sábado, 29 de dezembro de 2007

Beija Sapo

O roteiro do programa é simples: pretendentes escondidos por uma máscara de sapo competem pelo direito de beijar uma menina (ou um rapaz). A escolha se dá por meio de perguntas e provas tolas. Tão tolas que parecem boladas para que o casal NÃO tenha idéia um do outro e, desse modo, tornem o mais gratuito possível o amasso que invariavelmente arremata a gincana televisiva.
Ok, o prefeito de São Paulo pode não despertar a volúpia dos adolescentes sarados e salivantes da MTV. Mas há um quê de Beija Sapo no tititi em torno do nome dele.
Gilberto Kassab conseguiu imprimir uma marca à sua gestão, com o elogiável projeto Cidade Limpa.
Meteu o trator em redutos dos rivais, sobretudo na periferia, com o apoio de coronéis municipais como o "neodemo" Milton Leite.
Mostrou que é bom de tática pré-eleitoral ao escolher saúde (os ambulatórios AMAs) e educação (as superescolas CEUs) como prioridades de governo _respectivamente apontados como um ponto fraco e um ponto forte da administração de Marta Suplicy, sua antecessora e provável adversária em 2008.
E marcou presença onde a notícia estivesse, fosse ela boa ou ruim.
Mas, se fecha o ano em alta, é também por causa de outra fortaleza detectada nas pesquisas: prefeito sem um único voto, ainda é desconhecido e por isso pouco rejeitado.
Dois estudos de psicologia de Harvard, incluídos pelo "New York Times" na lista das principais inovações das ciências em 2007, ajudam a compreender o fenômeno.
Um, aplicado na medicina, conclui que somos mais felizes quando não temos expectativas. Outro, na economia, que tendemos a fazer uma avaliação mais positiva de um sujeito quando temos poucas (ou ambíguas) informações sobre ele.
Para o sapo Kassab, é bom que continue assim. Não estranhe se a campanha da reeleição, como no programa da Cicarelli, opte por não aprofundar muito as coisas.

coluna de 29.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 23 de dezembro de 2007

Feliz 2009

Se fizer sentido, não tratar de um assunto polêmico e tiver um padrinho com bom trânsito nas duas Casas, um projeto de lei demanda, em média, duas legislaturas inteiras para se viabilizar.
Voto facultativo? A proposta tramita há mais de duas décadas, assim como a que torna o serviço militar não obrigatório. Há mais de dez anos, estão temas da ordem do dia como união civil de pessoas do mesmo sexo e minoridade penal.
Parte é culpa da burocracia regimental. Um projeto raramente sobrevive ao sobe-e-desce entre comitês, ao diz-que-diz de audiências e ao vaivém entre Câmara e Senado _labirinto criado para manter o status quo, mas também para coibir ataques apopléticos do Legislativo.
Parte da gaveta se deve à natureza da política. Às vezes, não submeter uma matéria ao plenário é decisão tão autoral, e legítima, quanto a de aprová-la ou a de rejeitá-la.
E há, por fim, a incompetência e a inapetência dos que deveriam zelar pelo andamento dos trabalhos.
Em 2007, foi isso que prevaleceu. Renan Calheiros e Arlindo Chinaglia implodiram os sonhos de "fortalecimento" do Congresso.
Um atolou o Senado para salvar o mandato. O outro permitiu que o Executivo parasse a Câmara. Um nada fala em sua defesa _recolheu-se tão logo absolvido. O outro simula desalento e alardeia que cortou R$ 11 milhões do R$ 1,8 bilhão da folha de pagamento. Afe.
Pior. Sem um e com o outro, as perspectivas não são boas. Refém de medidas provisórias, sessões solenes e discursos à TV oficial, este ano deixará para o próximo o papagaio da CPMF. O Legislativo terá, a partir de fevereiro, de lidar com os seis decretos presidenciais que foram ignorados para não atrapalhar a votação do imposto e de participar do debate engana-trouxas da reforma tributária _ao menos até que o Planalto selecione a "maldade" para recuperar a arrecadação.
A agenda está tomada até junho, quando o Congresso trocará Brasília pelas campanhas municipais.

