segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Questão de decoro

Para uma presidente que busca ser vista como decidida, impressiona a hesitação de Dilma em assumir posições públicas.
Não se trata só da escassez de entrevistas, mas de desapreço geral por justificar medidas, defender políticas e sustentar pontos de vista.
Os exemplos se acumulam neste início de ano, bem no momento em que os elevados índices de aprovação permitiriam ao governo enveredar por uma trilha de afirmação.
Soube-se que Dilma considerou "barbárie" a operação policial que tirou 6.000 pessoas de casa em São José dos Campos. A indignação, porém, ficou intramuros. A presidente até esteve em São Paulo, mas para sorrir diante das câmeras ao lado do neoaliado Gilberto Kassab.
Ela não fala sobre as violações aos direitos humanos em Cuba, que visitará amanhã _segundo o chanceler, o tema "não é emergencial".
Não fala sobre os integrantes ou a vocação da Comissão da Verdade, à espera de instalação para pesquisar crimes cometidos na ditadura.
Não fala sobre o projeto que limitaria as possibilidades de aborto legal, publicado pelo governo em silêncio e em silêncio reescrito.
Por que houve mudança nas cúpulas da Petrobras e do Banco do Brasil? Por que não saíram os diretores da Caixa envolvidos em fraudes zilionárias? E como Mário Negromonte ainda continua ministro das Cidades? Dilma não explica.
O porta-voz mudou, mas a estrutura de comunicação do Planalto permanece montada para não comunicar. Oficialmente, do palácio saem apenas platitudes e propaganda. Os ministros se pelam de medo de falar, isso quando têm noção do que se passa pela cabeça da chefe.
O contraponto radical ao antecessor loquaz compromete o desejo dilmista de servir de inspiração às brasileiras. Atola a administração em boatos tolos e informações inexatas, empobrece o debate público e sugere uma certa covardia.

coluna de 30.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Dedo opositor

O confronto entre PM e moradores, ontem no Vale do Paraíba, desafia a atitude algo acomodatícia do PT em relação ao governo Alckmin _e outros adversários.
Se virou lugar-comum dizer que os tucanos, acuados pela popularidade de Lula e Dilma, desistiram do embate político, é fato que, onde poderia ou deveria fazer oposição, o PT anda pouco belicoso também.
Cálculo e cautela imperam no partido que se formou na estridência. A prioridade é o "projeto nacional": preservar ou ampliar a coalizão que "dá governabilidade" a Dilma, replicando-a onde possível.
Assim, por ordem expressa de Lula, a legenda discute aliança com Gilberto Kassab (PSD), depois de anos de recriminações à gestão "higienista" do prefeito de São Paulo.
Assim, no Estado, o PT passou a modular as críticas ao governador, tão paparicado pela presidente. Interessa não fechar as portas ao voto Dilmalckmin daqui a dois anos?
Logo após o vexame na eleição de 2010 em Minas, a sigla prometeu buscar a Prefeitura de Belo Horizonte. Agora, fala em renovar o pacto de não-agressão com o PSDB.
Em Alagoas, grampos da polícia indicam que tucanos desviaram dinheiro público para quitar despesas eleitorais. Mesmo assim, nada de o petismo se mexer para destituir o governador Teotonio Vilela Filho.
Tome-se o caso do Rio. Não existe no país quem privatize tantos serviços públicos quanto o PMDB local. O PT não só se cala. Para não melindrar o parceiro nacional, cometerá o gesto inédito de abdicar da eleição à prefeitura da capital.
Isso sem falar da famosa intervenção no diretório maranhense, a fim de proteger a família Sarney.
Os recuos são, claro, táticos. Aqui e ali o PT ainda bate firme. A campanha municipal acirrará ânimos e delimitará campos. Mas tudo no partido está hoje programado para esfriar o noticiário. O problema é que notícia não se programa.

coluna de 23.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Deu o cano

O governo já reconheceu que o PAC não contribuiu para o crescimento da economia em 2011, porém ainda deve uma autocrítica sobre o fracasso dos programas federais de saneamento básico no primeiro ano de Dilma.
O balanço final e detalhado não foi divulgado, mas, até dezembro, a execução do Orçamento apontava estagnação, senão queda nos gastos em obras de água e esgoto.
Projetos para pequenos municípios foram selecionados só na virada para 2012. E, justamente nas cidades de até 5.000 habitantes, o quadro assusta mais: 70% das casas têm problemas de água, esgoto e/ou lixo.
No país todo, 45% dos domicílios continuam fora da rede de esgoto. Um terço da população não tem banheiro ou usa instalações precárias do ponto de vista sanitário. A escalada da dengue não é casual.
Além de reduzir diretamente o deficit social, ação mais enérgica do Planalto inibiria o jogo de empurra entre Estados e municípios _que resulta em inação, quando não alimenta esquemas de corrupção e arrecadação eleitoral paralela. O setor de habitação popular, em expansão, é prova desse efeito virtuoso.
Se soa pouco atraente à política ("obra subterrânea não dá voto"), o saneamento traz impactos positivos à economia. É ânimo na veia da construção civil, que rateou em 2011. Um governo decidido a criar demandas para aquecer o mercado interno deveria saber disso.
Entretanto, ocupada em driblar denúncias de desvios e má gestão nas repartições responsáveis, a Presidência limita-se a anunciar novas etapas do PAC _sem ter conseguido equacionar as várias anteriores.
O BNDES, por exemplo, avisou que injetará R$ 23 bilhões em grandes obras de infraestrutura neste ano. Para o saneamento? Nada extra.
Neste caso, a "faxina" nos ministérios é lateral. Falta um plano mais ambicioso e comprometido para universalizar esse serviço essencial.

