segunda-feira, 28 de maio de 2012

A defesa é o melhor ataque

Márcio Thomaz Bastos era o ministro da Justiça quando a Polícia Federal, a ele subordinada, concluiu em relatório, após meses de diligências e escutas, que Carlinhos Cachoeira comandava uma rede de políticos e arapongas a fim de fraudar contratos públicos e proteger casas clandestinas de jogo.

Hoje, MTB é advogado do bicheiro. Busca livrá-lo do inquérito da PF e conter seu eventual ímpeto de falar.

Márcio Thomaz Bastos era ministro da Justiça, também, quando pintou a versão de que o mensalão não passara de um caso corriqueiro de caixa dois eleitoral. A PF já coletava provas de que os mensaleiros drenaram os cofres públicos para comprar apoio político ao governo Lula. Houve dano ao erário (R$ 92 milhões do Banco do Brasil), e não mera manipulação de "recursos não contabilizados" de campanha.

Hoje, MTB advoga para o ex-diretor de um dos bancos que, segundo a PF, ajudou a esquentar o dinheiro desviado. Empenha-se para, no mínimo, adiar o julgamento no STF.

No tribunal e no Congresso, é generalizada a percepção de que o ex-ministro não cuida apenas do interesse de seus clientes, influindo sobre a estratégia de todos os réus do mensalão e do Cachoeiragate.

Tão enganadora quanto a discussão em torno da periodicidade do mensalão _se não foram mensais, os pagamentos "não existiram"_ é a atual ladainha em torno do _óbvio_ direito a defesa de Cachoeira, Dirceu, Demóstenes, Delúbio & Cia.

A anomalia reside no papel dúbio de MTB. Lidera a polícia para, mais tarde, socorrer os incriminados. Numa hora, age para recuperar o dinheiro pilhado do governo; noutra, é a pessoa a receber parte dele na forma de honorários (só de Cachoeira, serão R$ 15 milhões).

O ex-ministro se diz movido por "desafios", deixando a Deus "julgamentos morais". Sua conduta, porém, desafia o bom senso e abala a crença na polícia "republicana".



coluna de 28.mai.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Nota paulista

A tímida largada de Fernando Haddad na capital pode induzir a uma avaliação errada sobre as possibilidades eleitorais do PT no Estado de São Paulo.
O partido montou sólida estratégia para tentar replicar nas prefeituras o apoio que costuma atrair nas campanhas a governador (de 30% a 35%). Hoje a legenda administra 68 dos 645 municípios paulistas _menos de 18% da população.
A primeira medida foi ampliar a presença da sigla no Estado. No dia da votação, em outubro, haverá diretórios petistas em 589 cidades, 184 a mais do que na ressaca das eleições de 2008. Comissões provisórias cuidarão de outras 52. Ou seja, em todo o Estado, apenas quatro municípios estão a descoberto.
A segunda medida foi lançar o máximo de candidatos próprios. Relatório entregue neste mês a Lula informa que já estão fechadas 311 chapas com o PT na cabeça. Projeta "alguma chance" de sucesso para 226 delas _e "muita" para 111.
O comando petista chegou a duas conclusões: a Presidência da República não será sua para sempre, ainda que outro mandato de Dilma pareça hoje ao alcance da mão, e a polarização com o PSDB está em vias de esgotamento -a campanha de reeleição de Geraldo Alckmin, em 2014, seria seu espasmo final.
Um novo adversário surgirá, talvez de dentro da atual coalizão federal _quem sabe o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Nesse novo cenário, será mais do que desejável ter o controle do segundo e quinto maiores Orçamentos do país: São Paulo e sua capital.
Daí a necessidade de Dilma esquecer a promessa de não envolvimento e viajar para posar ao lado de Haddad. Daí o empenho do PT em digerir o ex-rival Gilberto Kassab, resgatar parceiros de mensalão e dar visibilidade a novos nomes, como Haddad e o ministro Alexandre Padilha (Saúde). Como o passado, o futuro do PT é muito paulista.