coluna de 22.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Comida para quem precisa

A literatura técnica sobre greves de fome é escassa. Uma convenção internacional proíbe experimentos com voluntários, como ocorria até o século 19, e dá ao manifestante o direito de rejeitar monitoramento médico. Estudos sobre desnutrição não servem, pois as reações à privação absoluta de alimento são outras. Sem falar que o metabolismo varia inclusive em um mesmo indivíduo.
Há um consenso, no entanto, sobre o "roteiro" que o corpo obedece quando desprovido de nutrientes.
A primeira fase raramente causa seqüelas. O fígado quebra reservas de glicogênio em glicose (açúcar).
A segunda, após alguns dias, já traz perigos. A queima de gordura produz ácidos. Um, tóxico, é eliminado na urina e via expiração. A alta concentração dos outros reduz o pH do sangue. Boca e pele secas, aumento de micções, prostração e hálito frutado são sintomas de cetoacidose, que pode levar a complicações cardíacas e cerebrais.
Com a perda de um quinto do peso, o organismo entra na terceira etapa. Baixa o ritmo metabólico drasticamente e passa a consumir, quase que exclusivamente e indistintamente, proteínas estocadas em tecidos de músculos e órgãos. Devastador.
Mahatma Gandhi nunca estendeu uma greve de fome além do 21º dia. Dos prisioneiros do IRA que jejuaram em 1981, na tentativa de obter status político, o primeiro morreu no 46º dia; o último, no 73º.
Dom Luis Cappio está no 22º. Ao contrário dos irlandeses, ingeriu soro caseiro: sal para manter a pressão arterial e açúcar para repor energia. Em tese, terá muitos dias de lucidez (e beijos de Letícia Sabatella, fotos com Suplicy, entrevistas por celular etc.) pela frente.
Por ora, quem agoniza é o governo, surpreendido pela cruzada herética contra as obras do São Francisco e ciente do estrago político que ela causará. Lula sabe que não pode reeditar Margaret Thatcher e "cumprir o desejo do suicida". Mas fazer o quê? Mandar o ministro Geddel fechar a boca também?

coluna de 19.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

domingo, 16 de dezembro de 2007

Plano de saúde

A imprensa ainda espera o desabafo que reproduza toda a irritação que só os mais próximos testemunharam até aqui. Que virá, cedo ou tarde. Se Lula soltou a língua durante as negociações, por que haveria de controlá-la agora?
Talvez seja precipitado, no entanto, apostar que o presidente fará da derrota da CPMF um campo de batalha e que ele não sossegará até que os algozes do imposto sejam reconhecidos como vilões e o eleitorado sinta saudades do 0,38%.
Para jogar uma crise no colo da oposição, o presidente teria, antes, de decretar que existe uma crise.
Para culpar "demos" e tucanos pelos efeitos danosos da extinção da CPMF, teria, antes, de alertar a platéia para esses efeitos danosos.
Parece um tanto improvável que o Planalto, em busca de um discurso crível, opere para que juros, inflação e risco-país subam, desfalque o Bolsa Família, eleve o Imposto de Renda, feche restaurantes populares, esqueça investimentos na segurança, corte aposentadorias rurais, acabe com internações e tratamentos de doentes crônicos e/ou faça ajuste irracional de despesas.
(Todas essas "maldades" fizeram parte das chantagens do governo no mês que antecedeu a votação.)
Parece improvável, também, que Lula abrace a agenda negativa. A economia está bombando, com superávits, empregos e PIBão. Por que chamar atenção para a situação de mierda dos hospitais? Para dar o troco em Arthur "Quem?" Virgílio?
A derrota no Senado foi dura. Desarranjou planos do governo. Mas não terá a repercussão política que se diz por aí. A coalizão anti-Lula ruiu já na votação seguinte (DRU).
Mais provável é que o presidente absorva a seu modo o revés, bote a turma da Fazenda para formatar um projeto decente que encha o caixa da Saúde (e não a farsa contábil enviada de última hora ao Senado) e zele para que (somente) ele seja reconhecido pelas inovações.
Até porque, se virar o "presidente da saúde", a oposição se lasca.

