segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O crivo do contraditório

As rusgas e desacordos entre relator e revisor não atrapalham nem comprometem o julgamento do mensalão. Pelo contrário. Tornam-no mais dinâmico e justo.
Joaquim Barbosa, o relator, tem sido duro com os réus. Sua decisão de fatiar o exame do caso facilita a compreensão do esquema criminoso. Quem jogava na confusão ficou desesperado; quem insistia na tecla de que o mensalão não passava de uma "farsa" foi exposto ao ridículo.
Em seu voto substantivo e substancioso, Barbosa não só corroborou as conclusões de uma CPI (presidida por um petista), da Polícia Federal e de dois procuradores-gerais da República. Foi além. Mostrou que existem provas, de sobra, do desvio de dinheiro público _seja para o enriquecimento ilícito de sanguessugas do Estado, seja para a compra de apoio político ao governo Lula.
Ricardo Lewandowski, o revisor, tem recebido críticas _não sem razão_ por ignorar conclusões da PF e dar excessivo crédito aos testemunhos de correligionários dos réus. Mas suas divergências de encaminhamento têm sido ponderadas. É importante seu alerta para que ritos e direitos não sejam atropelados.
As patrulhas se atiçam. O revisor é acusado de operar para evitar ou atrasar as condenações; o relator, de tramar a entrega expressa de cabeças à opinião pública. Este, leviano; aquele, complacente. É do jogo.
O que interessa: Barbosa se contrapõe a quem aposta na impunidade, e Lewandowski, aos que anseiam pelo linchamento geral e irrestrito.
Ainda que pontuado por arroubos de vaidade, esse contraditório faz bem ao Judiciário. Indica que não há cartas marcadas no plenário do STF. Contribui para legitimar o julgamento e os vereditos que hoje devem começar a ser proferidos. Algo valioso num caso com tantas repercussões políticas e jurídicas.
Em tempo: Barbosa, a partir de novembro, e Lewandowski serão os próximos presidentes do STF.

coluna de 27.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Linha intermunicipal

Exagera quem trata a eleição de prefeitos como preliminar da corrida presidencial. Mas erra quem subestima o impacto nacional do resultado nas cidades.
As chapas não são montadas somente para atender demandas imediatas dos municípios. Elas visam, também, catapultar nomes, testar discursos, ensaiar alianças.
José Serra só foi o adversário de Dilma Rousseff em 2010 porque ganhou a eleição para prefeito de São Paulo em 2004. Ele vinha de três derrotas majoritárias (1988 e 1996, na cidade, e 2002, à Presidência). Seria difícil sobreviver a outra.
Não fosse aquela vitória serrista, a cara do PSDB hoje seria outra. A fila teria andado, e Aécio Neves, se firmado como liderança nacional.
Ainda em 2004: se Marta Suplicy tivesse sido reeleita, talvez o PT não estivesse de joelhos diante de Dilma. Lula teria opção que não a de inventar uma candidata "do nada".
O PSD só existe por causa de uma eleição municipal. Não houvesse renovado o mandato em 2008, Gilberto Kassab não teria adquirido musculatura para fundar do zero o quarto maior partido do Congresso.
No Rio, Sérgio Cabral, se vitorioso no segundo turno em 1996, teria motivo para ficar no PSDB, em vez de virar o mais entusiasmado cabo eleitoral de Lula no Sudeste.
Foi como vice-prefeito de Belo Horizonte que o tucano Eduardo Azeredo despontou, em 1989. Sua ascensão política correspondeu à formação de uma máquina poderosa de arrecadação ilegal, tão eficiente que chamou a atenção do rival PT e, anos mais tarde, foi convidada a se instalar no governo Lula. Talvez o valerioduto tivesse se expandido de toda maneira, mas, sem a gênese mineira, não haveria o mensalão ora em julgamento no STF.
A campanha dos candidatos a prefeito pega fogo a partir de amanhã, com a propaganda
na TV e rádio. Uma certeza: muitos envolvidos já (só) pensam no passo seguinte.

