quarta-feira, 30 de abril de 2008

Caldo Maggi

A alta dos preços vai aumentar a receita do produtor, não importa o tamanho da fazenda. Mas há agronegócios e agronegócios. As janelas de oportunidade não vão se abrir igualmente a todos. O dedo do governo fará diferença.
Alarmado com a escalada da inflação e pressionado pela comunidade internacional a fazer uma "reparação" à política de biocombustíveis, o Planalto encomendou à área técnica "medidas específicas".
Estuda-se: 1) ampliar o crédito à produção de alimentos de consumo popular; 2) renegociar parte da dívida ruralista; 3) criar incentivos ao plantio no exterior (África); 4) injetar verbas em pesquisa; 5) acelerar obras de infra-estrutura.
Não há como dizer que o cardápio foi montado só para ajudar este ou aquele setor. Mas o caráter "focalista" das medidas facilita a vida de quem já tem QG em Brasília (lobbies, advogados, parlamentares), planos prontos para cruzar o oceano, relações históricas com a Embrapa e projetos incluídos no PAC.
Os grandes produtores do Centro-Oeste, cujo símbolo é o governador Blairo Maggi (soja-MT), preenchem todos esses requisitos.
Ou seja, larga na frente a agricultura empresarial, que produz quase 65% da riqueza rural do país, e não a agricultura familiar, que produz mais de 65% do que comemos.
Não parece casual o novo discurso do governo Lula, de que, em momentos de comoção, perde sentido o "debate ideológico" sobre o modelo ideal de agronegócio.
***
Paul Collier, sub-reitor da universidade de Oxford e conceituado estudioso da pobreza, critica o "sentimentalismo" de quem defende as pequenas fazendas. Elas colhem pouco e demoram a incorporar tecnologias que permitiriam colher mais, diz. Para urgências de grande escala, o autor de "The Bottom Billion" pede solução de grande escala. Qual? "Replicar" na África a experiência de monocultura extensiva do cerrado brasileiro.

coluna de 30.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 26 de abril de 2008

Parente é serpente

No documento do PT que sacudiu o xadrez pré-eleitoral em Belo Horizonte, há um detalhe que faz muita diferença. A Executiva Nacional não desautorizou a parceria com o PSDB, não criticou a administração do PSDB nem estressou diferenças programáticas com o PSDB. As censuras foram além, todas explicitamente redigidas contra o próprio governador de Minas. O partido desautorizou a aliança com Aécio, criticou a administração de Aécio e estressou diferenças programáticas com Aécio.
O recado foi claro. Tanto faz se Aécio Neves estiver no PSDB ou no PMDB. Para o PT, ele é adversário.
A decisão da Executiva, portanto, não deve ser vista apenas como uma intervenção municipal. Significa, também, a reafirmação do desejo petista de encabeçar uma chapa à Presidência e um míssil contra quem se mexia para fazer de um peemedebista (Aécio convertido) o candidato número um do lulismo.
Não há sentido em analisar a política exclusivamente pelo prisma do duelo entre petistas e tucanos. O acotovelamento entre PT e PMDB, forçados ao convívio à sombra de Lula, tem produzido mais notícias.
A guinada serrista de Orestes Quércia, por exemplo. Os seguidos fracassos de tentativas de traduzir a parceria em alianças eleitorais neste ano (só vingaram em cinco capitais até aqui). A antecipação da campanha à presidência da Câmara _os interessados caçam voto no plenário a um ano de uma eleição em que supostamente já estava tudo acordado entre os dois partidos.
A lógica nada tem de sofisticada: dois corpos não ocupam o mesmo espaço e mesmo no governo Lula há limite para a criação de cargos.
Por que o PT encheria a bola de quem tomou diretorias da Petrobras, posições na Caixa, o controle da Eletrobrás e de Furnas e não dá mostras de que perdeu o apetite?
Por que o PMDB aceitaria endossar incondicionalmente os projetos de um aliado que o tempo todo anuncia e se engaja em vôos solos?

coluna de 26.abr.2008

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quarta-feira, 23 de abril de 2008

