segunda-feira, 25 de junho de 2012

Papeis do divórcio

Se Lula não tivesse saído em socorro de José Sarney e ajudado a esterilizar o escândalo dos atos secretos, a presidência do Senado teria caído nas mãos do PSDB em 2010, em plena campanha eleitoral. Imagine como a oposição teria explorado a denúncia de que o comitê dilmista produziu dossiê criminoso sobre o candidato tucano.

Não houvesse fechado acordo para reabilitar Fernando Collor, Lula enfrentaria, 20 anos depois do impeachment, dificuldades para achar outro nome disposto a se infiltrar na CPI do Cachoeira com o único propósito de atacar a imprensa.

Se o Planalto não tivesse disparado a ordem para abafar os múltiplos processos de corrupção e salvar o mandato de Renan Calheiros, provavelmente hoje o PMDB não estaria inteirinho na coalizão federal.

Todos esses movimentos tiveram propósito e sucesso. Na estratégia hegemonista de Lula, o custo de acolher ex-adversários é irrisório.

Até porque os abraços de Lula não raro sufocam. Vale lembrar que os sarneyzistas estão sendo aos poucos desalojados de seus redutos no setor elétrico federal, que o bunker collorido na Petrobras acaba de ser desmontado e que Renan está prestes a perder o comando da estatal de transporte de combustíveis.

Nada mais natural, portanto, que o ex-presidente não se incomode em afagar em público o ex-"sem vergonha" e ex-"trombadinha" Paulo Maluf, a fim de garantir 95 segundos a mais na propaganda diária de TV dos petistas em São Paulo. Nada mais natural, também, que ele não mostre nenhum pingo de arrependimento após a péssima repercussão _e até faça piada disso.

O episódio deixou claro, mais uma vez, que existe um divórcio entre a "realpolitik" e o eleitor, hoje entregue à apatia ou à aversão. Cabe esclarecer, porém, que esse divórcio interessou muito a Lula. Foi um trunfo para o PT, mais organizado e ligado ao Estado, crescer sozinho.



coluna de 26.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Não há amor em SP

A campanha eleitoral vai coincidir, em agosto, com o julgamento do mensalão. Prestes a ganhar munição extra para fustigar o adversário, o tucano José Serra celebra aliança com o PR de São Paulo, justamente o parceiro preferencial do PT no maior escândalo do governo Lula. Dá para entender?
E como explicar que o petista Fernando Haddad se lance à prefeitura como candidato do "novo" e corra para selar acordo com Paulo Maluf, logo o símbolo do que há de mais retrógrado na política municipal?
Esses acertos estapafúrdios embutem duas informações.
A primeira é que os dois lados perderam todo e qualquer escrúpulo para comprar (ôps, garantir) apoio de outros partidos. O objetivo, simples e caro, é obter mais tempo de televisão e rádio (horário fixo e inserções diárias) e se beneficiar da alavancagem proporcionada pelos candidatos a vereador. Ou seja, combustível adicional para a hora em que a eleição pegar fogo.
Nesse cenário polarizado, em que ambos estão dispostos a qualquer negócio, seria lógico que as adesões saíssem mais naturais _ou com menos ruído. Mensaleiros com mensaleiros, conservadores com conservadores, assim por diante.
Em São Paulo, porém, as fronteiras se esfumaçaram. Maluf endossa Haddad, mas continua prestigiado pelo tucano Geraldo Alckmin na coalizão do Estado. O prefeito Gilberto Kassab (PSD) apoia Serra na capital e o PT nas cidades do entorno. O PSB, dirigido em São Paulo por um alckmista de longa data, vai compor chapa com Haddad.
A sanha hegemonista do PT e a impermeabilidade do PSDB a novas lideranças contribuem para tamanha dispersão. Mas, se as demais legendas tentam manter os pés nas duas canoas, é porque não têm certeza de qual delas vai seguir boiando. É um indício de que o jogo está aberto _não apenas na sucessão de Kassab, mas também na de Alckmin.

coluna de 18.jun.2011

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Carrossel laranja

O escândalo ganhou tal dimensão, e em ritmo tão vertiginoso, que chamá-lo de Cachoeiragate já deixou de ser razoável.