coluna de 21.mai.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Papel transparente

Não convém subestimar a Lei de Acesso à Informação, em vigor a partir desta quarta-feira.
Seu significado vai muito além do bem-vindo sinal verde para entrar nos arquivos oficiais e reconstituir episódios conturbados do país.
Trata-se também de ferramenta poderosa para melhorar a gestão e desinfetar a administração pública.
O brasileiro agora terá o direito de fiscalizar todo e qualquer ato dos governos. As repartições _autarquias e estatais incluídas_ deverão fornecer os dados requisitados em no máximo 30 dias corridos. Compras, convênios, atas de reuniões, relatórios, folhas de pagamento: nada disso poderá ser ocultado.
O servidor que desobedecer ficará sujeito a sanção. Constatada má-fé, correrá risco de perder o emprego.
Nos poucos casos protegidos de revelação imediata (segurança nacional, vida privada, segredos industriais), o funcionário precisará encaminhar justificativa por escrito _argumentação a ser verificada por superiores e fadada, ela própria, a vir a público depois de certo tempo.
Corruptos, incompetentes e preguiçosos estarão expostos. O contribuinte poderá monitorar o caminho inteiro do dinheiro e comparar o serviço contratado com o prestado.
Muita gente, claro, resistirá e tentará evitar que a lei "pegue". Falta de tempo, infraestrutura, cultura: já dá para imaginar as desculpas.
Daí a importância de Dilma Rousseff liderar a construção desses novos protocolos de transparência. A presidente já ostenta marcas fortes: a política monetária, que forçou a queda rápida dos juros, e a "faxina" de ministros. Mas deixará um legado definitivo se der o exemplo e endossar a lei com convicção.
Poderia começar por abrir sua agenda em detalhes e deixar registro (para divulgação futura) de todas as reuniões, compromissos e contatos, obrigando os subalternos diretos a fazerem o mesmo. Quem tiver o que esconder vai correr.

coluna de 14.mai.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Vaza tudo!

Se os constrangedores diálogos coletados pela Polícia Federal não tivessem vindo a público, Demóstenes Torres estaria agora na vanguarda dos protestos contra a mudança na caderneta de poupança, posando de baluarte da retidão no Senado e na imprensa. A Delta continuaria a responder por obras superfaturadas e a ganhar contratos em troca de propina. Não saberíamos que Carlinhos Cachoeira contava com uma rede de arapon gas para destruir adversários.
Por isso é tão espantoso quanto revelador o desinteresse dos congressistas que dirigem a CPI do Cachoeira pelos áudios e transcrições das operações policiais. CPI que, paradoxalmente, só foi instalada devido à divulgação dos grampos.
O presidente Vital do Rêgo (PMDB-PB) e o relator Odair Cunha (PT-MG) manobram para limitar as revelações ao já revelado. Empenham-se em dificultar o acesso dos colegas à pequena parcela de documentos encaminhada pelo Judiciário quando deviam, além de facilitar essa consulta, batalhar para receber tudo o que a polícia recolheu.
Milhares de conversas não foram anexadas ao lote entregue à CPI. Não há quase nada, por exemplo, de um longo período de 2010. Justamente aquele em que a campanha presidencial pegava fogo.
Esse material está represado em algum degrau da pirâmide investigativa _Polícia Civil, PF, Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, Ministério da Justiça... Alguém anda negociando o vazamento a conta-gotas desse conteúdo. Ou o não vazamento em bloco.
Só a CPI tem poder para evitar uma grande armação. Claro, é necessário cuidado com os grampos. Nem sempre bastam como prova de ilicitude. Podem até arrastar terceiros indevidamente para o furacão. Mas, para fazer justiça e ao mesmo tempo impedir injustiças, é preciso conferir tudo o que sustenta o inquérito e tudo o que foi descartado.

coluna de 07.mai.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br