terça-feira, 5 de junho de 2007

O reino Tão, Tão Distante

Sátiras políticas, referências a questões globais, menções a celebridades, metalinguagem. A indústria do desenho animado pega pesado para entreter o pai que é arrastado ao cinema.
Veja, por exemplo, uma rápida cena de "Madagascar" (2005), sobre a viagem de animais do zôo de Nova York à África. O chefe dos pingüins que tomaram o comando de um navio se vira para um subalterno e ordena: "Assuma, Kowalski!".
O que, para a criança, não passa de um punhado de consoantes, para o adulto criado defronte à TV, é gatilho de gargalhadas. A menção ao marujo coadjuvante de "Viagem ao Fundo do Mar" faz esquecer a tola meia hora anterior. "Ah, esse filme foi feito pra mim!", o sujeito vibra.
O estúdio vibra mais. É crucial estabelecer contato com aquele que pagará, além do ingresso e da pipoca em volume bestial, os brinquedos, o DVD e demais derivados.
Por isso o enredo é cada vez mais relegado ao segundo plano, como em "Shrek 3", que estréia na semana que vem e será programa obrigatório de férias do pai que puder encarar a bilheteria dos multiplexes.
Na penúltima edição da revista "New Yorker", David Denby lamenta a opção pela colagem de sarcasmos e reclama a volta das borboletas, anõezinhos e fadas bondosas.
O novo milênio é mais cruel que as madrastas tirânicas e as bruxas traiçoeiras da era de ouro da Disney, conclui o crítico, pois sonega o faz-de-conta. Meninos de sete anos são tratados como adultos.
Algo similar ocorre na política no Brasil. As questões de fundo, institucionais, o debate do bem público, o resguardo da lei e a defesa da democracia estão hoje fora do roteiro. O jovem eleitor é apresentado ao escracho antes do sonho, à paródia antes da informação.
E lá vem piada pronta, tosca. Taras de senador, cervejinhas de governador, picanha no pescoço, ponto G... Um filme cujo final só é feliz para grosseirões como Shrek.

coluna de 05.jun.2007

mfilho@folhasp.com.br

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