldo Holanda Júnior (PTC, São Luís) e Edmilson Rodrigues (PSOL, Belém) não parece indicar a falência da política, mas de quem se julgava dono dela.

coluna de 09.out.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Carne trêmula

"Vem rápido, pai, que vai aparecer a barriga do Ronaldo!" A TV mostrava a estreia da série sobre a batalha do ex-jogador de futebol contra o excesso de peso.
Não sei bem o quê, mas algo isso deve significar. Quando eu era adolescente, atiçavam-nos com as Garotas do Fantástico. Antes, estico a memória, eram os musicais, os maiôs de paetês, as pernas. Ai, Sandra Bréa... Hoje nos dão a pança descomunal, o umbigo retesado, os 118 kg de luxúria e preguiça.
O mito Ronaldo não foi construído somente com gols e troféus, mas com uma sequência singular de episódios de superação. Joelhos estourados, cirurgias em série, maratonas de fisioterapia. Desfalques de agentes, casamentos tumultuados, passagem pela delegacia. Quando as parcas da crônica davam o atacante por liquidado, lá vinha ele zombar do destino e dos zagueiros.
É uma grande ideia colocá-lo para emagrecer em público durante três meses. Nada tão difícil quanto trocar hábitos ruins por saudáveis. Ronaldo nos provará que até isso é possível. Basta ter força de vontade.
Claro que interessa, também, afinar a imagem do garoto-propaganda da próxima Copa do Mundo _e turbinar as pretensões do candidato a assumir a direção do futebol brasileiro pós-2014. Não estranhe, ainda, se derem um jeito de monetizar até a taxa de triglicérides do ex-craque.
Mas algo não encaixa direito nesse "soft porn" da saúde _e não só a falta de sex appeal das imagens.
Na largada, o Fenômeno acordou cedo, comeu salada e se exercitou. Nada de cerveja nem de cigarro. Todo esse esforço, porém, veio temperado de tiradas sarcásticas, olhares de lado e sorrisos maliciosos, como a nos lembrar que, a cada esforço sobre-humano de redenção de Ronaldo, a vida lhe proporcionou novos tombos da carne.
A cintura vai diminuir, aposto. Mas duvido que deem cabo do Ursinho Ted dos boleiros e das periguetes.

coluna de 1.out.2012

melchiades.filho@grupofolha,com.br

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Hoje só amanhã

Ninguém contribuiu mais para politizar o julgamento do mensalão do que Lula e o PT.
A oposição não tinha abraçado essa causa, seja por ter apanhado nas urnas, seja por saber que o holofote logo se voltará para o PSDB mineiro, primeiro cliente do valerioduto.
Foi Lula quem definiu como prioridade "desmontar a farsa" do mensalão ao se despedir do Planalto, quando recordes de popularidade lhe permitiriam fazer o que bem desejasse _lançar carreira internacional, sugerir novos projetos de inclusão, torcer pelo Timão etc.
Lula pressionou pessoalmente ministros do STF e, quando ficou evidente que Ricardo Lewandowski teria de entregar sua revisão e nada mais retardaria o julgamento, mandou o PT atiçar a militância e usar a CPI do Cachoeira para desviar a atenção e fustigar os adversários.
Tão logo saíram as primeiras condenações pelo esquema de desvio de recursos públicos, a direção do partido não hesitou em qualificar o STF de "instrumento golpista".
Não hesitou, também, em insultar o ministro relator, acusando-o de produzir uma "falácia" justo quando ele se preparava para tratar da participação ativa de petistas na compra de apoio parlamentar.
Cabe especular por que Lula e PT agem com o fígado. Uns dizem que eles perderam a mão. Outros, que tentam estancar prejuízos eleitorais. Mas é difícil acreditar que Lula, Zé Dirceu, Rui Falcão & Co vivam todos a mesma má fase. E nenhuma pesquisa vinculou o mau desempenho do PT nas capitais ao mensalão. Em São Paulo, por exemplo, o problema é o candidato: tem a metade do apoio do eleitor ao PT.
Resta uma hipótese. Esculacha-se o STF, o procurador-geral e a imprensa porque o mensalão é, como já disseram o delegado responsável da PF e Marcos Valério, uma teia criminosa bem maior do que a que está sob julgamento. Grita-se hoje para abafar o som do amanhã.

coluna de 24.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O ônus da prova

Pela primeira vez, o Judiciário brasileiro condena um político por corrupção. Pela primeira vez, também, condena em uma ação penal dirigentes de banco pelo crime de gestão fraudulenta.
Fracassou a aposta na lerdeza e/ou na complacência do tribunal, nas chicanas protelatórias e nas filigranas atenuantes. O exame fatiado da denúncia contra os mensaleiros tornou compreensível toda a rede criminosa, os votos do STF têm sido didáticos, as sentenças se sucedem e um destino sombrio parece selado para a maioria dos réus.
É natural que um julgamento que significa um marco contra a impunidade provoque repercussões inéditas. Assim como não havia precedente para vereditos tão cristalinos, não há no país "jurisprudência" para a reação de condenados.
O noticiário das sessões do mensalão no STF já vinha registrando o espanto dos advogados. Cedo ou tarde, chegaria a hora dos clientes, afinal os mais surpreendidos.
É por esse prisma que deve ser analisado o inconformismo de Marcos Valério com os rumos do processo, reportado pela revista "Veja". O publicitário, já condenado por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, reclama que está pagando além da conta. Diz agora ter sido mera engrenagem do esquema de desvio de dinheiro público para comprar apoio político ao governo Lula. Implica o próprio ex-presidente.
Seus recados, muito bem definidos pelo líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, como um "ato de desespero de quem sabe que vai ser preso", provam que ainda restam muitos fios desencapados nessa história.
Quem zelará pelo silêncio do ex-diretor do Banco do Brasil, dos deputados, dos sócios do "valerioduto"? Réus que reclamaram do julgamento em baciada haverão de exigir cala-bocas "individualizados" quando estiverem atrás das grades.
É um erro achar que as sentenças encerram a novela do mensalão.

coluna de 17.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Artistas e modelos

Há uma mensagem por trás da dianteira folgada de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo, dos ótimos desempenhos de Ratinho Junior (PSC) em Curitiba e de Manuela D'Ávila (PC do B) em Porto Alegre e até da vice-liderança de Marcelo Freixo (PSOL) no Rio.
São candidatos de legendas pequenas, sem apoio da máquina local nem destaque na propaganda de TV. Em teoria, deveriam desidratar.
Porém, cada um com seu alcance, os quatro aproveitam a onda geral de descrédito que alcança partidos e políticos. Pegam embalo no cansaço ou revolta do eleitor. Distinguem-se pela dissociação da imagem tradicional de quem pede voto. Como resumiu Russomanno à Folha: "Não sou político. Sou artista".
O voto desgarrado, indignado ou irreverente não é inédito na curta história democrática do país. Basta lembrar de Collor, Enéas e Tiririca.
Mas há uma novidade neste ano: a ausência de um contraponto político clássico, de figuras de referência.
Os medalhões da redemocratização evaporaram com o tempo. O tucano José Serra é a exceção _ou não, conforme apontam as pesquisas.
Nenhum partido se distingue. O PMDB é um condomínio decadente de coronéis. O PSB e o PSD, projetos de um só. O PSDB e o DEM espreitam a dispersão, a fusão ou outro "ão" igualmente desolador.
Sigla bem estruturada e operosa, o PT poderia ocupar o território. Mas não parece tão interessado.
Desperdiçou uma chance em 2006, na ressaca do mensalão. Expulsou Delúbio Soares, apeou José Genoino, privatizou José Dirceu e colocou João Paulo Cunha na geladeira. Mas logo desistiu da "refundação" e reabilitou todos os acusados.
E desperdiça outra chance agora: contra os fatos e o bom senso, afaga novamente os réus e qualifica o STF como instrumento "golpista".
O partido pode até colher vitórias em outubro. Mas o "novo" o eleitor passou a procurar noutro lugar.

coluna de 10.set.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Infecção generalizada

O julgamento do mensalão é um marco no combate à impunidade. Haverá, no mínimo, o impacto intramuros. O STF deverá dar celeridade a processos que envolvam políticos e contratos públicos. Como a Folha revelou no início do ano, mais de 250 inquéritos contra parlamentares estão na fila.
É precipitado, porém, apostar em um efeito desinfetante instantâneo e amplo. Os próprios políticos têm dado provas ostensivas de descaso às firmes respostas do Judiciário.
Tome-se o depoimento de Luiz Antonio Pagot à CPI do Cachoeira. Ex-diretor do Dnit (órgão que cuida de obras em estradas), ele admitiu ter ajudado o comitê eleitoral de Dilma Rousseff a arrecadar dinheiro. Contou que, a pedido do tesoureiro da campanha, procurou empresas que prestam serviços ao governo e têm interesse em novos contratos. Candidamente, revelou o fabuloso retorno: R$ 6 milhões em doações, mediante recibo. Disse isso tudo um dia depois de o STF ter explicado e reforçado seu entendimento sobre o crime de peculato.
Outro exemplo: as declarações do ministro Gilberto Carvalho de que o Planalto quintuplicará os investimentos em Franco da Rocha (SP) apenas se a população escolher um petista para a prefeitura da cidade.
E o que dizer de outros três ministros dilmistas, que conseguiram cavar tempo em sua agenda para gravar vídeos de apoio ao primeiro político condenado no mensalão? Nem Miriam Belchior (Planejamento), às voltas com os servidores em greve, nem Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), desafiado por uma onda de protestos de sem-terra, nem Aldo Rebelo (Esporte), envolvido em nova rodada de inspeções da Fifa, viram problema em pedir votos para João Paulo Cunha antes de a Justiça se pronunciar.
O STF resgatou a força do Código Penal. Falta o Ministério Público, menos combativo nas Presidências do PT, se apresentar para o jogo.