coluna de 15.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

War in Rio

Não foi à toa que Lula prometeu o despejo de verbas nas grandes cidades e anunciou que o morador das 13 principais capitais "terá o privilégio de ver a quantidade de obras" a partir de agora.
A mais recente pesquisa do Datafolha constatou que as fortalezas de avaliação do primeiro mandato, como o Bolsa Família, não convenceram de todo o eleitorado urbano. No interior, o governo Lula conta com a aprovação (ótimo + bom) de 54%. Nas regiões metropolitanas, esse índice cai para 49%. Nas capitais, desce ainda mais, para 42%.
Dos entrevistados que moram no interior, 16% apontaram espontaneamente as iniciativas contra miséria/fome como um trunfo do governo federal. Nas capitais, só 9%.
Não foi à toa, também, que Lula resolveu jogar as primeiras fichas da nova estratégia na cidade do Rio.
Há a memória entalada da vaia no estádio do Pan. Há a vontade de dar o troco em Cesar Maia, talvez o político que hoje mais torpedeie o lulismo. Há o desafio de lidar com a curiosa demografia do voto fluminense, espremido entre o neo-evangelismo e o old-brizolismo _e geralmente avesso ao petismo. Há a gratidão pelo apoio decisivo no tira-teima contra Geraldo Alckmin no ano passado. Há _por que não?_ o bom gosto do presidente também.
Mas há, sobretudo, o diagnóstico da importância "geopolítica" do Rio: um enclave sem dono em um Sudeste controlado por tucanos.
Por isso o afã do Planalto de lançar o PAC da Rocinha, quando mais sensato teria sido investir nos bairros pobres da Baixada Fluminense.
Por isso, também, a apressada e demagógica decisão de entregar às escolas de samba uma bolada a fundo perdido, sem exigência de contrapartidas e prestação de contas.
Lula abriu o tabuleiro e rolou o dado. A competitividade do War in Rio da política põe no saco a da versão carioca, com favelas e traficantes, que um gaiato criou para o famoso jogo de estratégias de guerra.

coluna de 12.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 8 de dezembro de 2007

Questão de Tatto

O PT teima em desmentir quem prevê sua derrocada. A mobilização de 325 mil militantes nas eleições internas, no domingo passado, mostra que seus candidatos em 2008 terão respaldo além das canetadas do Planalto.
Ainda assim, as perspectivas do próximo round eleitoral estão bem longe de róseas para os petistas.
O prefeito João Paulo tem tudo para fazer o sucessor em Recife: o apoio do governador Eduardo Campos (PSB) e a popularidade recorde de Lula no Estado. O problema é que no páreo há nomes bem conhecidos, inclusive um ex-governador _Mendonça Filho (DEM).
Em Belo Horizonte, tudo aguarda a definição dos planos do tucano Aécio Neves... quer dizer, do prefeito petista Fernando Pimentel.
Gleisi Hoffmann poderá vingar em Curitiba. Mas será uma zebra, pois Beto Richa (PSDB) tem o amparo da máquina que já comanda.
Em Salvador, o PT, se lançar chapa, comprometerá a base do governador Jaques Wagner. Ademais, o partido participa da administração de João Henrique (PMDB), que buscará a reeleição. Complicado.
Como complicado será retomar Porto Alegre. José Fogaça (PMDB) tentará outro mandato. E, ao contrário dos petistas, que nem definiram seu nome, o resto da oposição já faz estardalhaço com Manuela D'Ávila (PC do B), Ônix Lorenzoni (DEM) e Luciana Genro (PSOL).
No Rio, o PT está tão frágil que não merece um parágrafo mais longo.
Por isso todas as atenções se voltam para São Paulo. O PT precisa de um resultado de impacto no ano que vem _ou ao menos de alguém que gere expectativas na largada da campanha para as prefeituras. Na capital paulista, isso é possível, desde que Marta Suplicy desista da idéia de "aguardar" 2010.
A votação expressiva de Jilmar Tatto à presidência do partido é um ingrediente a mais. As pressões que a ministra já sofria de suas bases serão amplificadas com a emergência nacional do granadeiro martista.

