quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Bola da vez

Tão logo começa a partida não sobra traço de organização. Com exceção dos goleiros, todos se lançam sobre a bola. Pobre do pai, bedel ou professor que tenta mediar o recreio. A disciplina tática não tem vez. Não resiste à fome da criança, à gana de dar a bicuda (ou a reladinha que seja) que mova o amontoado em alguma direção.
Sem querer, Walfrido dos Mares Guia meteu-se num jogo desses.
Foi a Polícia Federal soar o apito que todos correram à cabeça do ministro. Os políticos que andavam à margem das negociações com o Executivo, por despeito; os demais, em obediência à regra do esporte que, com ou sem Dunga, manda tomar o espaço do rival no campo.
O PT, por exemplo, tenta despachar a bola para longe. Sonha retomar a articulação política _embora desconfie de que o Planalto iria escolher um José Múcio (PTB-PE) da vida para preservar a coalizão.
A oposição mira a arquibancada, doida para carimbar o governo com outro escândalo ministerial.
A novidade é que, circunstancialmente, petistas e tucanos estão no mesmo time, unidos contra o aprofundamento das investigações da perna mineira do valerioduto.
De diferentes formas, pressionam o presidente, um árbitro hesitante e contemporizador, a mostrar o cartão vermelho uma vez aprovada a CPMF na Câmara.
Lula considera Silas Rondeau um injustiçado. Mas quem estudou a rodada anterior, no caso a Operação Navalha, constatou que as falcatruas no Luz para Todos deixaram de interessar assim que a guilhotina desceu no gogó do ministro. Ou notou que a estrutura e os negócios da pasta não precisaram sofrer modificação nenhuma.
Walfrido corre grande risco, independentemente do conteúdo da denúncia do procurador-geral. Enquanto ele continuar no cargo, o campeonato não acaba, e Brasília percebeu que a imprensa também joga futebol como as crianças.

coluna de 26.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 22 de setembro de 2007

Qual é o doce mais doce?

Há duas dúvidas sobre o desfecho da novela da CPMF no Congresso. A primeira, menos relevante, é se Renan Calheiros conseguirá se firmar como articulador da renovação do imposto do cheque. A segunda, essa de interesse público, diz respeito às contrapartidas do governo para arrancar a aprovação até o final do ano.
O toma-lá-dá-cá despudorado seria o caminho mais natural. A nomeação de Furnas, para destravar o encaminhamento do tributo na Câmara, mostra que não falta cara-de-pau a ambos os lados. Mas isso não deve bastar. Os partidos da base competem pelos mesmos postos.
Fala-se de novo em reforma tributária, na desoneração das folhas de pagamento privadas. Ninguém põe fé. A era das grandes reformas não veio e pelo jeito não virá.
Um recuo mais incisivo parece fora de questão. Reduzir já a alíquota enfartaria a Fazenda, reabriria as contas da Previdência e sabotaria projetos e urgências da Saúde. Fazê-lo depois de 2010 seria um casuísmo exageradamente pró-Lula.
Ninguém imaginou, também, um doce que sozinho agrade a todos os governadores, influentes cabos eleitorais. Remeter a arrecadação da Cide, por exemplo, serviria para Minas Gerais, mas não para o Amazonas, que tem poucas estradas.
No final, deve rolar de tudo um tico.
Essa grande feira livre, contudo, aumenta o risco de a saúde, justo ela, acabar de fora da equação.
Uma saída, já ventilada, seria ampliar o percentual da CPMF de fato repassado ao setor. Usar parte dos 18% (ou tudo!) que o Tesouro hoje toma para alargar o superávit.
Melhor ainda seria se esse dinheiro fosse gerido pelos Estados, que (mal)tratam os pacientes _mas desde que parem de rubricar qualquer gasto como despesa de saúde.
Por fim, seria esperto prorrogar o imposto só até 2009. O Executivo não poderia descumprir a sua parte, como fez em outras vezes, por conta da ameaça de atolar no Congresso em um ano pré-eleitoral.

coluna de 21.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Zerocameralismo

O fiasco do Renangate reabriu a inoportuna discussão sobre um Legislativo unicameral. Com uma franqueza rara no partido, o deputado pernambucano Fernando Ferro resumiu: "O PT tinha a proposta de acabar com o Senado, mas os próprios senadores resolveram nos tomar a bandeira".
A extinção da Casa, além de livrar o país da malta que salvou a pele de Renan Calheiros, economizaria recursos públicos, desburocratizaria ações de governo e aceleraria a tramitação de novas leis e projetos.
Teríamos um Congresso mais expedito e antenado, afirmam os advogados dessa idéia, alheios ao fato (ou conscientes dele) de que é justamente o "embaço" que torna hoje o Senado vital para a República.
Por méritos e deméritos do governo Lula, o jogo entre os Poderes está a cada dia menos equilibrado.
O Executivo tem tudo: o microfone, o Orçamento, os cargos e um arreio da atividade congressual (as medidas provisórias). Ao Legislativo restam as migalhas do debate e da ação política _e uma CPI aqui e ali.
O bicameralismo, ainda que de modo torto, conspira contra esse acomodamento. Obriga o Planalto a suar, a ceder, a negociar em duas frentes. Contribui para que cada votação exija uma construção particular _como agora na CPMF.
Não se trata de fazer uma ode ao imobilismo. Um novo pacto federativo, com mais força aos Estados e novas atribuições ao Congresso, seria bem-vindo. Uma divisão de trabalho entre as Casas poderia ser pensada. Há, ainda, a distorção representativa na Câmara, que ignora o princípio "um homem, um voto" (que o voto distrital resolveria). Mas são medidas que melhoram a instituição, e não a condenam.
O mensalão e o Renangate foram um baque. Reduziram a defesa do Legislativo a uma questão de fé. Pois talvez seja hora de exercê-la.
A eliminação do Senado só interessa àqueles que, embora falem na construção democrática, movem-se com o propósito de solapá-la.

coluna de 19.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Quarta-feira gorda

Ministros, congressistas e lobistas apresentam-se às repartições na terça-feira, acertam as contas no dia seguinte e embarcam na quinta de volta às bases, o que quer que elas signifiquem.
Na segunda e na sexta, escritórios e entornos operam em marcha lenta, a cargo de apadrinhados políticos e funcionários de carreira.
Aos sábados e domingos, a esplanada vira um parque fantasma. Os prédios fecham. As quadras hibernam. Da prancheta de Niemeyer, resta a planície de asfalto, seca e ensolarada, à espera de Mad Max.
Não demora para entender por que, nas noites de quarta-feira, até churrascaria rodízio é invadida por mulheres bonitas em trajes sumários. Restaurantes, comércio, hotéis, aeroporto, as ruas, tudo aqui obedece a esse biorritmo insólito.
Por que a política fugiria à regra?
Nos fins de semana, a imprensa lançava mísseis: Renan Calheiros caiu em grampos da Navalha, intercedeu por empreiteiras, teve contas pagas por lobista de construtora, divulgou notas frias e lucros fictícios, meteu-se com a família em trambique no ramo de bebidas, ocultou dinheiro da Receita, usou laranjas para comprar rádios etc.
A cada segunda-feira pós-denúncia, vinha a conclusão, lógica e acabada: agora o homem se lascou.
No entanto, toda terça, a máquina brasiliense engrenava. (Re)construía alianças, empastelava investigações, exercitava o toma-lá-dá-cá. Até o Tuminha cavou emprego!
Chegava a quinta-feira, o senador estava de novo de pé, pronto para o round seguinte de denúncias.
A dinâmica se repetiu nesta semana, a 16ª do calvário renanzista. O Senado, que saiu do domingo com promessas de cassação em atenção à opinião pública, cedeu aos encantos de Sarney e à enquadrada do Planalto. É sintomático que tenha liqüidado o assunto numa quarta-feira, o dia da farra na capital.
A semana em Brasília é mais curta, mas seu estrago vai longe.


coluna de 17.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A quebradeira de decoro

As perícias da polícia não foram conclusivas. Não surgiram provas de negócios escusos com o lobista da construtora. Quanto ao favorecimento a uma cervejaria, as apurações implicam mais o irmão deputado. O uso de laranjas na compra e venda de rádios e jornal? Ainda que os indícios pareçam robustos, as investigações pouco avançaram, em virtude da prioridade dada à denúncia original. Tudo o que há sobre a quarta suspeita, de propina em ministérios, é um depoimento do ano passado.
Formalistas e interesseiros já têm esse discurso engatilhado para tentar virar o jogo, protegidos pelo voto secreto e pelo debate fechado no plenário. O ônus é de quem acusa, eles afirmam, alheios ao parecer devastador do Conselho de Ética, que aponta oito irregularidades.
Falta à tropa de choque, porém, elaborar uma justificativa para os pecados que Renan Calheiros cometeu uma vez na berlinda.
Não se trata aqui dos erros táticos do senador (forneceu os documentos que, desconstruídos e desmoralizados, voltaram-se contra ele). Mas da constatação do uso acintoso e desmedido que fez da presidência da Casa para se defender.
Antes reconhecido e mesmo elogiado como um político apaziguador, Renan vergou o Congresso.
Arbitrou ele mesmo os apartes e contestações às explicações que produzia à medida que os processos se avolumavam.
Escalou e tutelou o Conselho de Ética enquanto pôde.
Pôs a secretária para revisar registros taquigráficos de depoimentos.
Patrocinou a idéia de uma CPI para intimidar a imprensa.
Ameaçou colegas com o discurso eu-sei-o-que-você-fez-no-verão-passado.
Ocultou os empréstimos que, reconheceria mais tarde, bancaram as mesadas de Mônica Veloso.
Chamou de "gestante" a mãe da filha _e esta, de "criança".
Por três longuíssimos meses, quebrou não só o seu decoro mas o de todos os senadores, a quem hoje cabe decidir se ele vale o troco.

coluna de 12.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 9 de setembro de 2007

Polícia montada

Convencido de que a visibilidade ajudaria a melhorar a reputação e a infra-estrutura da corporação, mas ciente das ciumeiras internas, Paulo Lacerda teve a sensatez de permitir que muitos aproveitassem o embalo midiático.
Em vez de tratorar, deu corda aos grupelhos que se acotovelam dentro da Polícia Federal. Repassou mais responsabilidades aos superintendentes regionais e ampliou a autonomia e o orçamento da área de inteligência.
Deu certo. A competição entre delegados por notoriedade aos poucos virou corrida por resultados.
A polícia não chegou a justificar a imagem de hipereficiência trombeteada pelo governo. Não descobriu a "origem do dinheiro". Não explicou direito as conexões no caso Palocci x caseiro. Muitas vezes não produziu provas que segurassem na cadeia os alvos das operações espetaculosas.
Mas é inegável que sua produtividade e popularidade aumentaram. Lula citava a "PF republicana" sempre que o acusavam de leniência com corruptos e aloprados.
A descentralização operacional, porém, aos poucos gerou desgostos ao Planalto. Foi ela que permitiu a divulgação da foto do butim do dossiê. Ou que fossem pilhadas pessoas próximas ao presidente, como o churrasqueiro, o segurança, o marido da secretária e até o irmão. Ou que se produzisse uma operação superior, em custo, ao que fora desviado pelos amigos de Vavá.
Sem o grilo-falante de Márcio Thomaz Bastos, Lula acabou refugando. E o novo ministro da Justiça, Tarso Genro, alienado de tantas decisões, aproveitou a deixa.
Nesse sentido, a degola de Lacerda vai além da anunciada intenção de evitar vazamentos ou a humilhação de presos em flagrante.
Sem a publicação de escutas, sem as intrigas nos jornais, sem a companhia de César Tralli, a PF retorna aos subterrâneos.
Assume o risco, devidamente calculado pelo governo, de virar outra Abin, um serviço secreto a serviço dos segredos.

coluna de 08.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Turno e returno