coluna de 3.set.2012

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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O crivo do contraditório

As rusgas e desacordos entre relator e revisor não atrapalham nem comprometem o julgamento do mensalão. Pelo contrário. Tornam-no mais dinâmico e justo.
Joaquim Barbosa, o relator, tem sido duro com os réus. Sua decisão de fatiar o exame do caso facilita a compreensão do esquema criminoso. Quem jogava na confusão ficou desesperado; quem insistia na tecla de que o mensalão não passava de uma "farsa" foi exposto ao ridículo.
Em seu voto substantivo e substancioso, Barbosa não só corroborou as conclusões de uma CPI (presidida por um petista), da Polícia Federal e de dois procuradores-gerais da República. Foi além. Mostrou que existem provas, de sobra, do desvio de dinheiro público _seja para o enriquecimento ilícito de sanguessugas do Estado, seja para a compra de apoio político ao governo Lula.
Ricardo Lewandowski, o revisor, tem recebido críticas _não sem razão_ por ignorar conclusões da PF e dar excessivo crédito aos testemunhos de correligionários dos réus. Mas suas divergências de encaminhamento têm sido ponderadas. É importante seu alerta para que ritos e direitos não sejam atropelados.
As patrulhas se atiçam. O revisor é acusado de operar para evitar ou atrasar as condenações; o relator, de tramar a entrega expressa de cabeças à opinião pública. Este, leviano; aquele, complacente. É do jogo.
O que interessa: Barbosa se contrapõe a quem aposta na impunidade, e Lewandowski, aos que anseiam pelo linchamento geral e irrestrito.
Ainda que pontuado por arroubos de vaidade, esse contraditório faz bem ao Judiciário. Indica que não há cartas marcadas no plenário do STF. Contribui para legitimar o julgamento e os vereditos que hoje devem começar a ser proferidos. Algo valioso num caso com tantas repercussões políticas e jurídicas.
Em tempo: Barbosa, a partir de novembro, e Lewandowski serão os próximos presidentes do STF.

coluna de 27.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Linha intermunicipal

Exagera quem trata a eleição de prefeitos como preliminar da corrida presidencial. Mas erra quem subestima o impacto nacional do resultado nas cidades.
As chapas não são montadas somente para atender demandas imediatas dos municípios. Elas visam, também, catapultar nomes, testar discursos, ensaiar alianças.
José Serra só foi o adversário de Dilma Rousseff em 2010 porque ganhou a eleição para prefeito de São Paulo em 2004. Ele vinha de três derrotas majoritárias (1988 e 1996, na cidade, e 2002, à Presidência). Seria difícil sobreviver a outra.
Não fosse aquela vitória serrista, a cara do PSDB hoje seria outra. A fila teria andado, e Aécio Neves, se firmado como liderança nacional.
Ainda em 2004: se Marta Suplicy tivesse sido reeleita, talvez o PT não estivesse de joelhos diante de Dilma. Lula teria opção que não a de inventar uma candidata "do nada".
O PSD só existe por causa de uma eleição municipal. Não houvesse renovado o mandato em 2008, Gilberto Kassab não teria adquirido musculatura para fundar do zero o quarto maior partido do Congresso.
No Rio, Sérgio Cabral, se vitorioso no segundo turno em 1996, teria motivo para ficar no PSDB, em vez de virar o mais entusiasmado cabo eleitoral de Lula no Sudeste.
Foi como vice-prefeito de Belo Horizonte que o tucano Eduardo Azeredo despontou, em 1989. Sua ascensão política correspondeu à formação de uma máquina poderosa de arrecadação ilegal, tão eficiente que chamou a atenção do rival PT e, anos mais tarde, foi convidada a se instalar no governo Lula. Talvez o valerioduto tivesse se expandido de toda maneira, mas, sem a gênese mineira, não haveria o mensalão ora em julgamento no STF.
A campanha dos candidatos a prefeito pega fogo a partir de amanhã, com a propaganda
na TV e rádio. Uma certeza: muitos envolvidos já (só) pensam no passo seguinte.

coluna de 20.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Foi do Brasil

No quesito "embromation", Galvão Bueno ainda não tem concorrente. Está por surgir outro narrador de TV capaz de tornar compreensível e atraente qualquer evento de qualquer esporte. É admirada até nas coxias da Globo sua desenvoltura em driblar os acidentes das transmissões ao vivo e falar tranquilamente ao microfone enquanto uma babel de vozes lhe chega aos ouvidos pelo ponto.
Mas foi por outro atributo que Galvão se assenhorou da posição. No passado, era comum o narrador aparecer em estádios e estúdios sem saber do que iria tratar. O próprio Galvão chegou a errar as seleções de um jogo da Copa de 1974.
O vexame estimulou a leitura dos jornais e o estudo dos esportes. Mais preparado do que os colegas, Galvão passou a atropelá-los. A fama de pernóstico e egocêntrico nasceu daí. O telespectador, porém, adorou o macho alfa. À Globo restou pareá-lo com comentaristas tranquilões, de baixa combustão.
Na Olimpíada de Londres, da qual a Globo se viu excluída, não houve nada disso. Relegado ao papel de "amarrador do dia" no SporTV, excluído das mordomias e sem o controle do "vivo", Galvão sentiu o baque. Virou um resmungão. Teve um surto antológico no ar.
Pior: os Jogos mostraram-no desatualizado, alheio ao noticiário, quase um profissional comum, não raro superado pelos mais jovens.
Muitos vibraram com a queda do pedestal. O esporte não. Sem o mestre de cerimônias, o ás em atenuar derrotas e exaltar vitórias, a realidade bate à porta. A fragilidade do modelo esportivo do país, as falhas de treinamento, as tibiezas de atitude, a campanha aquém da esperada, tudo isso ficou mais visível.
Mais dia, menos dia, esse teste de estresse viria. É irônico que tenha ocorrido às vésperas do "ciclo patriótico", a Copa-14 e a Olimpíada do Rio-16, eventos para os quais Galvão programou seu adeus.

coluna de 13.ago.2012

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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Defesa aberta

A alegação petista de que tudo não passou de uma farsa, de invenção dos adversários, ficou de fora do julgamento do mensalão. Vale para atiçar a militância, não para os ministros do STF.
Quem conferir as peças de defesa dos réus notará um "cada um por si" no varejo, mas uma linha comum no atacado. Os advogados não contestam diretamente a existência do esquema paralelo de financiamento político. Sua estratégia é admitir ilegalidades, mas tentar restringi-las ao campo eleitoral.
Os objetivos são claros. A prática do caixa dois não está descrita no Código Penal. Leva a punições apenas de ordem eleitoral: cassação de mandato, perda de direitos políticos, corte do fundo partidário. Em suma, não põe ninguém na cadeia. Além disso, devido ao tempo transcorrido até o julgamento, as ilegalidades eleitorais já prescreveram.
Na versão dos acusados, coletar dinheiro à margem da lei para saldar despesas de campanha seria algo aceitável, porque disseminado. Esse "todo mundo faz" tem propósito também. Procura desresponsabilizar o indivíduo (o réu) para culpar "o sistema" (eu, tu, ele, nós...).
Quando o escândalo veio à tona, em 2005, o então presidente do TSE, Carlos Velloso, percebeu o artifício: "Confessam com a maior cara de pau um crime eleitoral porque estão certos da impunidade".
Cabe imaginar, porém, o que acontecerá se o STF considerar consistentes as provas de que houve desvio de dinheiro público, compra de apoio no Congresso, remessas clandestinas para o exterior e golpes contra o sistema financeiro.
De atenuante, a admissão do caixa dois eleitoral passará a agravante. Restará claro que a quadrilha fraudava eleições para capturar o Estado e, drenando-o, sustentar um projeto de poder de longo prazo.
A essa confissão de atentado à democracia o Supremo terá como não reagir com severidade?

coluna de 06.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lula, Dirceu e a "farsa"

A CPI havia confirmado as denúncias feitas à Folha semanas antes por Roberto Jefferson quando, em agosto de 2005, Lula entrou em rede nacional de TV e disse que o governo e o PT tinham de "pedir desculpas": "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das quais não tive conhecimento".
Em entrevista na virada daquele ano, o presidente reiterou que havia levado uma "facada nas costas". O partido cometera "um erro de gravidade incomensurável" e precisaria "sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com credibilidade".
Àquela altura, o PT já tinha sido submetido a uma temporada de purgação. Associada ao esquema ilegal de financiamento, sua direção caíra inteira. Interessado em se desgarrar do escândalo, Lula estimulou o ato público de contrição.
O mensalão só passou a ser "desconstruído" depois que a imprensa desmontou a versão do presidente, revelando que ele, se não tinha pessoalmente autorizado as reinações do tesoureiro Delúbio Soares, havia sido alertado sobre elas muito antes da entrevista-bomba de Jefferson. Virou "farsa" e "tentativa de golpe" apenas quando Lula conseguiu reagrupar apoio político.
Em 2010, quando, em resposta ao Ministério Público, ele finalmente abandonou o discurso do "eu não sabia", a máquina federal já rodava forte para blindar o presidente.
A PF tinha pisado no freio. Os saques nas contas do PT irrigadas pelo valerioduto não foram rastreados. O inquérito que comprovou o desvio de dinheiro público mal andava. Só seria concluído no ano seguinte, à revelia, custando uma "geladeira" ao delegado responsável _advertido, curiosamente, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, na época de deputado, adorava criticar o PT mensaleiro.
Réu mais célebre do mensalão, o ex-ministro José Dirceu em boa medida paga o pato pelo ex-chefe.