coluna de 08.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

PS: PSOL

Estávamos acostumados à decoreba: um terço da população é pró-Lula, um terço se opõe a ele e um terço oscila entre esses pólos de acordo com as circunstâncias, sobretudo as econômicas. A leitura de 2010 já estava embicada assim. Teríamos um tucano, José Serra ou Aécio Neves, contra o nome do PT escolhido pelo Planalto. A batalha da propaganda cuidaria de iluminar os indecisos.
A pesquisa Datafolha publicada no domingo, no entanto, sugere um outro script para daqui a três anos. (O que é natural, até porque Lula dessa vez não estará na cédula.)
OK, não se deve subestimar a capacidade do presidente de, mais adiante, anabolizar a candidatura de seu partido. Mas uma das notícias da pesquisa é o desempenho raquítico de todos os petistas. Nem Marta Suplicy esbarra em 10%.
A "terceira via" surge no Datafolha mais vigorosa do que se previa. Ciro Gomes (PSB) pinta e borda na vice-liderança, atrás só de Serra.
Mais que isso, logo a seguir vêm Heloísa Helena e seu vasto repertório de adjetivos carbonários. A ex-senadora do nanico PSOL surpreende com ao menos 13% em todas as regiões e cenários. Bate em 20% entre os mais escolarizados.
Há um efeito nítido de "recall". Ciro e HH (assim como Serra) já foram candidatos à Presidência.
Mas parece haver algo a mais nos números. Talvez o recado de uma legião indignada, de uma gente que não piaria se a Renânia, quer dizer, Brasília, fosse tragada por um cataclismo e que se identificou rapidamente com os políticos alheios ao duelo PT-PSDB _Garotinho-2002 já tinha sinalizado algo do gênero.
O potencial de crescimento/consolidação do cearense é maior. Sabiamente, Ciro também construiu um discurso para os militantes do lulismo. Denuncia a "elite branca", os paulistanos, a grande imprensa...
HH pode não ter envergadura para vôos tão ambiciosos, mas pelo jeito exercerá papel importante na arquitetura do segundo turno.

coluna de 05.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br

sábado, 1 de dezembro de 2007

Lula 3 e amendoins

Muitos se assustam com a temperatura e a duração do debate. Estivesse nossa democracia madura, dizem, o país já teria virado a página da re-reeleição. No entanto é bastante compreensível que não se fale de outra coisa.
O governo é percebido como bom. Os botecos da política precisavam de amendoim novo depois de terem dissecado a vida e as obras de Renan. (Queriam o quê? Discussões apaixonadas sobre a CPMF?) E, finalmente, o assunto serve a vários interesses circunstanciais.
Para Lula, é conveniente que a agenda se dobre a algo que esfrie e esquente conforme suas declarações. Do contrário, teria ele mesmo desautorizado os assanhados _ao menos os do PT (Devanir Ribeiro é amigão do tempo de sindicato).
Petistas decadentes ou com cargos na máquina pegam a onda não só porque desejam um tico de protagonismo midiático ou conservar a boquinha, mas também porque, ao tensionar o ambiente, induzem o Planalto a manter as alianças pulverizadas e a ratificar os acordos "à mensalão" do primeiro mandato.
Para a oposição em campanha contra a CPMF, trata-se de uma muleta. Além de desonerar a economia (e contentar grandes doadores eleitorais), ela agora tenta impedir que Lula tenha (mais) dinheiro para fazer uma administração (mais) vistosa e, com isso, torne (mais) atraente o projeto continuísta.
A todo tucano que não governe São Paulo ou Minas _estes estão obcecados com a possibilidade de seu primeiro mandato, e não com a ameaça do terceiro de Lula_, o tema ajuda a preencher o palanque.
O que intriga é a atuação engajada de estranhos ao lulismo. Por que na vanguarda do debate está Carlos Willian, deputado do PTC? Por que coube a Eduardo Cunha, do PMDB de Garotinho, a manobra mais incisiva na Câmara? Por que o PR não se juntou à defesa das atuais regras eleitorais para 2010, ato que reuniu dez partidos, inclusive o PT? Vai saber. Mas dá para imaginar.

coluna de 01.dez.2007

mfilho@folhasp.com.br