coluna de 20.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Foi do Brasil

No quesito "embromation", Galvão Bueno ainda não tem concorrente. Está por surgir outro narrador de TV capaz de tornar compreensível e atraente qualquer evento de qualquer esporte. É admirada até nas coxias da Globo sua desenvoltura em driblar os acidentes das transmissões ao vivo e falar tranquilamente ao microfone enquanto uma babel de vozes lhe chega aos ouvidos pelo ponto.
Mas foi por outro atributo que Galvão se assenhorou da posição. No passado, era comum o narrador aparecer em estádios e estúdios sem saber do que iria tratar. O próprio Galvão chegou a errar as seleções de um jogo da Copa de 1974.
O vexame estimulou a leitura dos jornais e o estudo dos esportes. Mais preparado do que os colegas, Galvão passou a atropelá-los. A fama de pernóstico e egocêntrico nasceu daí. O telespectador, porém, adorou o macho alfa. À Globo restou pareá-lo com comentaristas tranquilões, de baixa combustão.
Na Olimpíada de Londres, da qual a Globo se viu excluída, não houve nada disso. Relegado ao papel de "amarrador do dia" no SporTV, excluído das mordomias e sem o controle do "vivo", Galvão sentiu o baque. Virou um resmungão. Teve um surto antológico no ar.
Pior: os Jogos mostraram-no desatualizado, alheio ao noticiário, quase um profissional comum, não raro superado pelos mais jovens.
Muitos vibraram com a queda do pedestal. O esporte não. Sem o mestre de cerimônias, o ás em atenuar derrotas e exaltar vitórias, a realidade bate à porta. A fragilidade do modelo esportivo do país, as falhas de treinamento, as tibiezas de atitude, a campanha aquém da esperada, tudo isso ficou mais visível.
Mais dia, menos dia, esse teste de estresse viria. É irônico que tenha ocorrido às vésperas do "ciclo patriótico", a Copa-14 e a Olimpíada do Rio-16, eventos para os quais Galvão programou seu adeus.

coluna de 13.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Defesa aberta

A alegação petista de que tudo não passou de uma farsa, de invenção dos adversários, ficou de fora do julgamento do mensalão. Vale para atiçar a militância, não para os ministros do STF.
Quem conferir as peças de defesa dos réus notará um "cada um por si" no varejo, mas uma linha comum no atacado. Os advogados não contestam diretamente a existência do esquema paralelo de financiamento político. Sua estratégia é admitir ilegalidades, mas tentar restringi-las ao campo eleitoral.
Os objetivos são claros. A prática do caixa dois não está descrita no Código Penal. Leva a punições apenas de ordem eleitoral: cassação de mandato, perda de direitos políticos, corte do fundo partidário. Em suma, não põe ninguém na cadeia. Além disso, devido ao tempo transcorrido até o julgamento, as ilegalidades eleitorais já prescreveram.
Na versão dos acusados, coletar dinheiro à margem da lei para saldar despesas de campanha seria algo aceitável, porque disseminado. Esse "todo mundo faz" tem propósito também. Procura desresponsabilizar o indivíduo (o réu) para culpar "o sistema" (eu, tu, ele, nós...).
Quando o escândalo veio à tona, em 2005, o então presidente do TSE, Carlos Velloso, percebeu o artifício: "Confessam com a maior cara de pau um crime eleitoral porque estão certos da impunidade".
Cabe imaginar, porém, o que acontecerá se o STF considerar consistentes as provas de que houve desvio de dinheiro público, compra de apoio no Congresso, remessas clandestinas para o exterior e golpes contra o sistema financeiro.
De atenuante, a admissão do caixa dois eleitoral passará a agravante. Restará claro que a quadrilha fraudava eleições para capturar o Estado e, drenando-o, sustentar um projeto de poder de longo prazo.
A essa confissão de atentado à democracia o Supremo terá como não reagir com severidade?

coluna de 06.ago.2012

melchiades.filho@grupofolha.com.br