coluna de 30.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Deixa quieto

Com a aproximação do julgamento do mensalão, um dos colaboradores mais íntimos do ex-presidente Lula passou a se reunir com o publicitário que arquitetou o esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio político ao governo do PT.
Paulo Okamotto geriu o caixa do sindicato dos metalúrgicos quando o amigo ali mandava, serviu-lhe como tesoureiro de campanha e hoje cuida das finanças do Instituto Lula. Homem do dinheiro, portanto.
Em entrevista à revista "Veja", ele confirmou os encontros com Marcos Valério. Disse que atendia a pedidos do réu para discutir política _e só. Por que logo ele, braço direito de Lula, foi chamado? Mistério.
A missão furtiva indica que Valério é um fio desencapado a ser monitorado de perto. Dá corda às especulações de que o PT tem sido pressionado _ou chantageado_ a não abandonar o ex-parceiro.
Motivos para preocupação não faltam. O publicitário operou as contas do mensalão. Para os procuradores que investigaram o caso, R$ 74 milhões foram drenados indevidamente dos cofres públicos, sob a justificativa de contratos fictícios. Para a PF, foram R$ 92 milhões.
Por vezes, os incriminados petistas parecem mais empenhados na defesa de Valério do que nas suas próprias. São vários os expedientes para tentar aliviar a barra do publicitário no campo legal. O mais recente foi a ação casada no Congresso e no TCU para "perdoar" um dos contratos com o Banco do Brasil fraudados pelo valerioduto _manobra desencadeada pelo então deputado petista, hoje ministro da Justiça e, nessa toada, futuro ministro do STF, José Eduardo Cardozo.
Para ajudar a ligar os pontos: Valério tem todos os seus bens penhorados, suas empresas congeladas e, como revela a Folha hoje, mais de R$ 80 milhões em dívidas. Mantém, no entanto, o padrão de vida: casa, carros e hábitos luxuosos.

coluna de 23.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

terça-feira, 17 de julho de 2012

Tribuna de desonra

Com a cassação de Demóstenes Torres, a oposição não perdeu apenas um congressista operoso e estridente. De certa maneira, perdeu todos eles.
A ruína do senador goiano pôs em xeque a linha de atuação parlamentar mais voltada aos holofotes, ao confronto imediato e explícito.
Deve demorar um tanto até os adversários de Dilma se sentirem de novo à vontade para ocupar os microfones do Congresso a fim de surfar em denúncias contra o governo e bater sem dó nos suspeitos.
Primeiro, porque o inquérito do Cachoeiragate ainda respira _como atesta o cerco da PF ao governador tucano Marconi Perillo (GO).
Segundo, porque a impostura do sujeito que desempenhava com brilho o papel de palmatória do mundo ficará, ao menos por algum tempo, viva na memória do eleitor.
Curiosamente foi o próprio cassado, no discurso de adeus, quem deu a senha. Não se desculpou por ter recebido dinheiro e presentes de Carlinhos Cachoeira, nem por ter utilizado o mandato para atender os interesses do empresário-contraventor. Penitenciou-se, isso sim, por ter agido como xerife da ética e sido implacável na cobrança de políticos atolados em escândalos.
Esse "não façam o que eu fiz" prenuncia, no mínimo, um certo esfriamento dos plenários.
O bloco PSDB-DEM-PPS, que já tinha saído fragilizado das urnas em 2010 e enfrentava dificuldades para se projetar nas comissões do Legislativo (vide sua impotência na CPI do Cachoeira), tende agora a se recolher também das tribunas.
Menos espaço para os verborrágicos, mais para os silenciosos: uma oposição que não se opõe, desinteressada em afrontar o Planalto e desgastá-lo pela crítica, que articula (ou simplesmente torce) pela fratura da coalizão dilmista, conformada com o fato de que o Brasil vive hoje uma democracia de partido único _o partido do governo.

coluna de 17.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Adiantado da hora

"Eleições municipais, questões locais." Eis um chavão que dificilmente saíra ileso de 2012. As campanhas ganharam inesperada e expressiva dimensão nacional.
De início, os partidos pareciam propensos a congelar seus projetos futuros, diante da força do governo federal e da anemia da oposição. Confiantes ou conformados com a reeleição de Dilma, não teriam motivo para desperdiçar munição tão cedo.
Até o PT, habitualmente afoito, começou o ano na retranca. Com raras exceções, como Salvador e Porto Alegre, tentou não incomodar os aliados. Traçou planos para destronar o tucanato em São Paulo, manter as grandes cidades que já administra e crescer pelas bordas.
Várias capitais seriam delegadas aos parceiros, em troca de apoio aos candidatos petistas a governador daqui a dois anos. O jogo, afinal, era 2018: controlar o máximo de Estados, além do Planalto, para pautar a sucessão de Dilma 2.
Difícil precisar o que embaralhou as cartas: a crise econômica, o mal-estar na coalizão nacional após a "faxina", a fase pé na jaca de Lula, o incômodo de constatar que (apenas) o PT tinha estratégia de médio prazo ou tudo junto e misturado.
O fato é que a direção do PSB, uma sigla emergente no Nordeste e no Congresso, rasgou o script e anunciou voo solo neste ano em redutos petistas, forçando o revide.
Os confrontos entre o PT e o PSB em Recife, Fortaleza, Belo Horizonte e João Pessoa não significam ruptura definitiva. Mas têm a importância de ensaiar algo que estava programado para bem mais adiante.
Na disputa da capital mineira estão engajados os nomes mais badalados da corrida presidencial de 2014: Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB), articuladores da reeleição de Marcio Lacerda, e Dilma, madrinha da candidatura de última hora de Patrus Ananias (PT).
São Paulo remói o passado com Lula x Serra. BH aponta o futuro.

coluna de 09.jul.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Caminhando contra o vento

José Serra terá de encarar um adversário extra na eleição deste ano: a sina de perder quando se lança candidato de uma herança que não ousa dizer seu nome.

Em 2002, o tucano foi o homem da "continuidade sem continuísmo". O tortuoso conceito não deu conta de protegê-lo da insatisfação majoritária com a reta final de FHC. O eleitor preferiu a ruptura "de verdade".

Oito anos depois, houve novo descompasso, só que de sinal invertido. O país estava otimista, contente, e Serra era o nome da mudança. Ele tentou se mostrar disposto a seguir a trilha de Lula. Este, porém, não deixou dúvida sobre quem desejava ver instalada em sua cadeira.

Nas duas vezes em que Serra venceu, sua candidatura estava alinhada com o sentimento dominante.

Em 2004, ele apareceu à vontade para vestir o figurino oposicionista em São Paulo. Sapateou livremente sobre a equivocada campanha petista e a rejeição a Marta Suplicy.

Dois anos depois, não precisou de segundo turno para chegar ao Palácio dos Bandeirantes. Sucedeu o correligionário Geraldo Alckmin, então lastreado por taxas de aprovação ainda maiores do que as atuais.

Em 2012, porém, Serra se verá de novo obrigado a defender um passivo. No caso, a gestão de Gilberto Kassab. A ascensão do fundador do PSD no quadro partidário nacional é inversamente proporcional à opinião da maioria dos paulistanos sobre seu desempenho como prefeito.

Será difícil o tucano se desvencilhar de sua criatura. Kassab desponta como principal operador da campanha. Implodiu o sonho da chapa pura do PSDB, emplacando o vice.

Propaganda intensiva pode melhorar a imagem do prefeito e legitimar o viés continuísta da empreitada de Serra, além disso escorado pela liderança isolada nas pesquisas. Mas o ambiente parece inclinado ao "novo", na definição (e torcida) das hostes rivais. O PT antes não tinha chances em São Paulo; agora tem.



coluna de 02.jul.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Papeis do divórcio

Se Lula não tivesse saído em socorro de José Sarney e ajudado a esterilizar o escândalo dos atos secretos, a presidência do Senado teria caído nas mãos do PSDB em 2010, em plena campanha eleitoral. Imagine como a oposição teria explorado a denúncia de que o comitê dilmista produziu dossiê criminoso sobre o candidato tucano.

Não houvesse fechado acordo para reabilitar Fernando Collor, Lula enfrentaria, 20 anos depois do impeachment, dificuldades para achar outro nome disposto a se infiltrar na CPI do Cachoeira com o único propósito de atacar a imprensa.

Se o Planalto não tivesse disparado a ordem para abafar os múltiplos processos de corrupção e salvar o mandato de Renan Calheiros, provavelmente hoje o PMDB não estaria inteirinho na coalizão federal.

Todos esses movimentos tiveram propósito e sucesso. Na estratégia hegemonista de Lula, o custo de acolher ex-adversários é irrisório.