As sandálias do ministro

Patrus Ananias fez um dos movimentos mais intrigantes da política neste ano. Estivesse de fato interessado no governo de Minas, o ministro do Desenvolvimento Social não teria recolhido as asas. Disputaria Belo Horizonte e implodiria a aliança com o PSDB que praticamente sela o prefeito Fernando Pimentel como o nome petista à sucessão de Aécio Neves.
Das duas, uma. Ou Patrus se cansou, e vai preferir os confortos do Senado para encerrar a trajetória pública, ou decidiu se guardar para outra eleição, a mais importante.
O PT tem três opções para a Presidência _e só quem desconhece o PT acredita em uma quarta (aceitar ser vice de alguém). São elas: 1) carregar Dilma Rousseff até o fim; 2) criar um "fato novo" na última hora (Fernando Haddad?); 3) lançar mais adiante um candidato bem identificado com a história (e a máquina) do partido, mas capaz de fazer a ponte com a popularidade de Lula.
Patrus leva vantagem sobre Marta Suplicy e Tarso Genro, os outros credenciados a encabeçar esta última opção, mais "orgânica": foi ele quem pôs de pé o Bolsa Família, o grande ativo do governo federal.
É tolice descartar a força eleitoral do Bolsa Família só porque ela já foi empregada para reeleger Lula, em 2006. Os 11 milhões de famílias atendidas não sumiram. Seus títulos de eleitor continuam válidos.
Ademais, o programa receberá injeções de investimento: a extensão do benefício a jovens de 16 e 17 anos (eleitores...) e a formatação da primeira "porta de saída" oficial (contratação para obras do PAC).
Outra vantagem de Patrus é que ele oferece o melhor contraponto a Dilma. Se a sisudez e a cintura dura afundarem a pré-candidatura dela, será mais-do-que-natural o PT apelar para o ministro boa-praça de aspecto e hábitos franciscanos.
Na política, deve-se atentar para o que está colocado, mas nem sempre explícito. Por uma estratégia anti-Serra, o PT endossou o discurso antipaulista. Mas o presidente mineiro que o PT topa não é Aécio.

coluna de 23.abr.2008

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sábado, 19 de abril de 2008

Cone do silêncio

Como as curvas de concreto de Niemeyer ou os galhos retorcidos do cerrado, os cones abóbora-e-branco fazem parte do visual de Brasília. Toda semana o departamento de trânsito alinha os sinalizadores de plástico ao longo da Esplanada dos Ministérios para ordenar a passeata ou o comício.
O visitante deve achar que a cidade ferve, tantas as manifestações. Mas os residentes não dão pelota. Sabem que elas são como chuva de peneira do Nordeste. Passam rapidinho e não têm conseqüência. Hoje em dia, elas parecem acontecer só para justificar a existência de quem as realiza. Ou para fazer girar a grana que a "causa" arrecada.
Na quarta-feira, o MST tomou a sede da Caixa. Um ministro celebrou a "construção" da cidadania. Horas de megafone depois, o grupo se foi. Nem papel picado deixou.
No dia seguinte, o comando dos sem-terra estendeu a outros edifícios públicos a invasão-relâmpago. Registrado o "abril vermelho" pelos fotógrafos, a turma dispersou.
Alguns índios montaram e levantaram acampamento no gramado bem em frente ao Congresso no início da semana. Foi tudo tão rápido que não deu para anotar para quê.
Que pressão pode produzir um ato municipalista que é patrocinado pela União? Não à toa, a marcha de prefeitos acabou, anteontem, contente em aplaudir um etéreo "compromisso" do Planalto e do Congresso com o pacto federativo.
Mesmo protestos bem-sucedidos, como o da UnB, não geram comoção. Vibrar de que jeito, se a "transgressão" recebeu o apoio unânime das autoridades? É sintomático que os alunos tenham encerrado ontem a ocupação da reitoria com uma faxina. "Faz de conta que não estivemos aqui", parecem querer dizer.
A inclusão das manifestações de rua na rotina da capital da República é uma conquista democrática. Já o roteiro protocolar e a atuação tutelada são indicadores da agonia dos movimentos sociais.

coluna de 19.abr.2008

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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Dois patinhos na lagoa

