sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Receita do bolo

Tramita quieta e rapidamente no Congresso um acordo entre os fiscos do Brasil e dos EUA que prevê a troca de informações e acesso a dados sigilosos.
Aprovado o texto, auditores brasileiros poderão vasculhar as movimentações financeiras e declarações de renda de pessoas físicas e jurídicas nos EUA _e vice-versa.
A Receita saliva com a perspectiva de descobrir os brasileiros com imóveis e dinheiro não-declarados nos EUA e disparar processos por sonegação e evasão de divisas. A Flórida não seria mais a mesma.
Curiosamente, porém, quem mais opera pela aprovação do intercâmbio não é o governo, mas a nata da iniciativa privada nacional.
Embraer, Vale, Gerdau, Coteminas, Votorantim & Co. não estão empenhados em caçar sonegadores. Procuram fazer desse tratado bilateral o trampolim para outro: convencer os EUA a aceitarem o fim da dupla tributação, o que reduziria o recolhimento dos lucros que essas empresas repatriam.
O silencioso rolo compressor sobre a Câmara, contudo, esmagou duas contraposições importantes.
Primeiro, nada garante o sucesso da estratégia "fatiada" _inédita. O governo americano não firmou compromisso sobre a bitributação.
Segundo, não há no texto no Congresso salvaguarda à privacidade do contribuinte. O envio de dados teria de ocorrer mesmo que a conduta do investigado não fosse crime em seu país. Em tese, os EUA poderiam exigir os dados de familiares de imigrantes ilegais, por exemplo.
A Receita tenta tranqüilizar. Promete no dia-a-dia filtrar os pedidos, adequando-os à legislação nacional, e impedir a utilização indevida das informações repassadas.
O acordo, de todo modo, criaria um atalho não-judicial para a quebra do sigilo bancário. Cabe perguntar se, para aliviar a grande indústria, o brasileiro se dispõe a confiar esse direito constitucional a fiscais anônimos desobrigados de tornar públicas suas decisões.

coluna de 22.ago.2008

mfilho folhasp.com.br

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