Até porque os abraços de Lula não raro sufocam. Vale lembrar que os sarneyzistas estão sendo aos poucos desalojados de seus redutos no setor elétrico federal, que o bunker collorido na Petrobras acaba de ser desmontado e que Renan está prestes a perder o comando da estatal de transporte de combustíveis.

Nada mais natural, portanto, que o ex-presidente não se incomode em afagar em público o ex-"sem vergonha" e ex-"trombadinha" Paulo Maluf, a fim de garantir 95 segundos a mais na propaganda diária de TV dos petistas em São Paulo. Nada mais natural, também, que ele não mostre nenhum pingo de arrependimento após a péssima repercussão _e até faça piada disso.

O episódio deixou claro, mais uma vez, que existe um divórcio entre a "realpolitik" e o eleitor, hoje entregue à apatia ou à aversão. Cabe esclarecer, porém, que esse divórcio interessou muito a Lula. Foi um trunfo para o PT, mais organizado e ligado ao Estado, crescer sozinho.



coluna de 26.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Não há amor em SP

A campanha eleitoral vai coincidir, em agosto, com o julgamento do mensalão. Prestes a ganhar munição extra para fustigar o adversário, o tucano José Serra celebra aliança com o PR de São Paulo, justamente o parceiro preferencial do PT no maior escândalo do governo Lula. Dá para entender?
E como explicar que o petista Fernando Haddad se lance à prefeitura como candidato do "novo" e corra para selar acordo com Paulo Maluf, logo o símbolo do que há de mais retrógrado na política municipal?
Esses acertos estapafúrdios embutem duas informações.
A primeira é que os dois lados perderam todo e qualquer escrúpulo para comprar (ôps, garantir) apoio de outros partidos. O objetivo, simples e caro, é obter mais tempo de televisão e rádio (horário fixo e inserções diárias) e se beneficiar da alavancagem proporcionada pelos candidatos a vereador. Ou seja, combustível adicional para a hora em que a eleição pegar fogo.
Nesse cenário polarizado, em que ambos estão dispostos a qualquer negócio, seria lógico que as adesões saíssem mais naturais _ou com menos ruído. Mensaleiros com mensaleiros, conservadores com conservadores, assim por diante.
Em São Paulo, porém, as fronteiras se esfumaçaram. Maluf endossa Haddad, mas continua prestigiado pelo tucano Geraldo Alckmin na coalizão do Estado. O prefeito Gilberto Kassab (PSD) apoia Serra na capital e o PT nas cidades do entorno. O PSB, dirigido em São Paulo por um alckmista de longa data, vai compor chapa com Haddad.
A sanha hegemonista do PT e a impermeabilidade do PSDB a novas lideranças contribuem para tamanha dispersão. Mas, se as demais legendas tentam manter os pés nas duas canoas, é porque não têm certeza de qual delas vai seguir boiando. É um indício de que o jogo está aberto _não apenas na sucessão de Kassab, mas também na de Alckmin.

coluna de 18.jun.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Carrossel laranja

O escândalo ganhou tal dimensão, e em ritmo tão vertiginoso, que chamá-lo de Cachoeiragate já deixou de ser razoável.

As ramificações do esquema criminoso vão muito além das casas clandestinas de jogo do bicheiro.

Não se limitam à rede de arapongas e políticos, estrelada pelo ex-arauto da moralidade Demóstenes Torres e dedicada a zelar pelos interesses de Carlinhos Cachoeira em Brasília. Nem à derrama de subornos para conseguir contratos e cargos nos governos do Centro-Oeste.

Sabe-se agora que o bicheiro era, na verdade, o braço regional de uma quadrilha que atuava em todo o país com o objetivo de fraudar licitações e sugar dinheiro público.

A Delta era a ponta de lança. De sua matriz saíam ordens de pagamento para o propinoduto goiano. Ficou claro, porém, que a empreiteira operava outras filiais. No Rio, suspeita-se da "gangue do guardanapo" e do próprio governador.

Mas a revelação mais elucidativa foi feita na semana passada, sem merecer a atenção devida _o feriado encurtou a semana do Congresso.

Trata-se de relatório do Ministério da Fazenda sobre a movimentação financeira da Delta. Ele aponta cerca de R$ 115 milhões em transações atípicas e, principalmente, dedura um grupo de empresas de fachada. Subcontratadas para tocar as obras, elas aparentemente nada faziam além de emitir notas frias para esquentar os montantes desviados.

Mais 1: a mesma teia de laranjas aparece em projetos do PAC da Copa, do PAC da Mobilidade, do PAC do etc. Mais 2: essas firmas fantasmas foram empregadas também por outras construtoras grandes. Mais 3: seus pagamentos e saques cresceram em períodos eleitorais.

O laranjal é (ou deveria ser) a nova fronteira das investigações. No varejo e no atacado, ele aponta para um amplo esquema multipartidário de corrupção e a sujeição do sistema político ao crime organizado.



coluna de 11.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pau pra toda obra

Há muito tempo incomodado com as minúcias técnicas e os mecanismos de fiscalização da Lei de Licitações, o governo federal prepara-se para enterrá-la de vez, sob a alegação de que medidas emergenciais precisam ser tomadas para combater a paralisia da indústria e a desaceleração da economia.

O Planalto chegou à conclusão de que praticamente se esgotaram os efeitos do "combo" da política monetária do início da gestão Dilma.

Ninguém mais aposta que a derrubada de juros vá bombar a demanda e despertar o "instinto animal" da iniciativa privada. O empresariado se recolheu. Faz caixa à espera do desfecho da crise europeia. Já são três trimestres de queda de investimentos. O vaticínio dos banqueiros estava certo: "Você pode levar o cavalo à beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água".

O governo vê-se, então, pressionado a tomar ele mesmo a iniciativa. Sobretudo porque é desastroso o desempenho de seus investimentos. Com a exceção do programa federal da casa própria, nada funciona. Os gastos com obras caíram em relação a 2011. No setor de transportes, eles tombaram à metade.

Para salvar o PAC, que roda em ritmo ainda menor que na era Lula, a Presidência não pensa só em entregá-lo a novos gestores. Cuida para tirá-lo do escopo da Lei 8.666 por meio de uma medida provisória.

O Planalto já havia aprovado outro regime de concorrência para os projetos da Copa/Olimpíada. Ele de fato permite imprimir rapidez às obras. Mas, em parte, porque dificulta (ou, no mínimo, adia) o controle de orçamentos e despesas.

Se confirmadas pelo Congresso, as novas regras abrirão de vez a porteira. Afinal, é o governo quem define o que é e o que não é PAC.

Lançada em 1993 como peça moralizadora, a Lei das Licitações perdeu apelo neste cenário de pressão, tão mais tolerante a meios obscuros com declarados fins virtuosos.




coluna de 4.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A defesa é o melhor ataque

Márcio Thomaz Bastos era o ministro da Justiça quando a Polícia Federal, a ele subordinada, concluiu em relatório, após meses de diligências e escutas, que Carlinhos Cachoeira comandava uma rede de políticos e arapongas a fim de fraudar contratos públicos e proteger casas clandestinas de jogo.

Hoje, MTB é advogado do bicheiro. Busca livrá-lo do inquérito da PF e conter seu eventual ímpeto de falar.

Márcio Thomaz Bastos era ministro da Justiça, também, quando pintou a versão de que o mensalão não passara de um caso corriqueiro de caixa dois eleitoral. A PF já coletava provas de que os mensaleiros drenaram os cofres públicos para comprar apoio político ao governo Lula. Houve dano ao erário (R$ 92 milhões do Banco do Brasil), e não mera manipulação de "recursos não contabilizados" de campanha.

Hoje, MTB advoga para o ex-diretor de um dos bancos que, segundo a PF, ajudou a esquentar o dinheiro desviado. Empenha-se para, no mínimo, adiar o julgamento no STF.

No tribunal e no Congresso, é generalizada a percepção de que o ex-ministro não cuida apenas do interesse de seus clientes, influindo sobre a estratégia de todos os réus do mensalão e do Cachoeiragate.

Tão enganadora quanto a discussão em torno da periodicidade do mensalão _se não foram mensais, os pagamentos "não existiram"_ é a atual ladainha em torno do _óbvio_ direito a defesa de Cachoeira, Dirceu, Demóstenes, Delúbio & Cia.

A anomalia reside no papel dúbio de MTB. Lidera a polícia para, mais tarde, socorrer os incriminados. Numa hora, age para recuperar o dinheiro pilhado do governo; noutra, é a pessoa a receber parte dele na forma de honorários (só de Cachoeira, serão R$ 15 milhões).