Tende a zero a chance de o Congresso criar e aprovar algum projeto antes das eleições municipais, e não só pela habitual falta de iniciativa. É enorme a fila de medidas provisórias a trancar a pauta _e ninguém garante que o Planalto não vá aumentá-la. Há, também, o poder de atração das CPIs e da reforma tributária, a terapia ocupacional das duas Casas. Sem falar na participação de senadores e deputados na campanha eleitoral.
Nos últimos dias, porém, o Legislativo recebeu uma injeção de ânimo para produzir algo às pressas.
Foi avisado de que o governo federal, para acomodar o Orçamento pós-CPMF, fará cortes milionários em duas zonas de influência do Congresso: os projetos de ministérios alheios ao PAC (loteados entre partidos da base) e as obras bancadas por emendas parlamentares.
Para preservar seus interesses, portanto, os congressistas terão de ajudar o Executivo a recuperar ao menos parte da arrecadação.
Já há, inclusive, um esboço de discurso para essa "contribuição cívica". As deficiências históricas do atendimento público, os surtos de doenças infecto-contagiosas, a necessidade de encaminhar a emenda 29 (novos tetos de aplicações no setor): a Saúde precisa de socorro.
Na política, contudo, a fome e a vontade de comer se juntam quase sempre de um jeito pouco virtuoso.
Os espertalhões enxergaram a oportunidade de retomar a idéia de regulamentar os jogos de azar no país _ou, no caminho eufemístico escolhido, dar aos Estados autonomia para legislar sobre o tema.
O que parecia iniciativa isolada e inofensiva de deputados ligados aos bingueiros ganhou rapidamente o apoio de ministros e a promessa de empenho da liderança do PT.
Seus defensores estimam um aporte de quase R$ 10 bilhões anuais em impostos e contam com as "urgências" da Saúde para convencer o presidente da Câmara, o médico Arlindo Chinaglia. Bingo!

coluna de 16.abr.2008

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sábado, 12 de abril de 2008

Boa viagem

"Isso aqui é uma desgraceira", costuma dizer Lula. Daí o conselho dele a todo ministro: passar alguns dias da semana em outro lugar. Brasília, segundo o presidente, embota o olhar e drena o ânimo para a gestão e para a política.
A avaliação não é descabida. Brasília reúne muita gente interessante, mas poucas idéias que interessam. O debate é ensimesmado, reflexo tanto da polarização do jogo político como da falta de espaços urbanos de convivência acidental.
Viajar é preciso, portanto. O problema é o encaminhamento que o governo dá a esse diagnóstico.
Não se trata de reproduzir o discurso oposicionista contra a caravana do PAC. Se a repercussão é exagerada, já que em muitos casos ainda não há nada para inaugurar, a responsabilidade não é somente do Planalto, mas também de quem aceita a emboscada midiática.
Tampouco cabe condenar o recorde de visitas a outros países. O interesse brasileiro é cada vez mais internacional. Faz sentido Lula lá.
Vale a pena, porém, notar que o presidente que vive a escapulir da capital nem pensou em visitar as cidades do Nordeste arrebentadas pelas enchentes. Assim como não cogitou pisar em Jacarepaguá, em Campo Grande ou na Baixada Fluminense, focos dramáticos de dengue. Na Roraima dos arrozeiros, nunca apareceu. Podia tirar a limpo ele mesmo as denúncias de trabalho escravo, mas deixar o palácio para se enfiar no interior do Pará?
Pelo jeito, o acidente da TAM estreou um protocolo _Lula, lembre-se, ignorou Porto Alegre e São Paulo e guardou silêncio por dias, convenientemente evitando possíveis protestos e a associação de seu governo à tragédia de Congonhas.
Criar uma agenda positiva não é algo trivial na administração pública. Na economia, que depende de expectativas, ela vale ouro.
Mas Lula leva ao extremo a decisão de só sair na boa. Além de fugir de Brasília, mantém distância das outras desgraças da República.

coluna de 12.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 9 de abril de 2008

É o tchan

A geração nada espontânea da candidatura do petista Alessandro Molon no Rio ajudou a embaralhar a campanha em outras cidades nas quais a coalizão federal não produziu um nome de consenso. Ninguém mais acredita na promessa de neutralidade de Lula. Aliados que antes se viam pressionados à união nas paróquias agora correm, cada um por si, em busca da bênção do presidente.
Por isso não surpreende a decisão de ontem do PT de entregar todos os cargos que ocupava na prefeitura de João Henrique (PMDB) e lançar chapa própria em Salvador.
A capital baiana, aliás, tem hoje seis candidatos da aliança que garante o sono de Lula em Brasília.
O PMDB banca o projeto de reeleição de João Henrique. O PRB aposta na popularidade do comunicador Raimundo Varela. O PSB e o PC do B ensaiam vôo solo com Lídice da Matta e Olívia Santana. O PTB especula com o ex-prefeito Edvaldo Brito. E agora o PT, dividido entre os deputados Walter Pinheiro e Nelson Pelegrino.
À primeira vista, deixar que o cenário decante sozinho e aproveitar os múltiplos palanques não seriam opções ruins para Lula. Mas há circunstâncias que talvez o forcem a anabolizar rapidamente um nome.
Primeiro, ninguém da base entusiasma na largada. João Henrique é mal-avaliado; Varela tem piso alto e teto baixo; os petistas sempre foram rechaçados em Salvador; os demais dão traço nas pesquisas.
Segundo, o governador Jaques Wagner (PT) não parece talhado para conduzir um cenário tão diluído. Depois de falhar na tentativa de aglutinar as forças que gravitam em torno de seu governo, ventilou a idéia de bancar um tucano (!!!), o ex-prefeito Antonio Imbassahy.
Terceiro, ACM Neto desponta com chances boas. O líder do DEM suavizou o discurso não-perco-briga e desengomou o visual. Hoje, consegue não só representar o novo (e o anti) como também canalizar a saudade que a memória do avô desperta em parte do eleitorado.

