segunda-feira, 12 de abril de 2010

Estado de ânimo

Possivelmente "nunca neste país" um programa do governo federal foi desconstruído e questionado como o PAC. E justamente por isso a "prateleira de obras" não é de todo irrelevante.
No conteúdo e na execução, o PAC pouco se distingue de outras ferramentas de gestão, como o Avança Brasil dos tucanos. A diferença está na força da propaganda.
De tão martelada, a sigla transformou seu autor em refém. Não há mais como o Planalto descartá-la.
Daí a atenção da imprensa também. No mês passado, a Folha noticiou que: 1) a Casa Civil oculta informações de 94% do PAC 1 e maquia o ritmo dos 6% restantes; 2) três em cada quatro obras detalhadas até aqui nos balanços não foram concluídas no prazo original; 3) dos principais projetos do PAC 2, 64% não passam de reciclagem do que encalhou no PAC 1.
Esses dados não só expõem a falibilidade da ontem "gerentona" e hoje candidata à Presidência, mas ajudam o poder público _e o público_ a lembrar que governar não é a moleza prometida pelo marketing.
Todo governante toma posse pressionado pelos compromissos que assumiu durante a campanha eleitoral e pelos problemas que lhe serão apresentados. Sua ordem é agir _e rápido. O regramento, porém, está todo formatado para impedir arroubos: leis de licitação, licenciamentos ambientais etc.
Além disso, o político que assume o Executivo tem uma vida útil de quatro anos _oito, se bem-sucedido. Já o servidor tem 30 anos de estabilidade até a aposentadoria. O sentido de urgência de um não move o outro. Para a burocracia estatal, o eleito está só de passagem.
Ao prometer com ênfase o que não conseguiu entregar, o PAC colocou em pauta a questão da (in)eficiência no manejo das contas públicas. "O Brasil pode mais", "Por um Estado melhor", os slogans da eleição de 2010 já se delineiam. Isso é bom. Culpa (mérito?) de Dilma ou do marqueteiro do PT, tanto faz.

coluna de 04.abr.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br

A guerra de Erenice

O pai de Erenice Guerra foi um dos pioneiros da construção de Brasília. No final dos anos 50, resolveu deixar o Ceará. A viagem durou dois meses _de caminhão, de lombo de jegue e a pé.
O pedreiro instalou a família numa tenda do Exército e arrumou trabalho na obra do Palácio da Alvorada. O prédio foi a primeira inauguração da nova capital. Hoje, é a casa do presidente da República.
Décadas depois, a filha recebeu o convite de Lula para conhecer o edifício que o pai ajudou a erguer. Não conteve o choro na visita.
Poucos conhecem esse e outros episódios da vida da advogada que hoje substitui a amiga Dilma Rousseff no Ministério da Casa Civil.
Erenice, 51, não gosta de aparecer nem de falar de si. Fez carreira no serviço público longe do público. Foi só a dois ou três eventos do governo Lula. Não posou para fotos. Não deu uma única declaração à imprensa, nem quando a Folha noticiou seu envolvimento em escândalos do segundo mandato (dossiê FHC e caso Lina Vieira/Receita).
Os mais próximos dizem que a discrição não é timidez nem cálculo, mas resultado da obsessão pelo trabalho que a nova ministra traz de longe: aos 18 anos, quando morava na cidade-satélite do Guará, Erenice já estava casada, era mãe, cursava faculdade de direito, participava de ações sociais da Igreja Católica e ensaiava os primeiros passos na militância política (levava de bicicleta os filhos às reuniões que viriam a instalar o diretório do PT, ao qual filiou a mãe e o marido).
Após se formar, Erenice passou pela Eletronorte, pelo governo distrital e pelo Congresso até que encontrou Dilma. O PT estudava como tirar proveito político do apagão do governo FHC e chamou as iniciadas em energia _uma, na área técnica; outra, na jurídica. A parceria nasceu ali, Erenice confortada em conhecer outra mulher obstinada pelo trabalho e avessa a lamúrias. "Quem quer faz, não manda fazer", virou o mantra das duas.

coluna de 01.abr.2010


melchiades.filho@grupofolha.com.br