O ex-ministro se diz movido por "desafios", deixando a Deus "julgamentos morais". Sua conduta, porém, desafia o bom senso e abala a crença na polícia "republicana".



coluna de 28.mai.2012



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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Nota paulista

A tímida largada de Fernando Haddad na capital pode induzir a uma avaliação errada sobre as possibilidades eleitorais do PT no Estado de São Paulo.
O partido montou sólida estratégia para tentar replicar nas prefeituras o apoio que costuma atrair nas campanhas a governador (de 30% a 35%). Hoje a legenda administra 68 dos 645 municípios paulistas _menos de 18% da população.
A primeira medida foi ampliar a presença da sigla no Estado. No dia da votação, em outubro, haverá diretórios petistas em 589 cidades, 184 a mais do que na ressaca das eleições de 2008. Comissões provisórias cuidarão de outras 52. Ou seja, em todo o Estado, apenas quatro municípios estão a descoberto.
A segunda medida foi lançar o máximo de candidatos próprios. Relatório entregue neste mês a Lula informa que já estão fechadas 311 chapas com o PT na cabeça. Projeta "alguma chance" de sucesso para 226 delas _e "muita" para 111.
O comando petista chegou a duas conclusões: a Presidência da República não será sua para sempre, ainda que outro mandato de Dilma pareça hoje ao alcance da mão, e a polarização com o PSDB está em vias de esgotamento -a campanha de reeleição de Geraldo Alckmin, em 2014, seria seu espasmo final.
Um novo adversário surgirá, talvez de dentro da atual coalizão federal _quem sabe o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Nesse novo cenário, será mais do que desejável ter o controle do segundo e quinto maiores Orçamentos do país: São Paulo e sua capital.
Daí a necessidade de Dilma esquecer a promessa de não envolvimento e viajar para posar ao lado de Haddad. Daí o empenho do PT em digerir o ex-rival Gilberto Kassab, resgatar parceiros de mensalão e dar visibilidade a novos nomes, como Haddad e o ministro Alexandre Padilha (Saúde). Como o passado, o futuro do PT é muito paulista.

coluna de 21.mai.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Papel transparente

Não convém subestimar a Lei de Acesso à Informação, em vigor a partir desta quarta-feira.
Seu significado vai muito além do bem-vindo sinal verde para entrar nos arquivos oficiais e reconstituir episódios conturbados do país.
Trata-se também de ferramenta poderosa para melhorar a gestão e desinfetar a administração pública.
O brasileiro agora terá o direito de fiscalizar todo e qualquer ato dos governos. As repartições _autarquias e estatais incluídas_ deverão fornecer os dados requisitados em no máximo 30 dias corridos. Compras, convênios, atas de reuniões, relatórios, folhas de pagamento: nada disso poderá ser ocultado.
O servidor que desobedecer ficará sujeito a sanção. Constatada má-fé, correrá risco de perder o emprego.
Nos poucos casos protegidos de revelação imediata (segurança nacional, vida privada, segredos industriais), o funcionário precisará encaminhar justificativa por escrito _argumentação a ser verificada por superiores e fadada, ela própria, a vir a público depois de certo tempo.
Corruptos, incompetentes e preguiçosos estarão expostos. O contribuinte poderá monitorar o caminho inteiro do dinheiro e comparar o serviço contratado com o prestado.
Muita gente, claro, resistirá e tentará evitar que a lei "pegue". Falta de tempo, infraestrutura, cultura: já dá para imaginar as desculpas.
Daí a importância de Dilma Rousseff liderar a construção desses novos protocolos de transparência. A presidente já ostenta marcas fortes: a política monetária, que forçou a queda rápida dos juros, e a "faxina" de ministros. Mas deixará um legado definitivo se der o exemplo e endossar a lei com convicção.
Poderia começar por abrir sua agenda em detalhes e deixar registro (para divulgação futura) de todas as reuniões, compromissos e contatos, obrigando os subalternos diretos a fazerem o mesmo. Quem tiver o que esconder vai correr.

coluna de 14.mai.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Vaza tudo!

Se os constrangedores diálogos coletados pela Polícia Federal não tivessem vindo a público, Demóstenes Torres estaria agora na vanguarda dos protestos contra a mudança na caderneta de poupança, posando de baluarte da retidão no Senado e na imprensa. A Delta continuaria a responder por obras superfaturadas e a ganhar contratos em troca de propina. Não saberíamos que Carlinhos Cachoeira contava com uma rede de arapon gas para destruir adversários.
Por isso é tão espantoso quanto revelador o desinteresse dos congressistas que dirigem a CPI do Cachoeira pelos áudios e transcrições das operações policiais. CPI que, paradoxalmente, só foi instalada devido à divulgação dos grampos.
O presidente Vital do Rêgo (PMDB-PB) e o relator Odair Cunha (PT-MG) manobram para limitar as revelações ao já revelado. Empenham-se em dificultar o acesso dos colegas à pequena parcela de documentos encaminhada pelo Judiciário quando deviam, além de facilitar essa consulta, batalhar para receber tudo o que a polícia recolheu.
Milhares de conversas não foram anexadas ao lote entregue à CPI. Não há quase nada, por exemplo, de um longo período de 2010. Justamente aquele em que a campanha presidencial pegava fogo.
Esse material está represado em algum degrau da pirâmide investigativa _Polícia Civil, PF, Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, Ministério da Justiça... Alguém anda negociando o vazamento a conta-gotas desse conteúdo. Ou o não vazamento em bloco.
Só a CPI tem poder para evitar uma grande armação. Claro, é necessário cuidado com os grampos. Nem sempre bastam como prova de ilicitude. Podem até arrastar terceiros indevidamente para o furacão. Mas, para fazer justiça e ao mesmo tempo impedir injustiças, é preciso conferir tudo o que sustenta o inquérito e tudo o que foi descartado.

coluna de 07.mai.2012

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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Dura lex

A CPI do Cachoeira oferece oportunidade não só de investigar a fundo as relações entre políticos, empresários e o crime organizado, mas também de aprovar melhores leis de combate à corrupção.
Já surgiu uma ideia interessante na comissão de juristas escalada pelo Senado para revisar o Código Penal: classificar como crime o enriquecimento do servidor incompatível com sua renda declarada.
Pela proposta, a polícia não precisaria mais provar em detalhes como se deu a roubança. Bastaria constatar que o político (ou o juiz, o delegado etc.) acumulou patrimônio ou passou a usufruir de bens acima de suas possibilidades.
A medida não secaria de vez os propinodutos. Mas, como precisou o ministro Gilson Dipp (STJ), daria ao Estado um instrumento para agir com rapidez. O sujeito pensaria duas vezes antes de se fixar em Paris, emborcar vinhos exclusivos, colecionar carros importados...
A comissão de juristas tem feito outras sugestões arrojadas, como a ampliação dos casos em que aborto e eutanásia seriam permitidos. Estão quase todas fadadas à derrota, dada a composição do Congresso.
Fossem tempos normais, também iniciativas contra a corrupção acabariam na fila-que-não-anda. Os pilantras sabem como ninguém emperrar o trabalho parlamentar.
A CPI do Cachoeira, porém, quebra esse quadro de estupor. O escândalo é grande demais para ser abafado -ainda que o PT, justo quem mais lucrou politicamente com as revelações até aqui, opere para restringir o escopo da investigação.
Dipp e seus colegas deveriam tirar proveito e surfar a onda da Ficha Limpa, influenciando na redação do texto propositivo da CPI. Vale incluir outros bons projetos em tramitação no Congresso, como o que prevê punição também para quem corrompe (e não apenas para o corrompido), e fechar um pacote bem antes do recesso de julho.

coluna de 30.abr.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Polos magnéticos

O desejo de retomar protagonismo no jogo político explica o empenho de Lula na instalação da CPI do Cachoeira. Não se trata apenas de "fígado", "sede de vingança" ou "sangue nos olhos".
Foi por determinação de Lula que a direção do PT exortou a militância a cobrar investigações sobre os negócios do contraventor e sua ligação com líderes da oposição. Partiu do ex-presidente, também, a ordem para o partido fechar apoio à CPI.
Há a intenção declarada de empastelar o mensalão _denunciar os crimes da gangue de Cachoeira como o "maior esquema de corrupção da história", para diminuir o impacto do julgamento do principal escândalo da era Lula. Mas não é só isso.
O sucesso de Dilma Rousseff em boa medida se deveu ao esmaecimento da herança lulista _da "faxina" que extirpou ministros remanescentes à guinada da política monetária, da degola de líderes no Congresso às mexidas na Petrobras.
A CPI interrompe a desconstrução. Emancipa Lula do papel secundário de cabo eleitoral de candidatos a prefeito, devolvendo-o a Brasília.
É sintomático que o ex-presidente faça articulações pró-CPI no hospital em que se recupera do câncer e cuide para entregar a relatoria da comissão ao PT paulista. Para ele, é ótimo que a teia de Cachoeira seja multipartidária: mais legendas terão de entrar na fila do beija-mão.
Em princípio, a CPI não interessa a Dilma. Ela planejava resgatar a "gerentona" _esquecida no primeiro ano e fazer um 2012 de realizações. O caso Cachoeira, contudo, monopolizará o noticiário. Em vez de discutir a queda de juros ou os novos projetos para a ciência, a imprensa se ocupará de fraudes e propinas.
Mas Dilma tem dois alentos. O brasileiro, a despeito de tanta confusão, ou por causa disso, gosta da presidente. E talvez não seja ruim ela ter como contraponto, na política, logo o padrinho e confidente. De um lado é PT, do outro também.

coluna de 23.abr.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A vez do mensalão

