segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Tão longe e tão perto

É digna de nota a reação do governo à operação policial que desbaratou uma rede de corrupção em órgãos federais e identificou a chefe de gabinete de Dilma Rousseff em São Paulo como facilitadora e beneficiária das fraudes.
O Planalto rapidamente cuidou de espalhar que a presidente ficou aborrecida com as irregularidades e especialmente com o comportamento de Rosemary Noronha. Que a
chefe de gabinete tinha relações próximas com Lula e José Dirceu, mas não com Dilma e assessores, que a consideravam "problemática". Que Dilma quase nunca utiliza o escritório da Presidência em São Paulo.
Não se explicou, claro, por que então a presidente manteve Rosemary no cargo por dois anos e permitiu que os cúmplices dela dirigissem e dilapidassem as agências reguladoras. Nada se falou, também, sobre Dilma ter transformado o gabinete paulistano no bunker de onde avaliou as eleições municipais na companhia de Lula e de cardeais do PT.
A verdade é que a presidente opera, ao sabor das conveniências do momento, os botões da semelhança e da diferença com Lula.
Quando pinta no noticiário algo desabonador que remeta à gestão anterior, como o mensalão, ela faz questão de guardar distância. Quando a ocasião permite ou exige, ela não hesita em festejar o padrinho e se associar às conquistas sociais do período dele.
Assim, para toda crise há uma saída: na saúde, Dilma exalta o legado lulista; na doença, avisa estar indignada e mete bronca na faxina.
Essa estratégia de ação e comunicação tem funcionado. Quem gosta de Lula se sente representado. Quem não gosta, idem.
Por isso não surpreende que, pela primeira vez, o brasileiro se lembre mais de Dilma do que de Lula para a sucessão de 2014. Ela foi mencionada espontaneamente por 26% dos entrevistados pelo Ibope. Ele ficou com 19% das preferências.

coluna de 26.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Não anda

Dilma deixou o Congresso soltinho para discutir a distribuição dos royalties do petróleo e aprovar uma lei com dispositivos claramente inconstitucionais, que projeta longas batalhas na Justiça e ameaça o cronograma de leilões. Isso quando a Petrobras já tinha problemas mais que suficientes.
No setor elétrico, a opção foi pela truculência. Medida provisória mudou as regras radicalmente e exigiu adesão dos concessionários antes de definidos os critérios de remuneração. Nem todos, óbvio, toleraram a pancada. O impasse deverá forçar a reabertura de prazos e a revisão de termos. Dificilmente a presidente cumprirá a promessa de baixar em 20% a tarifa de luz em fevereiro.
A frustração com a licitação dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília nem o Planalto disfarça. Já no dia seguinte começou a estudar como reestruturar os consórcios que ganharam o direito de operar esses terminais. O plano de privatização de Galeão e Confins teve de ser colocado em banho-maria.
O governo reavalia seu modelo de concessão de rodovias. A cada semestre, ajusta o edital do trem-bala. Do pacote de mobilidade da Copa-2014, nem 10% saiu do papel.
Não espanta, daí, a baixa expectativa em torno do plano logístico para os portos, que em princípio seria anunciado amanhã. O mercado antecipa os embaços, as fragilidades técnicas, as incertezas jurídicas.
Dilma partiu de diagnósticos certos: os gargalos de infraestrutura precisam ser enfrentados e o quadro de depressão econômica reduz a resistência a mexidas regulatórias. Mas, não tendo até agora encaixado uma bola, ela corre risco de ficar carimbada como a presidente que não produz e não deixa produzir.
Não à toa, empresários fazem fila para conversar com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), num ensaio precipitado, antes de perspectivas eleitorais mais definidas, da busca de "alternativa de poder".

coluna de 12.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Vide bula

O PT tomará um banho de loja em São Paulo e lançará projetos dirigidos à nova classe média, impulsionado pela vitória de Fernando Haddad na capital e pelo diagnóstico de que, para conquistar o governo do Estado, é preciso ir além do discurso contra a pobreza.
De olho nessa fatia emergente do eleitorado, quatro petistas de São Paulo estão instalados em ministérios de projeção: Aloizio Mercadante (Educação), José Eduardo Cardozo (Justiça), Marta Suplicy (Cultura) e Alexandre Padilha (Saúde).
A disputa entre eles será _já é_ sangrenta. Mas a política vive fase curiosa, em que ser desconhecido virou vantagem. Lula animou-se com os "postes" que escolheu e elegeu. A bola "nova" da vez é Padilha, 41, e não os outros, veteranos.
O titular da Saúde, ao contrário de Dilma e Haddad, é petista de raiz. Milita desde adolescente e conhece bem o partido. No governo Lula, cuidou do mapa federativo, encarregado de ouvir e atender prefeitos. Imagine quantos galhos quebrou.
Outro trunfo dele é a hiperatividade. A Folha detalhou ontem o giro paulista do ministro nos finais de semana anteriores às eleições municipais. Em um só sábado, ele correu mil quilômetros e seis cidades. Não está a passeio.
No ministério, Padilha tem lançado programas em profusão: Rede Cegonha, SOS Emergência, Academias da Saúde, Melhor em Casa, Mamografia Móvel, IDSUS...
Trata-se de um portfólio de respeito, mas ainda de pouca visibilidade: a Saúde segue a área mais crítica e criticada do governo federal.
A verdade é que, enquanto Dilma não abraçar essa agenda e colocar a Presidência a serviço dela, a percepção popular não mudará _e a corrida de 2014 continuará aberta. Para lembrar: o PAC e sua "mãe" foram inventados três anos antes da eleição de Dilma e o "mauricinho" do ProUni foi avisado em 2009 que um dia seria candidato.

coluna de 05.nov.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br