Poucas discussões são tão ociosas como a que versa sobre supostas divergências entre Lula e seu partido em torno da sucessão. Nenhum dos atores que se assanham para 2010 acha que o PT abrirá mão de encabeçar chapa.
Primeiro porque política, como diriam Jean-Claude Van Damme e Renan Calheiros, é "retroceder nunca, render-se jamais". Não se entrega espaço de mão beijada.
Segundo, o petismo não sofreu revés nas urnas que justifique um recuo tático. Pelo contrário, 2006 confirmou um eleitorado fiel.
Terceiro, o PT não haveria de prescindir da candidatura que funciona como propulsora para outras (Estados e Congresso).
Quarto, é conveniente ao Planalto incluir um concorrente integralmente comprometido com os trunfos (e trastes) dos dois mandatos.
Por fim, quanto mais palanques, melhor para Lula. Por que ele dispensaria o benefício de receber, catalogar e agradecer elogios?
A disputa entre aliados no primeiro turno já está "contratada".
Houve até um ensaio, no ano passado em Pernambuco, e o governo saiu inteiro dele. O PT lançou o ex-ministro Humberto Costa contra Eduardo Campos, do lulista PSB. Perdeu e fez as pazes, bonitinho, no segundo turno.
Para Lula e o PT, mais inquietantes são as dificuldades de composição em um tira-teima contra a oposição em 2010.
Sabem que a militância petista não engole Ciro Gomes, do PSB, o primeiro a colocar o bloquinho na rua. As opções no PMDB são tão ou mais indigestas.
O debate cascateiro sobre um candidato único procura aparar essas arestas. Mira o único cenário em que Lula de fato seria derrotado.
Até porque o inimigo já percebeu esse dilema. O apoio decisivo dos tucanos na vitória de Arlindo Chinaglia na Câmara, a trégua na Assembléia paulista em que até petista vota para engavetar CPIs, a revoada de ministros sobre São Paulo _aos poucos tudo ganha sentido.

coluna de 05.set.2007

mfilho@folhasp.com.br

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

PT e saudações

O PT sempre lidou com a realidade de modo dualista e terminante. Sua história pode ser representada por uma seqüência de discursos "nós x eles": esclarecidos x alienados, éticos x corruptos e, agora, pobres x ricos.
Nada melhor, para um partido com essa vocação, do que o cenário político atual, demarcado entre lulistas (ou adesistas e mensaleiros) e oposicionistas (ou golpistas e cansados), sem meio-termo, certo?
Errado. Se as coisas se simplificaram no campo dos signos, no que diz respeito à atuação palaciana elas ficaram bem mais complexas.
Queiram ou não os petistas, Lula abraçou a coalizão. O partido, cuja direção se confundiu com o núcleo-duro do governo no primeiro mandato, hoje é só um dos dois pilares da base _o outro sendo o PMDB.
Ainda que heterogênea, a aliança está longe de registrar fissuras. Enquanto o presidente for popular, dificilmente alguém pula do barco. As eleições municipais de 2008 tendem a causar no máximo arranhões.
Para piorar, interlocutores de outros partidos é que negociam hoje em nome do Planalto. Walfrido dos Mares Guia, ministro da articulação, e José Múcio, líder de Lula na Câmara, são do PTB; Roseana Sarney, líder no Senado, do PMDB.
A abordagem adotada pelo PT no primeiro mandato não dá mais pé. Se já é raro Lula chancelar o que pleiteia a bancada como um todo, que dirá o que for encaminhado separadamente pelas distintas alas.
A nova situação, em suma, exige do partido uma coesão inédita.
Em razão disso, antes mesmo da publicação na Folha das indiscrições do ministro Lewandowski, já estava tudo engatilhado para que o congresso do PT adiasse o aguardado tira-teima entre as correntes.
O discurso único de negar o mensalão não é útil apenas para atiçar a militância, proteger Lula ou enfrentar o espelho. Ao reafirmar o "nós x eles" velho de guerra, ele serve também, circunstancialmente, aos projetos varejistas de todos no partido.

coluna de 01.set.2007

mfilho@folhasp.com.br