Nada garante que a CPI do Cachoeira venha a empastelar o julgamento do mensalão, ainda que muita gente torça ou trabalhe para que isso aconteça.
É de fato curioso que tenham vazado logo agora grampos coletados anos atrás pela Polícia Federal sobre Demóstenes Torres e outros parlamentares da folha de pagamento do jogo do bicho em Goiás.
Assim como soa estranho que a inapetência investigativa do Congresso seja interrompida por uma CPI governista _tais comissões sempre foram instrumento da oposição.
É digna de nota, também, a voracidade com que a direção do PT convocou a militância a misturar os escândalos (presente e passado) a fim de desqualificar testemunhas e acusadores do esquema de compra de apoio político ao governo Lula.
O inquérito do mensalão, porém, é consistente o bastante para resistir a ataques especulativos. A segunda fase da apuração policial ligou os pontos que faltavam na denúncia original da Procuradoria-Geral. Foi comprovado o desvio de dinheiro público _e não apenas o uso de caixa dois na campanha eleitoral, como alega a narrativa lulopetista.
Cachoeira pode até ter encomendado o vídeo da propina nos Correios em 2005 _episódio que acuou Roberto Jefferson e o levou a relatar o modo de operação do PT à Folha. Mas não foi o bicheiro nem Demóstenes quem drenou R$ 91,9 milhões do Banco do Brasil, forjou empréstimos e contratos para lavar a grana, fez saques na boca do caixa para remunerar aliados e remessas para paraísos fiscais _ações mensaleiras autorizadas e em alguns casos ordenadas pela cúpula petista.
As posses nesta semana de Ayres Britto (STF) e Cármen Lúcia (TSE) representam um golpe para os que apostam na impunidade. As revelações da bem-vinda CPI podem até servir de estímulo para a Justiça agilizar as sentenças de um escândalo que se arrasta há sete anos.

coluna de 16.mar.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Tony Ramos está morto

Nunca antes neste país houve novela tão lúgubre como "Avenida Brasil". A marca da maldade aparece toda noite, as cenas costuradas para afligir a audiência.
João Emanuel Carneiro já havia brincado com as fronteiras entre o "bem" e o "mal" no trabalho anterior. "A Favorita" demorou a esclarecer quem, afinal, era a vilã.
Mas ali o que surpreendeu, e virou marca-registrada do autor, foi o ritmo frenético. Cada capítulo abria e fechava um pedaço do enredo.
Desta vez, João Emanuel vai além na quebra de maniqueísmos. A ideia de pureza foi simplesmente suprimida logo na estreia da história, com a morte trágica do personagem de Tony Ramos.
O ator que durante décadas encarnou a honestidade na TV agonizou entre soluços de sangue, sob chuva torrencial, atropelado depois de constatar que a mulher era uma pérfida. O herói com caráter, vimos, não passava de um banana. Para piorar, no último suspiro ajudou a armar o novo golpe da algoz.
Adriana Esteves vive a vilã barra-pesada, antológica. Agride crianças, humilha o amante/comparsa, engana meio mundo enquanto planeja enganar a outra metade.
A novidade é que quase não há integridade nos demais personagens. Vide os galãs: o craque de futebol pulou a cerca no dia do noivado; o filho adotivo alterna pileques com rompantes machistas; o empresário boa praça faz rodízio de esposas.
A mocinha de doce só tem o rosto _Débora Falabella foi outra boa sacada de escalação. Para engatilhar a vingança, largou o namorado e se finge de amiga da cunhada da vilã.
Todos mentem e trapaceiam no subúrbio emergente e consumista que serve de cenário à trama. Vale o lema "os fins justificam os meios" (ou "rouba, mas faz", "rouba, mas pro partido", "todos roubam"...). "Avenida Brasil" nos convida, ou nos coage, a torcer por quem faz o mal. Testa nossa ruína moral. Dói.

coluna de 09.abr.2012


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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Duas caras

Não são raros os exemplos de contradição entre a imagem que o político busca projetar e suas práticas, cedo ou tarde reveladas.
O presidente eleito graças a promessas de moralização e austeridade na verdade se alimentava de um esquema predatório de desvio de dinheiro público. O senador que posava de líder e estrategista do maior partido do Congresso se ocupava de coletar recursos repassados a laranjas e pagar as despesas da amante. O governador que se vendia como gestor moderno contava pessoalmente a grana da propina.
O caso de Demóstenes Torres, porém, é peculiar. Não se trata propriamente de descompasso, mas de um divórcio que beira a patologia.
Em nove anos de mandato, o senador do DEM goiano apresentou-se ao público como a palmatória da República. Em toda entrevista e discurso, fazia questão de apontar os malfeitos do governo federal, quando não alertar para os riscos de "crise institucional". Estava sempre a postos para oferecer aspas indignadas, tão úteis à imprensa.
Agora, grampo após grampo, fica claro que, durante todo esse tempo, o paladino da Justiça não passava de despachante de luxo dos interesses de um contraventor.
A distância entre reputação e realidade é abismal, como se um Demóstenes fosse o negativo do outro. O fenômeno ficou evidente no único e desastroso pronunciamento do senador pós-escândalo, no qual afirmou ser apenas "amigo" de Carlinhos Cachoeira. Em sã consciência, ele deveria ter antevisto que seus inúmeros préstimos ao bicheiro tinham caído nas escutas da PF.
Existe uma máxima segundo a qual os políticos não morrem. Sempre dão jeito de contornar derrotas, denúncias e condenações. Collor, Renan e Arruda estão aí para mostrar.
Mas para Demóstenes não haverá esse "dia seguinte". Desmoralizadas suas duas caras, quem vai querer comprar uma terceira?

coluna de 02.mar.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 26 de março de 2012

Teoria e novas práticas

As "novas práticas políticas" que a presidente Dilma Rousseff divulga como atração do segundo ano de mandato têm alcance limitado e prazo de validade.
A decisão de brecar o toma lá dá cá não nasceu do diagnóstico de que o sistema está viciado, mas da necessidade de reagir a um princípio de levante de aliados no Congresso _as cúpulas partidárias já se sentiam à vontade para cobrar o terreno perdido na esteira da "faxina" e do estrangulamento orçamentário.
A resposta do governo foi trocar seus líderes no Senado e na Câmara. Caíram Romero Jucá e Cândido Vaccarezza. Não à toa, ambos símbolos do consórcio PT-PMDB, que deu sustentação a Lula 2.
Interessa a Dilma "discutir essa relação" e repactuá-la em termos menos leoninos. É ingenuidade, porém, apostar na escalada do confronto e no descarte do PMDB, convenientemente transformado em símbolo maior do fisiologismo.
O Planalto não se preocupa tanto com a agenda legislativa nem com os votos peemedebistas para a Lei Geral da Copa, o Código Florestal ou a nova previdência dos servidores. Nesses casos, a solução é relativamente simples: adiar as votações até costurar um acordo ou vetar aquilo que for aprovado à revelia.
São outros os fatores que tornam o PMDB essencial. O partido está embicado para assumir o comando das duas Casas do Congresso a partir de fevereiro próximo e terá expressivo tempo de televisão na campanha reeleitoral de 2014.
A "crise" entre Executivo e Legislativo tende, portanto, a não adentrar 2013. O que não significa que ela sairá rapidamente do noticiário.
O segundo ano de Dilma carece de uma marca que gere dividendos de imagem, como foi a demissão serial de ministros em 2011. Já que o PAC anda engasgado e a economia só deverá pegar no tranco no segundo semestre, por que não aproveitar e bater pesado na "velha política"?

coluna de 26.mar.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 19 de março de 2012

Promessa é dívida

Uma a uma, as promessas da campanha de Dilma Rousseff vão sendo esquecidas ou redimensionadas. Dois milhões de moradias, 6.000 creches e pré-escolas, 10 mil quadras esportivas, PAC 2: quase nada ficará pronto no prazo.
Não se deve subestimar as agruras da administração pública: gigantismo, loteamento, corrupção, ausência de instrumentos de cobrança e recompensa, orçamento engessado, conjuntura internacional... Mas Dilma, veterana em Brasília, sabia bem disso. Na Casa Civil de Lula, ela gerenciava todas as repartições _inclusive as que ajudaram a redigir seu programa de governo.
Talvez a presidente tenha chutado para cima os objetivos, para obrigar a máquina a se empenhar mais. Talvez ela tenha feito uma autocrítica e agora prefira não tocar obras a tocá-las de qualquer jeito.
O problema é que isso não resta claro. O Planalto insiste em jogar na defensiva _ou na confusão.
Tome-se o abandono da ideia de construir 2.883 Unidades de Polícia Pacificadora. Primeiro, o Ministério da Justiça admitiu ter baixado a bola, pois subestimara os custos. Depois, ante a má repercussão, alegou que o projeto "está ativo como nunca", com uma "readequação", e que não se deve confundir UPP com posto de polícia comunitária.
Em novembro de 2010, porém, o secretário-executivo do programa nacional de segurança foi explícito: a meta seria instalar 2.883 bases fixas de policiais. "A UPP é um nome específico do Rio. Nós chamamos de posto comunitário, um genérico."
Indagada naquele ano sobre o risco de não cumprir os compromissos assumidos, Dilma disse que, embora ambiciosos, eram todos factíveis: "Tem uma coisa importante: a curva de aprendizado, a capacidade do ser humano de aprender".
A convicção da candidata sumiu na Presidência. Seu governo ainda não aprendeu nem a explicar por que faz tão pouco do que jurou fazer.

coluna de 19.mar.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de março de 2012

Quem fica parado é poste

Uma série de contratempos ameaça o plano de reeditar com Fernando Haddad o sucesso de Dilma Rousseff, que surgiu do nada e ganhou uma eleição dura.
O ex-ministro da Educação tem atributos semelhantes aos da novata de 2010: experiência no serviço público, reputação de gestor e o fato de não ter passado pelo teste das urnas _algo que, se o faz desconhecido do eleitor e até do militante, dá à candidatura um lustro de novidade. A fina estampa fecha o pacote dos sonhos da marquetagem.
A campanha em São Paulo, porém, não largou bem. Por ora, o tratamento do câncer impede que Lula comande as operações.
A construção de Dilma, vale lembrar, começou com quatro anos de dianteira. Foi em 2007 que Lula apresentou a "mãe do PAC".
Sem o ex-presidente do lado, Haddad tem dificuldade em aparecer. Daí seus números esquálidos nas pesquisas. No Datafolha, são 3% de intenção de voto. Em fevereiro de 2010, Dilma já cravava 28%.
A ausência de Lula ajuda a explicar também o bate-cabeças dentro do PT, que se engalfinha por nacos de poder na campanha, e a dificuldade em reproduzir a coalizão federal em São Paulo. O PMDB, que em 2009 já engatava com Dilma, agora insiste no voo solo. Até aqui, Haddad não amarrou nem o PC do B.
Ao candidato conviria uma aliança ampla, pois o antipetismo na cidade é maior que no Brasil. O PT paulista foi o QG dos grandes escândalos da era Lula. Sua passagem pela prefeitura deixou pouca saudade _a boa avaliação de Marta Suplicy na reta final do mandato acabou corroída pela propaganda adversária.
Dilma, que goza de alta popularidade em São Paulo, poderia ajudar. Mas correrá ela o risco de derrota em um tira-teima contra José Serra?
A sorte petista numa eleição tão "nacionalizada" parece depender de outro fator: os eventuais erros do tucano, numerosos em 2010.

coluna de 12.mar.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de março de 2012

Lacrimosa

Há duas maneiras de interpretar o choro engasgado de Dilma Rousseff na cerimônia de posse do novo ministro da Pesca.
Uma delas ajuda a alimentar a imagem da técnica dedicada a buscar soluções para os problemas do Brasil e decidida a não perder tempo com negociações partidárias.
Ao lamentar em público a demissão de Luiz Sérgio, admitir candidamente que o objetivo foi fazer vaga para um evangélico e afirmar que às vezes é preciso entender "as necessidades de um governo de coalizão", a presidente sugere que faz política somente por necessidade.
A mensagem é que, se dependesse exclusivamente da vontade de Dilma, as nomeações se dariam sempre por mérito e/ou afinidade _vide Graça Foster (Petrobras) e Eleonora Menicucci (Mulheres). Que, para ela, é concessão, quase violência, tocar o dia-a-dia ao lado de peemedebistas, pepistas e demais "istas".
Essa leitura torna Dilma singular na comparação com outros governantes do passado e do presente.
Mas também é possível enxergar nas lágrimas indício justamente do contrário: a presidente já emula o antecessor até no uso da emotividade para reforçar a "marca".
Chorou de apreço por Luiz Sérgio? Ele não era próximo de Dilma, já tinha sido degolado uma vez (Relações Institucionais) e, inoperante, era alvo de piadas palacianas.
De desconforto com Marcelo Crivella, o novo ministro, que nunca viu um anzol? Nomes como Mário Negromonte passaram pela Esplanada sob completa tolerância.
De preocupação com a Pesca? A pasta quase foi extinta neste ano.
Blagues cada vez mais frequentes _como prometer distância das eleições municipais e, logo em seguida, operar a céu aberto em prol da candidatura de Fernando Haddad. Declarações progressivamente coloridas _"tsunami de dólares". Coração alado. O continuísmo ganha força no segundo ano de Dilma.

coluna de 05.mar.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Polícia montada

A leitura dos processos que envolvem políticos e estão em andamento na Justiça é devastadora para a Polícia Federal. Não apenas corrói sua imagem de eficiência, como também confirma seu sucateamento institucional.
Obtidos com exclusividade pela Folha, os documentos revelam que os inquéritos se arrastam menos por causa das manobras dos advogados dos parlamentares, como sugeria o senso comum, e mais por erros e omissões dos investigadores.
As apurações simplesmente não andam. Uma razão, agora se sabe, é que os delegados responsáveis são seguidamente trocados. Em um dos casos, no Maranhão, foram cinco titulares _e cinco anos sem ouvir o deputado suspeito, contatar testemunhas e produzir laudos.
Mais grave: as operações especiais, que ganham apelidos espirituosos e são trombeteadas como momentos de afirmação da polícia, não raro servem de pretexto para abandonar processos contra os políticos.
Um aspecto lamentável é que não parece haver no órgão apetite para reverter o quadro. Pelo contrário, a rota é de enquadramento e sujeição ao Planalto. O mesmo Planalto que veladamente opera para asfixiar a PF por meio do corte de verbas, do bloqueio de contratações, da contenção salarial (que leva quadros qualificados a procurar outras carreiras) e do gradual alienamento no preparativo dos grandes eventos (Rio+20, Copa-2014 e Olimpíada-2016).
A Presidência prefere a continência das Forças Armadas a depender de uma corporação que, por vezes, incomodou o governo anterior.
Há ainda, ninguém duvide, questões pessoais em jogo. Basta ver o destino dos policiais que desbarataram os "aloprados", prenderam o irmão de Lula, confirmaram o mensalão e provaram que a Casa Civil de Dilma fabricou dossiês contra tucanos. Encostados, afastados ou atolados em tarefas burocráticas, estão todos fora de combate.

coluna de 27.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Juro composto

A queda contínua dos juros, pela qual Guido Mantega tanto batalhou, paradoxalmente colocou o ministro contra as cordas.
Ao pactuar com o BC uma nova política monetária, o titular da Fazenda se firmou como figura de destaque no governo Dilma. Algo inédito para quem passou a era Lula relegado ao segundo plano mesmo em lances agudos da economia.
Essa guinada causou ciúmes e fez de Mantega um alvo. Daí para as denúncias foi um pulo. Não é coincidência que as fraudes na Casa da Moeda tenham vindo à tona agora.
Para piorar, o ministro tem dificuldades em lidar com os holofotes. Só o veio sádico de Dilma explica a ordem para que comentasse em público o escândalo na Casa da Moeda. Ele, claro, se atrapalhou. Admitiu ter nomeado o suspeito de corrupção, mas alegou que a escolha fora de terceiros. Usou a fisiologia como peça de defesa, credo.
Outro efeito do declínio dos juros é um racha programático na Fazenda. Alguns querem aproveitar o embalo e abrir a torneira do gasto público para aquecer a economia.
Mantega, que, devido ao risco inflacionário, prefere uma inversão mais suave, vê-se acossado até pelo principal auxiliar. Não à toa, Nelson Barbosa deixou de ser chamado para reuniões com o ministro.
Ainda mais deteriorado está o clima nos bancos públicos. Seus bilionários fundos de pensão precisam realocar os investimentos, já que a renda fixa vem perdendo apelo. Alas pró-Mantega e anti-Mantega se digladiam pelo poder de escolher novos negócios (ou negociatas).
E há o dilema da poupança. O tombo da Selic vai torná-la atrativa a um ponto quase insustentável. O governo pode diminuir a remuneração da caderneta ou ficar parado, forçando os bancos a estimular as outras aplicações (via redução das taxas de administração). Nessa guerra por uma decisão de bilhões de reais, quanto vale um ministro?

coluna de 20.fev.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Chave de segurança

O fim da greve dos PMs da Bahia e o início claudicante, porque sufocado, do levante no Rio podem dar a falsa impressão de que o problema está resolvido.
O vazamento das escutas telefônicas, que desnudaram tramas e crimes cometidos para dar visibilidade ao protesto, causou indignação no telespectador, não na tropa. Os sindicalistas perderam qualquer possibilidade de sensibilizar o público para suas reivindicações, mas não o respaldo da categoria.
Isso porque a questão salarial segue pendente. A disparidade chega a quase 200%: um soldado da PM ganha R$ 1.600 no Rio Grande do Sul, contra R$ 4.600 no Distrito Federal. A emenda constitucional (PEC 300) que cria um piso nacional não é apenas peça de chantagem. Trata-se de proposta legítima e fundamentada na realidade.
Também o calendário continua a favor dos sindicatos. Rio+20, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíada, os grandes eventos internacionais renovarão as chances de emparedar União e Estados.
Mais: os PMs não estão sozinhos no funcionalismo. Muitas categorias torcem para que eles façam um primeiro rombo no casco das finanças de Dilma. Policiais federais e agentes penitenciários, por exemplo, acompanham o caso com atenção.
E há as Forças Armadas. Por muito tempo, elas resistiram à ideia de patrulhar ruas. Hoje, muitos militares constatam que o combate à violência nas cidades pode representar uma oportunidade de sair da irrelevância e conquistar espaço orçamentário. Os PMs rebelados são bois de piranha nesse roteiro.
O Palácio do Planalto, que de início se meteu na crise apenas para tirar do sufoco um governador do partido da presidente, parece ter, com o passar dos dias, percebido os riscos potenciais. Não faz mais sentido se esconder na Constituição e tratar da segurança pública como problema exclusivo dos Estados.

coluna de 13.fev.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ocupe o tablet