As ramificações do esquema criminoso vão muito além das casas clandestinas de jogo do bicheiro.

Não se limitam à rede de arapongas e políticos, estrelada pelo ex-arauto da moralidade Demóstenes Torres e dedicada a zelar pelos interesses de Carlinhos Cachoeira em Brasília. Nem à derrama de subornos para conseguir contratos e cargos nos governos do Centro-Oeste.

Sabe-se agora que o bicheiro era, na verdade, o braço regional de uma quadrilha que atuava em todo o país com o objetivo de fraudar licitações e sugar dinheiro público.

A Delta era a ponta de lança. De sua matriz saíam ordens de pagamento para o propinoduto goiano. Ficou claro, porém, que a empreiteira operava outras filiais. No Rio, suspeita-se da "gangue do guardanapo" e do próprio governador.

Mas a revelação mais elucidativa foi feita na semana passada, sem merecer a atenção devida _o feriado encurtou a semana do Congresso.

Trata-se de relatório do Ministério da Fazenda sobre a movimentação financeira da Delta. Ele aponta cerca de R$ 115 milhões em transações atípicas e, principalmente, dedura um grupo de empresas de fachada. Subcontratadas para tocar as obras, elas aparentemente nada faziam além de emitir notas frias para esquentar os montantes desviados.

Mais 1: a mesma teia de laranjas aparece em projetos do PAC da Copa, do PAC da Mobilidade, do PAC do etc. Mais 2: essas firmas fantasmas foram empregadas também por outras construtoras grandes. Mais 3: seus pagamentos e saques cresceram em períodos eleitorais.

O laranjal é (ou deveria ser) a nova fronteira das investigações. No varejo e no atacado, ele aponta para um amplo esquema multipartidário de corrupção e a sujeição do sistema político ao crime organizado.



coluna de 11.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pau pra toda obra

Há muito tempo incomodado com as minúcias técnicas e os mecanismos de fiscalização da Lei de Licitações, o governo federal prepara-se para enterrá-la de vez, sob a alegação de que medidas emergenciais precisam ser tomadas para combater a paralisia da indústria e a desaceleração da economia.

O Planalto chegou à conclusão de que praticamente se esgotaram os efeitos do "combo" da política monetária do início da gestão Dilma.

Ninguém mais aposta que a derrubada de juros vá bombar a demanda e despertar o "instinto animal" da iniciativa privada. O empresariado se recolheu. Faz caixa à espera do desfecho da crise europeia. Já são três trimestres de queda de investimentos. O vaticínio dos banqueiros estava certo: "Você pode levar o cavalo à beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água".

O governo vê-se, então, pressionado a tomar ele mesmo a iniciativa. Sobretudo porque é desastroso o desempenho de seus investimentos. Com a exceção do programa federal da casa própria, nada funciona. Os gastos com obras caíram em relação a 2011. No setor de transportes, eles tombaram à metade.

Para salvar o PAC, que roda em ritmo ainda menor que na era Lula, a Presidência não pensa só em entregá-lo a novos gestores. Cuida para tirá-lo do escopo da Lei 8.666 por meio de uma medida provisória.

O Planalto já havia aprovado outro regime de concorrência para os projetos da Copa/Olimpíada. Ele de fato permite imprimir rapidez às obras. Mas, em parte, porque dificulta (ou, no mínimo, adia) o controle de orçamentos e despesas.

Se confirmadas pelo Congresso, as novas regras abrirão de vez a porteira. Afinal, é o governo quem define o que é e o que não é PAC.

Lançada em 1993 como peça moralizadora, a Lei das Licitações perdeu apelo neste cenário de pressão, tão mais tolerante a meios obscuros com declarados fins virtuosos.




coluna de 4.jun.2012



melchiades.filho@grupofolha.com.br