coluna de 16.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Chapa fria

Mesmo ocupando no governo Dilma mais espaços do que na era Lula, o PT tem dificuldades para converter a dominância no plano federal em resultado semelhante nas eleições municipais.
O partido larga o ano em posição pouco confortável nas 26 capitais. Não detém favoritismo absoluto nem nas sete que administra hoje.
A falta de nomes fortes é uma das razões. A mobilização dos aliados é outra. Eles sabem que as prefeituras são vitais para eleger deputados e se manter no jogo em Brasília.
Por isso o PMDB prepara candidaturas próprias em 22 capitais _os confrontos diretos com o PT devem dobrar em relação a 2008. Por isso também o PSD, embora louco para aderir, ficará no campo oposto ao do PT em boa parte dessas cidades.
A preocupação em preservar a coalizão de Dilma freia o ímpeto dos petistas. Em Curitiba, podem selar apoio a Gustavo Fruet (PDT); em Vitória, a Paulo Hartung (PMDB). Em Porto Alegre, apesar de terem lançado candidato, sofrem pressão para recuar e endossar José Fortunati (PDT) ou Manuela D'Ávila (PC do B). No Rio, já decidiram ceder ao PMDB: pela primeira vez não terão cabeça de chapa à prefeitura.
Em prol do PSB, que perigosamente namora os tucanos, o PT cogita não só ceder a vez novamente em Belo Horizonte, mas também intervir nos diretórios de Recife e Fortaleza para indicar nomes mais palatáveis.
Para piorar, os voos solo da legenda _Nelson Pelegrino (Salvador), Fátima Cleide (Porto Velho) e até Fernando Haddad (São Paulo)_ por enquanto não empolgam.
Em muitas dessas praças, a arrancada é possível, senão provável. O empenho de Lula, a caneta de Dilma e o know-how petista em campanhas farão diferença em outubro.
Mas haverá outro "fator X", este adverso: o julgamento do mensalão ameaça pegar embalo justamente na reta final da eleição, drenando energias do comando do PT.

coluna de 09.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br

Mensalinho

Viraram a casaca os dois tucanos que, no passado, mais aguerridamente investigaram e denunciaram o esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio político ao governo Lula.
Gustavo Fruet bandeou-se para o PDT. Neste ano sairá candidato a prefeito de Curitiba, como "peão" no jogo do PT para desbancar o PSDB do poder no Paraná _o movimento seguinte será o lançamento da ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) ao governo em 2014.
Eduardo Paes, que em 2005 chamou Lula de "chefe da quadrilha", pediu desculpas, migrou para o PMDB e virou prefeito do Rio. Tem agora o respaldo do PT para se reeleger e comandar a festa (e os "preparativos") da Olimpíada de 2016.
Outro garoto-propaganda das CPIs nascidas do mensalão, ACM Neto (DEM-BA) por pouco não fechou com o PMDB e se juntou à base de Dilma no ano passado.
Seis anos atrás, Gastão Vieira (PMDB-MA) fazia parte da bancada não (tão) alinhada com o Planalto. Acusava Lula de "comprar partidos e cooptar deputados", em um "caso de corrupção sem paralelo" na história. Em setembro, foi premiado com o Ministério do Turismo.
Quem também virou ministro de Dilma foi Garibaldi Alves (PMDB-RN), que, à frente da CPI dos Bingos, acolhia sem pestanejar os pedidos da oposição para fustigar o presidente então enfraquecido.
Como peça de promotoria, o mensalão está mais forte do que nunca. Apesar dos ardis de alguns ministros e de personagens do bastidor, o julgamento deverá mesmo ocorrer neste ano no STF. Não surpreenderá se resultar em prisões. O inquérito é detalhado e devastador.
Do ponto de vista político, porém, o escândalo aos poucos esmaeceu. Perdeu a octanagem do "nunca antes neste país" e começa o ano novo sem apelo no Congresso, vítima da força dos governos do PT e do adesismo de ocasião.

coluna de 02.jan.2012


melchiades.filho@grupofolha.com.br