sábado, 19 de abril de 2008

Cone do silêncio

Como as curvas de concreto de Niemeyer ou os galhos retorcidos do cerrado, os cones abóbora-e-branco fazem parte do visual de Brasília. Toda semana o departamento de trânsito alinha os sinalizadores de plástico ao longo da Esplanada dos Ministérios para ordenar a passeata ou o comício.
O visitante deve achar que a cidade ferve, tantas as manifestações. Mas os residentes não dão pelota. Sabem que elas são como chuva de peneira do Nordeste. Passam rapidinho e não têm conseqüência. Hoje em dia, elas parecem acontecer só para justificar a existência de quem as realiza. Ou para fazer girar a grana que a "causa" arrecada.
Na quarta-feira, o MST tomou a sede da Caixa. Um ministro celebrou a "construção" da cidadania. Horas de megafone depois, o grupo se foi. Nem papel picado deixou.
No dia seguinte, o comando dos sem-terra estendeu a outros edifícios públicos a invasão-relâmpago. Registrado o "abril vermelho" pelos fotógrafos, a turma dispersou.
Alguns índios montaram e levantaram acampamento no gramado bem em frente ao Congresso no início da semana. Foi tudo tão rápido que não deu para anotar para quê.
Que pressão pode produzir um ato municipalista que é patrocinado pela União? Não à toa, a marcha de prefeitos acabou, anteontem, contente em aplaudir um etéreo "compromisso" do Planalto e do Congresso com o pacto federativo.
Mesmo protestos bem-sucedidos, como o da UnB, não geram comoção. Vibrar de que jeito, se a "transgressão" recebeu o apoio unânime das autoridades? É sintomático que os alunos tenham encerrado ontem a ocupação da reitoria com uma faxina. "Faz de conta que não estivemos aqui", parecem querer dizer.
A inclusão das manifestações de rua na rotina da capital da República é uma conquista democrática. Já o roteiro protocolar e a atuação tutelada são indicadores da agonia dos movimentos sociais.

coluna de 19.abr.2008

mfilho@folhasp.com.br

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