coluna de 09.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 6 de abril de 2008

Muitas interrogações

Por que a Casa Civil só foi remexer no arquivo morto dos gastos secretos de FHC em fevereiro, quando o Congresso discutia a instalação de uma CPI para apurar despesas da Presidência de Lula?
Qual foi o objetivo das reuniões entre arquivistas e assessores de Dilma Rousseff entre 8 e 18 de fevereiro?
A que levantamento a ministra da Casa Civil se referia quando contou a empresários, no dia 20 do mesmo mês, que já tinha munição para que o governo "não apanhasse sozinho"?
Por que sua secretária-executiva, Erenice Guerra, não vem a público e nega que tenha ordenado a encomenda do dossiê?
Por que o Planalto não protestou quando detalhes do conteúdo do dossiê foram noticiados, em conta-gotas, nos dias anteriores à criação da CPI, quando interessava ao governo intimidar a oposição?
Por que agiu apenas após a revelação de que a Casa Civil formatou esse arquivo exclusivo sobre os tucanos?
Que funcionários têm acesso a ele?
Já que a divulgação de gastos sigilosos é crime, por que a Polícia Federal ainda não entrou no caso? Por que ela não poderia investigar a confecção do dossiê também?
São perguntas simples. As respostas poderiam ajudar a Casa Civil a se defender. O governo, porém, nega-se diariamente a fornecê-las.
Empenhado em poupar a "mãe do PAC", o Planalto até ontem usou intermediários para lançar versões que variam em tudo, menos na inconsistência. A entrada em cena da própria Dilma, que poderia marcar uma inflexão, não fez diferença. A ministra conseguiu a façanha de negar tudo e não descartar nada.
De novidade, tornou oficial a caça de araque ao "espião" ou "invasor" que, ao vazar trechos do dossiê, tornou pública a trincheira de contra-informação montada no palácio.
A estratégia de comunicação de Lula atolou-se de vez no jogo político. Abandonou o "ele não sabia" e agora oscila entre tergiversações e o "nada a declarar" da ditadura.

coluna de 05.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Bloquinho de papel

A moderação pública do apetite de Ciro Gomes intriga os adversários e começa a incomodar os colegas de PSB.
Ele oscila entre 20% e 32% na intenção de voto para a Presidência. Nos seis cenários divulgados pelo Datafolha, iria ao segundo turno.
A números tão expressivos, porém, reage com cara de paisagem. Não só mantém a campanha congelada (não viaja o país para cimentar a posição nem pega carona em temas polêmicos na mídia) como ventila, aqui e acolá, a idéia de compor uma chapa na condição de vice.
Um certo resguardo era de esperar. Subir ao palco da sucessão agora implicaria se submeter dois anos antes ao tiroteio dos inimigos. Criaria, também, embaraços a um governo que não tem interesse em expor sua estratégia para 2010.
Mas daí a deixar vazar a hipótese de ser coadjuvante de Dilma Rousseff (ou qualquer outro petista) ou mesmo do tucano Aécio Neves?
Há três explicações na praça.
Uma diz que o deputado cearense, escolado pelas duas derrotas anteriores, age com pragmatismo. Vai pular no projeto mais viável, mesmo que isso custe a cabeça da chapa.
Outra, que ele dissimula. Dá a entender que pode ser vice de oposicionista só para aumentar as chances de sair em nome de Lula.
Pela terceira explicação, o "recolhimento" é um gesto de defesa.
A largada das campanhas municipais mostra que o compromisso do presidente e do PT com o "bloquinho" (PSB, PDT e PC do B) não vai além das fronteiras do Congresso.
No Rio, por exemplo, Lula preferiu fechar com uma ala do PMDB que ele próprio chama de fisiológica e chantagista. Em vez de engordar o tempo de TV e a militância de Jandira Feghali (PC do B), vice-líder nas pesquisas, lançou um jovem petista que hoje dá traço.
Quem garante a Ciro que Lula não repetirá a dose em 2010? Já há até um candidato a Alessandro Molon nacional: o ministro-bonitão Fernando Haddad (Educação).

coluna de 02.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br