Uma série de ressalvas pode ser feita à distribuição de tablets na rede pública de ensino. Mas a largada confusa dada pelo Ministério de Educação prejudicou o reconhecimento de aspectos positivos da iniciativa, vários também.
O edital de compra foi divulgado pelo governo sem alarde (na surdina?), enquanto Dilma oficializava a troca de ministro _e o setor tratava de discutir Haddad x Mercadante.
Mais: ao contrário do que havia sido dito, a licitação prevê tablets para professores, não estudantes.
Mais ainda: o projeto começa com amostra e orçamento enormes (900 mil unidades; R$ 330 milhões), porém sem roteiro pedagógico.
Ninguém sabe até agora qual sistema operacional prevalecerá _se o MEC ficará com dispositivos mais abertos ou recuará e cederá à Apple. Nem se haverá banda larga suficiente para conectar os aparelhos.
Os céticos lembram, por fim, dos boletins pouco animadores do Um Computador por Aluno. Continua no caixote parte dos 150 mil laptops do plano lançado na gestão Lula.
Ainda assim, parece míope condenar de saída e por completo ideia tão afinada com demandas do tempo _internet, inglês e matemática.
O futuro é o software. A meninada precisa conviver com tabuleta, computador, celular. Desmontá-los e destruí-los, para dominá-los.
Do ponto de vista do ensino, os tablets, no mínimo, ajudarão a uniformizar o currículo. Hoje, os conteúdos oscilam segundo humores e precariedades de cada escola.
Com as aulas detalhadas e catalogadas no portal do MEC, um clique no aparelho permitirá aos pais (e prefeitos, vereadores etc.) monitorar as classes e conferir seu ritmo.
A novidade também resultará em política mais transparente e barata de compra de material didático. A oferta de livros tenderá a crescer.
Haverá, claro, dispersão. Mas ela não deixa de ser instrutiva. Games, Facebook e Twitter para todos.

coluna de 06.fev.2011


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Questão de decoro

Para uma presidente que busca ser vista como decidida, impressiona a hesitação de Dilma em assumir posições públicas.
Não se trata só da escassez de entrevistas, mas de desapreço geral por justificar medidas, defender políticas e sustentar pontos de vista.
Os exemplos se acumulam neste início de ano, bem no momento em que os elevados índices de aprovação permitiriam ao governo enveredar por uma trilha de afirmação.
Soube-se que Dilma considerou "barbárie" a operação policial que tirou 6.000 pessoas de casa em São José dos Campos. A indignação, porém, ficou intramuros. A presidente até esteve em São Paulo, mas para sorrir diante das câmeras ao lado do neoaliado Gilberto Kassab.
Ela não fala sobre as violações aos direitos humanos em Cuba, que visitará amanhã _segundo o chanceler, o tema "não é emergencial".
Não fala sobre os integrantes ou a vocação da Comissão da Verdade, à espera de instalação para pesquisar crimes cometidos na ditadura.
Não fala sobre o projeto que limitaria as possibilidades de aborto legal, publicado pelo governo em silêncio e em silêncio reescrito.
Por que houve mudança nas cúpulas da Petrobras e do Banco do Brasil? Por que não saíram os diretores da Caixa envolvidos em fraudes zilionárias? E como Mário Negromonte ainda continua ministro das Cidades? Dilma não explica.
O porta-voz mudou, mas a estrutura de comunicação do Planalto permanece montada para não comunicar. Oficialmente, do palácio saem apenas platitudes e propaganda. Os ministros se pelam de medo de falar, isso quando têm noção do que se passa pela cabeça da chefe.
O contraponto radical ao antecessor loquaz compromete o desejo dilmista de servir de inspiração às brasileiras. Atola a administração em boatos tolos e informações inexatas, empobrece o debate público e sugere uma certa covardia.

coluna de 30.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Dedo opositor

O confronto entre PM e moradores, ontem no Vale do Paraíba, desafia a atitude algo acomodatícia do PT em relação ao governo Alckmin _e outros adversários.
Se virou lugar-comum dizer que os tucanos, acuados pela popularidade de Lula e Dilma, desistiram do embate político, é fato que, onde poderia ou deveria fazer oposição, o PT anda pouco belicoso também.
Cálculo e cautela imperam no partido que se formou na estridência. A prioridade é o "projeto nacional": preservar ou ampliar a coalizão que "dá governabilidade" a Dilma, replicando-a onde possível.
Assim, por ordem expressa de Lula, a legenda discute aliança com Gilberto Kassab (PSD), depois de anos de recriminações à gestão "higienista" do prefeito de São Paulo.
Assim, no Estado, o PT passou a modular as críticas ao governador, tão paparicado pela presidente. Interessa não fechar as portas ao voto Dilmalckmin daqui a dois anos?
Logo após o vexame na eleição de 2010 em Minas, a sigla prometeu buscar a Prefeitura de Belo Horizonte. Agora, fala em renovar o pacto de não-agressão com o PSDB.
Em Alagoas, grampos da polícia indicam que tucanos desviaram dinheiro público para quitar despesas eleitorais. Mesmo assim, nada de o petismo se mexer para destituir o governador Teotonio Vilela Filho.
Tome-se o caso do Rio. Não existe no país quem privatize tantos serviços públicos quanto o PMDB local. O PT não só se cala. Para não melindrar o parceiro nacional, cometerá o gesto inédito de abdicar da eleição à prefeitura da capital.
Isso sem falar da famosa intervenção no diretório maranhense, a fim de proteger a família Sarney.
Os recuos são, claro, táticos. Aqui e ali o PT ainda bate firme. A campanha municipal acirrará ânimos e delimitará campos. Mas tudo no partido está hoje programado para esfriar o noticiário. O problema é que notícia não se programa.

coluna de 23.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Deu o cano

O governo já reconheceu que o PAC não contribuiu para o crescimento da economia em 2011, porém ainda deve uma autocrítica sobre o fracasso dos programas federais de saneamento básico no primeiro ano de Dilma.
O balanço final e detalhado não foi divulgado, mas, até dezembro, a execução do Orçamento apontava estagnação, senão queda nos gastos em obras de água e esgoto.
Projetos para pequenos municípios foram selecionados só na virada para 2012. E, justamente nas cidades de até 5.000 habitantes, o quadro assusta mais: 70% das casas têm problemas de água, esgoto e/ou lixo.
No país todo, 45% dos domicílios continuam fora da rede de esgoto. Um terço da população não tem banheiro ou usa instalações precárias do ponto de vista sanitário. A escalada da dengue não é casual.
Além de reduzir diretamente o deficit social, ação mais enérgica do Planalto inibiria o jogo de empurra entre Estados e municípios _que resulta em inação, quando não alimenta esquemas de corrupção e arrecadação eleitoral paralela. O setor de habitação popular, em expansão, é prova desse efeito virtuoso.
Se soa pouco atraente à política ("obra subterrânea não dá voto"), o saneamento traz impactos positivos à economia. É ânimo na veia da construção civil, que rateou em 2011. Um governo decidido a criar demandas para aquecer o mercado interno deveria saber disso.
Entretanto, ocupada em driblar denúncias de desvios e má gestão nas repartições responsáveis, a Presidência limita-se a anunciar novas etapas do PAC _sem ter conseguido equacionar as várias anteriores.
O BNDES, por exemplo, avisou que injetará R$ 23 bilhões em grandes obras de infraestrutura neste ano. Para o saneamento? Nada extra.
Neste caso, a "faxina" nos ministérios é lateral. Falta um plano mais ambicioso e comprometido para universalizar esse serviço essencial.

coluna de 16.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Chapa fria

Mesmo ocupando no governo Dilma mais espaços do que na era Lula, o PT tem dificuldades para converter a dominância no plano federal em resultado semelhante nas eleições municipais.
O partido larga o ano em posição pouco confortável nas 26 capitais. Não detém favoritismo absoluto nem nas sete que administra hoje.
A falta de nomes fortes é uma das razões. A mobilização dos aliados é outra. Eles sabem que as prefeituras são vitais para eleger deputados e se manter no jogo em Brasília.
Por isso o PMDB prepara candidaturas próprias em 22 capitais _os confrontos diretos com o PT devem dobrar em relação a 2008. Por isso também o PSD, embora louco para aderir, ficará no campo oposto ao do PT em boa parte dessas cidades.
A preocupação em preservar a coalizão de Dilma freia o ímpeto dos petistas. Em Curitiba, podem selar apoio a Gustavo Fruet (PDT); em Vitória, a Paulo Hartung (PMDB). Em Porto Alegre, apesar de terem lançado candidato, sofrem pressão para recuar e endossar José Fortunati (PDT) ou Manuela D'Ávila (PC do B). No Rio, já decidiram ceder ao PMDB: pela primeira vez não terão cabeça de chapa à prefeitura.
Em prol do PSB, que perigosamente namora os tucanos, o PT cogita não só ceder a vez novamente em Belo Horizonte, mas também intervir nos diretórios de Recife e Fortaleza para indicar nomes mais palatáveis.
Para piorar, os voos solo da legenda _Nelson Pelegrino (Salvador), Fátima Cleide (Porto Velho) e até Fernando Haddad (São Paulo)_ por enquanto não empolgam.
Em muitas dessas praças, a arrancada é possível, senão provável. O empenho de Lula, a caneta de Dilma e o know-how petista em campanhas farão diferença em outubro.
Mas haverá outro "fator X", este adverso: o julgamento do mensalão ameaça pegar embalo justamente na reta final da eleição, drenando energias do comando do PT.

coluna de 09.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br