quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Meio Kirchner, meio aliche

Muitos no governo se entusiasmaram ao ouvir que Lula resolveu encampar e divulgar pessoalmente o primeiro documento de Estado a assumir detalhes sórdidos da repressão e a cobrar das Forças Armadas explicações para lacunas da narrativa sobre a ditadura.
Dizem que a cerimônia, hoje, será o símbolo da virada de uma administração conhecida por anestesiar queixas e adiar enfrentamentos.
Observam que o segundo mandato destampou a panela de pressões. Que, um a um, entram na agenda temas que o Planalto antes preferia deixar de lado em nome da governabilidade: imprensa, investimentos públicos, aborto, TV digital etc.
De fato, do ponto de vista do programa das forças que acompanham Lula desde sempre, o primeiro mandato foi de notável tibieza.
O único gesto de arrojo precedeu a posse: a Carta ao Povo Brasileiro, que de petista não tinha nada.
A política externa ensaiou passos atrevidos, mas a opção pelo eixo sul-sul sucumbiu ao biodiesel.
Houve tiros certeiros, como o Bolsa Família, o controle da inflação e o apoio para que grandes empresas do país se convertessem em atores globais. Mas de certo modo todos tinham sido disparados por FHC.
De resto foi uma modorra. Bandeiras históricas do PT, como educação e reforma agrária, nunca foram desenroladas _menos na opinião dos que aceitam chamar Di Genio e Maggi de companheiros.
Para os militantes, a reeleição e a alta popularidade mudam esse quadro. O presidente agora poderia arriscar vôos "autorais". Como o argentino Néstor Kirchner, outro que reabriu a caixa-preta militar.
Lula, porém, não parece disposto a chutar o pau da barraca. Aborto, imprensa, TV digital... em todos esses assuntos, ele já recuou um passo.
No fundo, continua um conservador. Apenas deve ter percebido que o que mantém nas cordas os inimigos não é o que faz, mas o medo de que faça o que um dia prometeu.

coluna de 29.ago.2007

mfilho@folhasp.com.br

Nenhum comentário: